Alucinações auditivas assentam em ligações cerebrais anormais

2 de Julho 2020

As alucinações auditivas, um fenómeno em que as pessoas ouvem vozes ou outros sons na ausência de estímulos externos, são uma característica da esquizofrenia e de outras perturbações neuropsiquiátricas

Os sintomas de esquizofrenia podem ser o resultado do aumento de conexões entre as áreas sensoriais e as áreas do cérebro que processam a linguagem.

As alucinações auditivas, um fenómeno em que as pessoas ouvem vozes ou outros sons na ausência de estímulos externos, são uma característica da esquizofrenia e de outras perturbações neuropsiquiátricas. A forma como surgem no cérebro era pouco clara, mas novas investigações indicam que a alteração da conectividade cerebral entre as áreas de processamento sensorial e cognitivo poderá ser a responsável.

O estudo, liderado por Stephan Eliez, da Universidade de Genebra, na Suíça, foi publicado na Revista “Biological Psychiatry: Cognitive Neuroscience and Neuroimaging”.”Os nossos resultados demonstram um desenvolvimento anormal dos núcleos talâmicos envolvidos no processamento sensorial e [um] padrão imaturo de conectividade tálamo-cortical nas regiões auditivas do cérebro”, explicou a autora principal, Valentina Mancini.

Através da utilização de ressonância magnética, os investigadores compararam as estruturas cerebrais e a sua conectividade em 110 indivíduos saudáveis de um grupo de controlo, e em 120 pessoas com uma doença genética denominada “Síndrome de Deleção 22q11.2” ou “SD”. As pessoas com SD apresentam um risco muito maior do que a população em geral de desenvolver esquizofrenia e de sofrer alucinações sensoriais. Estima-se que um por cento dos doentes com esquizofrenia têm esta desordem.

Anormalidades no tálamo, uma região cerebral reconhecida como a “porta de entrada” da informação sensorial no cérebro, já tinham sido apontadas na esquizofrenia e alucinações. Nesta investigação, os autores procuraram analisar mais especificamente como o tálamo e as suas ligações com outras áreas cerebrais diferiam em pessoas com SD 22q11.2 – com e sem alucinações auditivas – relativamente ao grupo de controlo.

Para este estudo longitudinal, os especialistas analisaram os exames cerebrais de indivíduos com idades compreendidas entre os 8 e os 35 anos, a cada três anos.

Embora não se observassem diferenças nos dois grupos em relação ao volume total do tálamo e à sua trajetória de desenvolvimento, os investigadores encontraram diferenças em sub-núcleos talâmicos específicos.
Os núcleos geniculados mediais e laterais, que estão envolvidos na transmissão de informação sensorial auditiva e visual, eram mais pequenos em pessoas com SD 22q11.2. Em contrapartida, os núcleos talâmicos que comunicam com o córtex frontal, envolvido em funções cognitivas mais elevadas, eram maiores em indivíduos com SD 22q11.2 do que nas pessoas saudáveis. Além disso, outros núcleos talâmicos desenvolveram-se de forma diferente nos dois grupos.

Ao compararem indivíduos com SD 22q11.2, com e sem alucinações auditivas, os investigadores verificaram que os doentes que têm estas alucinações apresentam um volume menor de núcleos geniculados mediais e uma trajetória de desenvolvimento diferente.

Ao avaliarem a conectividade funcional no cérebro, os autores descobriram também que os pacientes com alucinações auditivas tinham uma maior conectividade entre os núcleos geniculados mediais com o córtex auditivo e outras áreas de processamento da linguagem. Os investigadores consideram que tal hiper-conectividade poderia estar subjacente à ativação dessas áreas auditivas em repouso, provocando alucinações.

“Estas descobertas fornecem uma explicação mecanicista para a extrema probabilidade de fenómenos alucinogénicos em jovens propensos à psicose devido à Síndrome de Deleção 22q11.2”, explicou Valentina Mancini. “Além disso, a investigação do desenvolvimento de interações entre o tálamo e o córtex pode ajudar a identificar novos alvos de intervenção destinados a prevenir o aparecimento de sintomas psicóticos em indivíduos em risco devido às suas condições genéticas ou a um estado clínico de ultra-alto-risco”.

Cameron Carter, editor da Revista “Biological Psychiatry: Cognitive Neuroscience and Neuroimaging”, acrescentou: “este estudo de indivíduos com SD 22q1.2 pode proporcionar uma janela única para as alterações do desenvolvimento cerebral que estão subjacentes ao aparecimento de sintomas psicóticos, bem como outros problemas de desenvolvimento e cognitivos nestes jovens”.

Acesso ao texto original Aqui

NR/HN/Adelaide Oliveira

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