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Apoio aos idosos em Portugal: aprender com a pandemia Covid
A par do aumento da longevidade – de acordo com dados recentes do INE referentes ao período de 2017-2019, a esperança média de vida à nascença em Portugal foi estimada em quase 81 anos (80,93) – , o aumento das doenças crónicas e incuráveis é uma realidade crescente no panorama actual das doenças, e na procura dos serviços de saúde.
O aumento do número de anos vividos, no entanto, não é hoje sempre acompanhado de anos com qualidade, pois instala-se habitualmente fragilidade, com multimorbilidade, com dependencia funcional e declínio cognitivo, e o apoio nem sempre é o adequado.
Num país como o nosso, em que temos hoje mais de 2 milhões de idosos (cerca de 20% da nossa população) e com uma previsão de ser em 2050 o mais envelhecido da Europa (dados INE), temos forçosamente que considerar o apoio aos milhões de portugueses idosos em fim de vida como uma prioridade de Saúde Pública, como bem recomenda a OMS desde há anos.
Dentro da população idosa (com mais de 65 anos) convém dar particular destaque a um grupo que apresenta maior vulnerabilidade e carece de mais cuidados de saúde. Trata-se dos idosos em situação de fragilidade (frailty), um quadro ainda hoje pouco conhecido e falado.
A fragilidade representa um estado inespecífico de risco aumentado de mortalidade e de eventos adversos de saúde, como a maior dependência de terceiros, a incapacidade, as quedas e lesões incapacitantes, as doenças agudas, a lenta recuperação de doenças, a necessidade mais frequente de hospitalização e a institucionalização mais prolongada. Ocorre uma redução da reserva funcional e de múltiplos sistemas orgânicos, com um estado de aumento de vulnerabilidade fisiológica.
Na nossa população, o número de indivíduos frágeis está claramente a aumentar – estima-se que nos países desenvolvidos 10 a 25% das pessoas com 65 ou mais anos podem ser assim classificadas -,e poderemos considerar que serão estes o alvo preferencial dos cuidados de saúde aos idosos em fim de vida.
Com mudanças conhecidas que ocorreram a nível dos sistemas social, laboral e familiar, e com o aumento da longevidade, o envelhecimento em família deixou de ser uma constante. Os chamados lares e equipamentos residenciais para idosos começaram a surgir como resposta de apoio para muitas pessoas no nosso país. Poderemos questionar se, de futuro, é por aí que, como sociedade, queremos caminhar. Indubitavelmente, um dos eixos do trabalho futuro passará por maior investimento no apoio domiciliário (que não apenas social, mas também clínico) aos idosos e no apoio consistente aos cuidadores informais.
Os lares – hoje desigandos por ERPI’s (equipamentos residenciais para idodos) – foram inicialmente constituídos como equipamentos sociais, acolhendo pessoas com baixa necessidade de cuidados de saúde. Com a evolução da condição dos seus residentes, é factual que temos hoje em muitas ERPI’s um largo número de pessoas idosas com elevadas necessidades de cuidados de saúde. Estima-se hoje que em Portugal há mais de 80 000 idosos residentes em ERPI’s – para além dos milhares que vivem sós e isolados -, e haverá ainda cerca de 35 000 idosos a viver em lares ilegais, estes com acompanhamento não escrutinado e de qualidade assistencial que poderemos dizer, no mínimo, duvidosa.
No nosso país, em 2019 registaram-se 111.793 óbitos (dados PORDATA), sendo 100993 acima dos 60 anos. As mortes em hospital têm vindo a aumentar – cerca de 60% do total -, aquelas em ambiente domiciliário diminuiem (menos de 30%). Estimamos que os óbitos em estruturas residenciais rondem os 10%. Falamos por isso, de milhares de portugueses que encontram nas estruturas residenciais o seu local de fim de vida.
A resposta às múltiplas necessidades de saúde destas pessoas idosas mais frágeis e em período de fim de vida (consensualmente falamos do período dos últimos 12 meses de vida) deve ser encontrada preferencialmente com respostas de proximidade na comunidade e não passa necessariamente pelo recurso sistemático à hospitalização. Mas isso só pode acontecer com reforço e qualificação adequada dos seus recursos humanos.
Ainda que possa ocorrer o desejável apoio das estruturas de internamento e apoio comunitário de Cuidados Continuados e de Paliativos, sabemos que, por um lado, as respostas ficam aquém das necessidades e são frequentemente distantes e tardias, e ao mesmo tempo é desejável que as equipas de cuidadores nas estruturas residenciais possuam conhecimentos básicos que lhes permitam responder às principais necessidades (de saúde e sociais) destas pessoas a um nível básico, referenciando criteriosamente as situações mais complexas para as estruturas especializadas.
A presente pandemia COVID-19 veio pôr a nu fragilidades já conhecidas das pessoas residentes em lar e também algumas carências na assistência que lhes deve ser prestada, contribuindo de igual forma para ressaltar a preocupação já existente com a adequação dos cuidados prestados a esses nosso concidadãos, carecedores das respostas que assegurem a sua Dignidade e a Qualidade assistencial, também em fim de vida. Esta crise, que evidenciou até agora que a mortalidade em Lares foi superior à de outros recursos sociais e de saúde, representa também uma oportunidade, uma possibilidade de melhorar a assistência a um grupo tão numeroso de concidadãos, com doenças crónicas e comorbilidades, com fragilidade acrescida e possibilidade de virem a falecer em ERPI’s, com ou sem infecção por Sars Cov2.
Para além de uma abordagem geriátrica genérica, é mandatório o reforço da prestação de acções paliativas a este numeroso grupo.
Estas acções paliativas correspondem a um nível básico de intervenção no sofrimento mas não a Cuidados Paliativos diferenciados, prestados por equipas especializadas. Elas visam identificar e tratar precocemente os doentes com necessidades do foro paliativo, priorizando o conforto. Para tal, é fundamental existir formação técnica adequada por parte dos profissionais, formação essa que, para além do mais, permita a articulação adequada e a referenciação para as equipas especializadas de Cuidados Paliativos.
Uma correcta abordagem paliativa, centrada nas necessidades destas pessoas vulneráveis, é uma resposta ampla e estruturada, multidimensional. Nela se incluem o correcto controlo sintomático, a discussão atempada e antecipada de planos de cuidados – considerando os vários cenários de doença, os recursos assistenciais mais adequados e desejados pelo idoso, e as transições que pretende fazer no sistema de saúde – a abordagem holística da Pessoa nas suas várias dimensões (física, espiritual, social, cultural), nomeadamente em situação de sofrimento, o apoio à família, incluindo no período do luto, e a discussão rigorosa de aspectos éticos particulares no fim de vida, nomeadamente a pessoas sem capacidade de decisão e/ou que possuam Directivas antecipadas de vontade.
Ainda que já praticada nalgumas ERPI’s, existe seguramente possibilidade de melhoria e será muito relevante poder incrementar a abordagem paliativa em ERPI’s, e isso pressupõe formação rigorosa e estruturada das já empenhadas equipas assistenciais. Desde logo, para clarificar que os Cuidados Paliativos vão para além da terminalidade, não se limitam aos moribundos e ajudam a viver com mais Qualidade, por períodos que podem ir de semanas a anos, em pessoas com diagnósticos como demências, sequelas de AVC, cancro ou doenças degenerativas.
Imprescindível é a noção de que a intervenção no sofrimento é global, visando as múltiplas perdas nas múltiplas dimensões humanas, promovendo a Dignidade e a Qualidade de vida, nunca deixando que o sofrimento se torne disruptivo e não esquecendo a dimensão espiritual das pessoas idosas em fim de vida.
Esta crise que atravessamos pode ou não ser uma oportunidade de melhoria. Ela coloca-nos questões relevantes, que nos impelem a reflectir e a encontrarmos possibilidades de atingir, como colectivo, novos patamares de conhecimentos, práticas mais humanizadas, resultados mais avançados. Oxalá isso possa efectivamente acontecer no que concerne ao apoio aos idosos e mais vulneráveis.
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