Um simples spray nasal pode salvar vidas em casos de overdose

8 de Setembro 2020

Chegámos a uma dose que é eficaz na grande maioria dos casos de overdose, sem que as vítimas de overdose tenham de pagar o preço dos tão temidos sintomas de abstinência

Entre 250 e 270 pessoas morrem todos os anos de overdoses de heroína ou opiáceos na Noruega. Nos Estados Unidos, estes números sobem para os milhares, mas os consumidores Europeus têm agora uma melhor opção para se ajudarem uns aos outros.

O tempo é muitas vezes o fator mais importante quando se trata de uma overdose de heroína ou opiáceos. A mortalidade é elevada, mas existe um antidoto que pode ser administrado na vítima, caso esteja imediatamente disponível

Os investigadores noruegueses contaram com uma equipa que incluiu consumidores destas substâncias e as suas famílias para desenvolver uma solução pratica para doze países europeus: um spray nasal que não só é fácil de guardar e aplicar, como também tem baixos riscos de apresentar sintomas de abstinência após a utilização.

“Provas de um tratamento eficaz para todos, incluindo quem consome drogas, tem sido sempre a nossa motivação”, diz Ola Dale, um professor no Departamento de Circulação e Imagem Médica da Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia (NTNU).

Um remédio conhecido, mas complicado de utilizar

Dale é um especialista em anestesiologia e farmacologia clinica, e tem trabalhado tanto com analgésicos como com sprays nasais como forma de salvar vidas, e queria dar aos consumidores uma maneira melhor de se poderem salvar uns aos outros em caso de overdose.

Naloxone é já um medicamento conhecido para reverter uma overdose e prevenir a morte por causa da mesma. Os kits de salvamento têm sido utilizados por profissionais dos serviços de saúde desde 1970, e por amigos e família desde a década de 90. Mas os sprays contemporâneos têm algumas dificuldades na utilização, e a sua eficácia tem sido questionável, já que os sprays temporários não foram sujeitos a testes para avaliar a sua eficácia e efeitos secundários desde 2015. Doses demasiado elevadas podem causar fortes sintomas de abstinência mais tarde.

Em 2009, Dale tomou consciência do problema e decidiu fazer algo. Demoraram cerca de 12 anos a chegar a este ponto, mas desde 1 de julho que o spray nasal Ventizolve está finamente disponível no mercado.

Sem sintomas de abstinência

“O nosso spray nasal contem uma quantidade mais baixa de naloxone do que os outros sprays aprovados. Chegámos a uma dose que é eficaz na grande maioria dos casos de overdose, sem que as vítimas de overdose tenham de pagar o preço dos tão temidos sintomas de abstinência”, diz Dale.

O trabalho no desenvolvimento do novo spray nasal tem-se deparado com bastante resistência ao longo dos últimos anos. Foi atrasado por uma cheia em Bangkok e pequenas divergências na cronologia de produção, mas Dale e os seus assistentes nunca desistiram.

Dale já fez quarto viagens de investigação ao estrangeiro, e os contactos internacionais provaram-se uteis, já que o farmacêutico académico estabelecido em Bangkok, Phatsawee Jansook, abraçou a tarefa de formular a solução do dpray adaptado à utilização nasal.

Mais tarde, a estudante de medicina Ida Tyllerskär juntou-se ao projeto, e, poco mais tarde, também o candidato a doutoramento Arne Skulberg entrou subiu a bordo. É anestesista no Hospital Universitário de Oslo, em Ulleval, onde o spray nasal pode ser testado em voluntários saudáveis.

Skullberg venceu a final nacional do Reseracher Grand Prix em 2014 pelo seu trabalho com o spray nasal, e Tylleskär defendeu a sua tese de doutoramento sobre sprays nasais e overdoses em Agosto.

Para começar, a equipa de investigação recebeu ajuda do laboratório de vacinas “Biopharmaceutical Production”, do Instituto de Saúde Pública, mas as instalações encerraram em 2014 e os investigadores tiveram que procurar um novo parceiro na indústria.

Lançado na Europa

“Nunca deveríamos ter sido bem-sucedidos na fabricação do nosso produto sem um parceiro industrial. Sozinhos não conseguiríamos cumprir os muitos requisitos formais das Agencias de Medicina Norueguesas”, explicou Dale.

O grupo contactou assim a Farma Holding/Dne (a antiga Norwegian Ether Factory). Hoje a empresa chama-se dne pharma.

Dale diz que, em contraste com a Diretoria de Saúde Norueguesa, a Farma Holding/DNE acreditava que o projeto da equipa de investigadores teria potencial comercial. A dne pharma assegurou então aos investigadores autorização para realizar o marketing da Ventizolve em 12 países europeus.

“Em 2017, 8200 pessoas morreram de overdoses na União Europeia. Se incluirmos a Noruega e a Turquia estamos a falar de 9400 mortes”, diz Geir Simonsen, CEO da dne pharma.

Estas mortes dão-se muitas vezes em pessoas entre os 30 e os 40 anos de idade que morrem muito antes de cumprirem a esperança média de vida.

Os consumidores foram consultores

“Queriamos documentar que o spray era tão bom quanto o tratamento comum – ou seja, quando os profissionais de saúde na ambulância injetam naloxone em alguém com uma overdose”, explica Dale.

Um estudo está atualmente em desenvolvimento em Oslo e Trondheim, onde o spray está a ser comparado com o tratamento padrão.

“Não poderíamos ter levado a cabo este estudo sem a den pharma”, diz Arne Skullberg que agora lidera o estudo. ”O estudo vai incluir 200 incidentes de overdose, e estamos perto de alcançar a esse número”.

Os utilizadores ativos de opiáceos estiveram envolvidos no planeamento do estudo. Os conselhos que deram tornaram possível fazer aprovar o estudo pelo Comité Regional para a Ética da Investigação Médica, segundo Dale.

“Já na fase de desenho do estudo a opinião do grupo de consumidores ajudou a criar um estudo robusto enraizado no ambiente dos consumidores”, explica Skullberg.

Os consumidores também colaboraram com a companhia de design Anti, em Bergen, para desenhar as embalagens. Tom Morgan, da empresa de design Anti, criou embalagens que entram em rutura com a forma de pensar da indústria farmacológica. Foi tudo desenhado para funcionar segundo as orientações dos consumidores: fácil de transportar no bolso, e fácil de reconhecer no escuro da noite e dias frios, numa mala ou bolsa. Uma única embalagem tem também espaço para incluir um spray a mais.

Espera-se que mais pessoas levem o spray com elas

A esperança é que o produto final – dois sprays que contêm naloxone e uma caixa – aumentem a probabilidade de que o spray se torne, e se mantenha, algo que os consumidores levem com eles.

“Esperamos também que o spray alcance uma distribuição máxima pela sociedade. A ideia é fazer um spray extra acessível ao dá-lo a pessoas que estão em maior risco de testemunhar uma overdose, como consumidores, membros da família, trabalhadores sociais, seguranças e polícias”, explica Tylleskär

NTNU na equipa

A NTNU tem feito parte de todo o processo, começando com o desenvolvimento de uma fórmula farmacêutica apropriada, até à aprovação do medicamento, e finalmente nos ensaios clínicos, que são a referência para a investigação médica.

“O apoio dos líderes de departamento, primeiro Toril Hernes e depois Øystein Risa, no departamento de Circulação e Imagem Médica; da NorCrin; e o apoio à investigação no Hospital de São Olav, na NTNU e no Hospital Universitário de Oslo tem sido imensurável”, diz Dale.

Este projeto foi financiado pela Autoridade de SAúde Regional do Centro da Noruega, NTNU e pelo Hospital de São Olav­, bem como pela Fundação Lærdal e pela Fundação Norueguesa de Ambulâncias Aéreas.

NR/HN/João Marques

 

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