Competição celular no timo é crucial no organismo saudável

31 de Julho 2020

As células identificadas integram informação sobre o que outras células, mais maduras, precisam e definem o seu próprio desenvolvimento: ajustam a velocidade de produção de linfócitos T e expurgam o sistema de outras células menos eficazes e que tendem a causar leucemia.

O timo é um dos órgãos do sistema imunitário onde se desenvolvem os linfócitos T, essenciais para combater infeções e prevenir o cancro. Sem estas células é impossível viver. O timo é um órgão que se situa por cima do coração, bastante grande nas crianças, e que vai reduzindo o tamanho com o decorrer da idade. No timo, os linfócitos T desenvolvem-se a partir de células progenitoras que nascem na medula óssea e viajam pela corrente sanguínea até colonizar este órgão. Este é um processo contínuo, em que células entram no timo e aí se multiplicam e desenvolvem para gerar os linfócitos T. No final, os linfócitos T deixam o timo para patrulhar o nosso corpo e defende-lo.

O desenvolvimento de linfócitos T é um processo altamente regulado, que visa a produção de células protetoras do organismo. No entanto, também estas células são passíveis de acumular erros e originar cancro. Os cancros de células do sangue, que incluem os linfócitos T, denominam-se leucemias. No caso particular em estudo, analizou-se como é que a leucemia linfoide aguda de tipo T é prevenida normalmente. Esta leucemia é bastante agressiva e, embora rara, tem um impacto grave maioritariamente em crianças, podendo afetar também adultos.

A equipa, liderada por Vera Martins, investigadora principal do Instituto Gulbenkian de Ciência, propôs-se identificar as células que previnem este tipo de leucemia no organismo saudável e mostrar que estas células estão envolvidas num processo de competição celular no timo. Neste processo, células mais novas (e mais saudáveis) substituem outras que são mais velhas (e menos saudáveis). Assim, as células mais novas “ganham” sempre e eliminam as mais velhas que têm o potencial de causar a leucemia. Mas os investigadores foram mais longe. Além do papel na prevenção da leucemia, conseguiram demostrar que as mesmas células recebem sinais que lhes indicam quão depressa (ou devagar) devem desenvolver-se. A velocidade a que decorre o próprio desenvolvimento dos linfócitos T é ajustado de acordo com as necessidades intrínsecas das células precursoras como um todo.

Os investigadores recorreram ao ratinho como modelo experimental, já que o desenvolvimento de linfócitos T neste animal e nos humanos é muito semelhante, e recorreu a técnicas de transplante de timo combinadas com diferentes modelos genéticos para explorar as interações celulares e os genes envolvidos neste processo complexo. Segundo Vera Martins “verificámos que estas interações de teor competitivo ocorrem cedo no desenvolvimento e são reguladas por uma citoquina (interleucina 7) que é importante em diversos processos no desenvolvimento os linfócitos T. Descobrimos que é a disponibilidade desta citoquina que define o tamanho da população de células em competição” explica a investigadora reforçando que “é através do ajuste da duração do ciclo celular durante a proliferação que a interleucina 7 regula a velocidade a que estas células se diferenciam e promovem a competição”.

O estudo veio revelar que o desenvolvimento de linfócitos T num timo saudável não é meramente conseguido porque as células seguem um caminho pré-determinado de sinais extrínsecos. Em vez disso, é conseguido através da integração de vários sinais externos e propriedades intrínsecas às células que contribuem para o normal funcionamento do timo.
No futuro, será importante determinar a importância dos constrangimentos de espaço e da disponibilidade de recursos para as células precursoras de linfócitos T em moldar a competição observada entre as mesmas. A equipa estuda também de que forma é que deficiências na competição celular no timo podem promover a iniciação da leucemia. Com este trabalho, os investigadores esperam vir a contribuir para uma melhor prevenção, ou diagnóstico mais precoce, de doenças sobre as quais se sabe ainda muito pouco. De acordo com a investigadora “estou convicta que esta abordagem, que integra o organismo saudável e em condição de doença, é a forma mais correta de compreender o que causa a leucemia e espero que o conhecimento gerado venha a ser utilizado para desenvolver abordagens mais adequadas para quem se depara com uma doença tão grave”.
O estudo é um exemplo claro do que a ciência fundamental pode revelar sobre o que mantem um indivíduo são, e ajuda a perceber o que é que muda e pode vir a causar uma condição de doença.
https://doi.org/10.1016/j.celrep.2020.107910

NR/HN/MMM

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