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Dermatite atópica
A dermatite atópica (DA), também conhecida por eczema atópico, é a doença inflamatória crónica da pele mais comum em todo o mundo, em particular nas áreas urbanas dos países industrializados, onde a sua incidência tem vindo a aumentar, estimando-se que afete atualmente 10 a 20% da população pediátrica e 3 a 7% dos adultos. Tem habitualmente um início precoce em que até 60% dos casos surgem no primeiro ano de vida e até 85% antes dos 5 anos de idade. Na maioria dos casos (60-80%) a patologia tende a atenuar ou mesmo a desaparecer até à puberdade. A persistência da dermatite atópica é mais comum quando a dermatose surge tardiamente.
A causa da doença não se encontra completamente esclarecida, no entanto, sabe-se que para ela contribuem múltiplos fatores, genéticos, imunológicos e ambientais. Debate-se hoje em dia se a inflamação cutânea, característica desta doença, é iniciada por disfunção da barreira cutânea ou pelas alterações da resposta imunológica.
É muito comum associarem-se à DA outras formas de atopia, como sejam a asma, a rinite alérgica e as alergias alimentares. Estas patologias surgem habitualmente de forma sequencial (marcha atópica ou alérgica), iniciando-se pela patologia cutânea. Teoricamente uma barreira cutânea danificada aumenta a permeabilidade para diferentes alergénios. Consequentemente a sensibilização epicutânea predispõe ao desenvolvimento de alergias respiratórias e alimentares.
Durante muitos anos a DA foi uma doença cutânea subdiagnosticada, no entanto, hoje em dia não é raro surgirem na consulta de dermatologia doentes que vêm com o “rótulo” de “pele atópica” só porque têm uma pele seca. Obviamente que a xerose cutânea é um sinal cardinal desta patologia, no entanto, o seu diagnóstico só pode ser estabelecido na presença dos critérios clínicos que a definem, cujos principais são: dermatose pruriginosa crónica ou cronica recorrente, com morfologia e distribuição características, associada a história pessoal ou familiar de atopia (asma, rinite alérgica ou dermatite atópica).
A apresentação clínica é altamente variável, com morfologia e distribuição muito típicas, dependendo da atividade da doença e da idade do doente. Em relação à atividade da doença podemos classificar as lesões cutâneas em agudas, subagudas e crónicas. As agudas caracterizam-se por pápulas eritematosas e vesiculas muito pruriginosas associadas a escoriações, erosões e exsudado. As subagudas e cónicas são lesões eritematosas, descamativas, habitualmente muito escoriadas o que, com o tempo, leva ao espessamento cutâneo (liquenificação) e consequentemente à fissuração. Em muitos doentes é possível observar os diferentes tipos de lesões ao mesmo tempo. Durante os primeiros 2 anos de vida a DA caracteriza-se por lesões agudas que envolvem preferencialmente a face, o couro cabeludo, e a superfície extensora dos membros. A partir dos 2-3 anos de vida e naqueles em que a doença é prolongada, predominam as lesões subagudas e crónicas que se distribuem pelas regiões flexoras dos membros (pregas antecubitais e fossas poplíteas), região cervical, punhos e tornozelos.
O elevadíssimo impacto económico, psicológico e social que esta doença tem, não só na vida do doente, mas de todo a agregado familiar, impõe um diagnóstico precoce e um tratamento adequado, que permita o controlo dos sintomas de forma segura e eficaz.
O primeiro passo para um adequado controlo dos sintomas é, sem dúvida, a educação do doente. Este deve compreender as manifestações da doença, a evolução por surtos, a sua cronicidade e reconhecer os potenciais fatores de agravamento. Deve ser explicado ao doente/ família a importância das medidas gerais que apoiam o tratamento: hidratação regular com produto específico para pele atópica, banhos curtos com água tépida, preferencialmente na forma de duche, roupa confortável preferencialmente de algodão, o benefício da exposição solar controlada, evitar escoriar, evitar o sobreaquecimento (que aumenta a secura cutânea e o prurido). Devem ainda ser discutidas com o doente as diferentes opções terapêuticas e os seus riscos. Só desta forma podemos garantir a adesão terapêutica.
Formas ligeiras de doença (80% casos) são facilmente controladas de forma segura e eficaz, cumprindo as medidas gerais e recorrendo, quando necessário, à terapêutica tópica anti-inflamatória (corticosteroides e/ou imunomoduladores). São, sem dúvida, as formas graves de doença que representam o maior desafio terapêutico e que durante vários anos foram subtratadas por vários motivos: resposta inadequada ao tratamento, contraindicação à administração de um ou vários medicamentos disponíveis, efeitos laterias associados aos medicamentos ou até por medo desses efeitos laterais. Neste campo contamos não só com o receio do doente, mas também do clínico que dispunha de um arsenal terapêutico muito limitado e que frequentemente tinha que recorrer a imunossupressores não aprovados para o tratamento desta dermatose (metotrexato, micofenolato de mofetil, ciclosporina, azatioprina).
Felizmente os avanços científicos no conhecimento da fisiopatologia levaram a que nos últimos anos se verificasse uma verdadeira revolução na área da terapêutica. A dermatite atópica trilha agora um caminho parecido com o que a psoríase percorreu há uns anos, alargando o leque terapêutico e acrescentando aos imunossupressores convencionais (com reduzidos níveis de eficácia e efeitos laterais consideráveis), medicamentos dirigidos a alvos terapêuticos específicos, muito eficazes e extremamente seguros. O dupilumab (anticorpo monoclonal que inibe as interleucinas 4 e 13) é o primeiro destes novos medicamentos, atualmente aprovado em Portugal para utilização a partir dos 12 anos de idade. Muitos outros fármacos estão atualmente em estudo e a maioria tem demonstrado excelentes perfis de eficácia e segurança no tratamento desta condição. Alguns exemplos são os inibidores da JAK, o nemolizumab, o lebrikizumab, entre tantos outros.
Acredito que o rápido progresso a que temos assistido nos últimos anos, tanto na área da patogénese como na área da terapêutica levarão a uma mudança de paradigma num futuro próximo. Deixaremos de nos limitar a tratar apenas as crises, passaremos a diagnosticar e tratar o mais precocemente possível de forma a aumentar a qualidade de vida dos doentes, a modificar o curso da doença e até, quem sabe, prevenir o aparecimento da mesma.
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