Para pessoas com uma malformação arteriovenosa do cérebro, um defeito congénito do sistema vascular, o seu destino tem um nome: AVC. Para evitar este risco, os pacientes são por vezes submetidos a intervenções para remover a malformação, mas será isto benéfico?
Não necessariamente. De acordo com um ensaio clínico internacional co-orientado por investigadores do Centro Hospitalar da Universidade de Montreal (CHUM), o tratamento intervencionista – por neurocirurgia, neurorradiologia ou radioterapia – pode ser mais perigoso do que a própria doença.
Num estudo publicado no “The Lancet Neurology”, Christian Stapf, neurologista vascular do CHUM e co-autor do artigo, mostra que o risco de ter um AVC ou morrer diminui 68% quando os médicos deixam a malformação seguir o seu curso natural.
“Por outras palavras, o risco de ter um AVC ou morrer é pelo menos três vezes menor”, referiu o professor da Universidade de Montreal.
“Perguntamo-nos o que seria melhor para o doente: remover a malformação para prevenir um AVC ou viver com a malformação durante vários anos? Os resultados do nosso estudo são claros: a longo prazo, os cuidados médicos normais são mais benéficos para o doente do que qualquer outra intervenção. Isto abala certamente o pensamento convencional sobre como prevenir um AVC nestes pacientes”.
Uma segunda fase do estudo procurou avaliar se a intervenção cirúrgica precoce poderia reduzir o risco de défices neurológicos. “Depois de um período de acompanhamento de cinco anos, mostrámos que, após as intervenções, havia duas vezes mais doentes com défice incapacitante do que apenas com a gestão médica”, afirmou Stapf.
Para este ensaio clínico internacional denominado ARUBA (abreviatura de “A Randomized trial of Unruptured Brain AVMs”), foram recrutados, entre 2007 e 2013, 226 participantes adultos, com uma idade média de 44 anos, em 39 centros hospitalares de nove países diferentes. Entre os membros desta rede colaborativa, o CHUM foi o centro canadiano mais ativo em termos de recrutamento.
Os doentes voluntários, que nunca tinham tido um AVC e cuja malformação era por vezes descoberta por acaso, foram divididos em dois grupos: o primeiro recebeu cuidados médicos padrão, enquanto o segundo recebeu cuidados padrão combinados com terapias invasivas (neurocirurgia, neurorradiologia interventiva ou radioterapia). Os pacientes foram acompanhados durante períodos médios de 33 a 50 meses.
Em 2014, sob a supervisão do neurorradiologista intervencionista Jean Raymond, o CHUM lançou o TOBAS, um estudo internacional cujo objetivo era verificar se os resultados conclusivos do ensaio clínico ARUBA poderiam também ser válidos para todos os pacientes com uma malformação neurovascular, incluindo os que tinham tido um acidente vascular cerebral.
Até à data, o programa de saúde neurovascular do CHUM é o maior do Quebec e um dos maiores do Canadá: mais de 800 doentes com AVC são admitidos todos os anos no programa. Com o “Centre de Référence des Anomalies Neurovasculaires Rares”, o CHUM oferece também uma clínica multidisciplinar especializada, dedicada a pacientes com vários tipos de malformações vasculares do cérebro.
Informação bibliográfica completa:
Medical management with interventional therapy versus medical management alone for unruptured brain arteriovenous malformations (ARUBA): final follow-up of a multicentre, non-blinded, randomised controlled trial” by Jay P. Mohr et al. in Lancet Neurol 2020; 19:573–81 This research was supported by the National Institutes of Health/National Institute of Neurological Disorders and Stroke and the Vital Projects Fund.
NR/HN/Adelaide Oliveira
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