As farmácias são desde há muitos anos um conselheiro de saúde da população, ultrapassando por vezes a sua função em zonas mais isoladas e menos cobertas pela rede de hospitais e centros de saúde. É nessa perspetiva que a GoFar, uma parceria entre a Associação Nacional de Farmácias e a Medis (seguradora de saúde do grupo Ageas Portugal) entra em cena ao possibilitar às farmácias a prestação de cuidados primários de saúde. Com três pilares de ação essenciais assentes na prevenção da doença, deteção precoce da doença e na gestão e acompanhamento de doenças crónicas, estas 800 farmácias que começaram por administrar vacinas e injetáveis poderão dispor brevemente de serviços de cardiologia e acompanhamento da diabetes. A HealthNews falou com Hugo Julião, CEO e administrador da GoFar, que nos explicou como funciona a empresa e quais os objetivos a cumprir.
Healthnews (HN) – A GOFar é uma parceria entre a Associação Nacional de Farmácias (ANF) e a Medis, mas é, também, a sua própria empresa. É isso?
Hugo Julião (HJ) – Exatamente, a GoFar é uma empresa que foi criada pela ANF e pela AGEAS Portugal com uma maior afinidade à saúde – daí a ligação à Medis, o braço da saúde do grupo Ageas.
É uma joint venture criada no final de 2017 e começou a sua atividade em 2018, e tem como objetivo desenvolver serviços de saúde à disposição de toda a população através das farmácias.
Desenvolvemos a nossa atividade em três áreas: na prevenção da doença e na promoção da saúde, a deteção precoce da doença e a gestão e acompanhamento de doenças crónicas. Portanto, o objetivo dos acionistas sempre foi construir uma empresa para atuar no âmbito da saúde e que permita reforçar o papel das farmácias como prestador de cuidados de saúde.
HN – Então a grande diferença que faz a GoFar é a prestação de serviços nas farmácias, ao invés destas serem apenas um dispensário de medicamentos. É isso?
HJ – Claramente que sim. Acreditamos muito no papel das farmácias que, para nós, vai muito além da simples dispensa de medicamentos. São um grupo que pode assumir um papel importante naquilo que são os cuidados de saúde primários em Portugal, e é esse o nosso caminho. Passa por desenvolver iniciativas e projetos, que temos já iniciados, para reforçar a capacidade das farmácias no seu papel de apoio à população. Esta é uma rede capilar em que a população tem muita confiança, e no fundo o objetivo é conseguir apoiar e diversificar o negócio das farmácias na medida em que podem ter fontes de receita em três áreas distintas que já referi.
HN – Já têm projetos implementados no terreno?
HJ – Vou dar um exemplo de uma iniciativa que começou a nível local, mas que queremos tornar uma solução nacional. Fizemos recentemente uma iniciativa no concelho de Gondomar, que passou precisamente por um tema importante tanto para a população nacional como para o Sistema Nacional de Saúde (SNS), dirigida a uma doença crónica concreta que é a diabetes.
Fizemos uma iniciativa para toda a população do concelho em que convidámos estas pessoas a fazerem um rastreio da diabetes nas farmácias. Caso fossem identificadas como diabéticos ou pré-diabéticos, estas pessoas tiveram o acompanhamento de médicos especialistas da doença, nas farmácias.
Esta iniciativa reforça o papel das farmácias como um interveniente que atua naquilo que é a prevenção da doença, e assegurou que as pessoas que têm doença crónica tenham um acompanhamento regular e de proximidade que possam fazer através das farmácias.
É precisamente esse o nosso caminho. Queremos atuar na identificação precoce da doença e que a farmácia possa ter oferta para o que é o acompanhamento destes doentes. Até porque doentes como estes, com diabetes, precisam de cuidados regulares e de controlar os parâmetros da doença junto de profissionais de saúde. Acreditamos que a farmácia possa ter um papel fundamental neste aspeto, alavancando um pouco a confiança que a população tem no farmacêutico.
HN – A GoFar reúne cerca de 800 farmácias numa rede da ANF, que conta com mais de 2500. O que acha destes números? Estão ainda aquém do objetivo no número de farmácias, ou isto é algo focado para as localidades mais isoladas e, portanto, não faz sentido ter tantas farmácias assim.
HJ – As 800 farmácias fazem parte da seguradora Medis. No fundo, a GoFar assume aqui um papel perante a farmácia que é um “abrir de portas” ao financiamento privado através da seguradora privada. Além daquilo que é hoje o seguro de saúde da Medis, daquilo que são as clinicas e os hospitais que o seguro já inclui através de acordos, também tem um acordo com estas 800 farmácias que já garantem cobertura nacional para os clientes da Medis.
Naturalmente, estas 800 farmácias fazem um número importante e que nos orgulha. Já é uma parte significativa das farmácias que confiam na GoFar e na Medis como financiador, mas acima de tudo acreditamos que vamos crescer tendo em conta os serviços que queremos lançar.
HN – Com estes serviços prestados nas farmácias, onde é que se faz a linha entre uma farmácia parceira da GoFar e um centro de saúde?
HJ – Na verdade, estamos a apoiar, como empresa privada que somos, o sistema público que sabemos ter limitações orçamentais e o nosso papel surge como uma empresa que quer apoiar as farmácias, porque são elas que prestam os serviços, nós só os colocamos à sua disposição, para aliviar a pressão existente no sistema de saúde. Queremos ser complementares, não queremos rivalizar nem substituir os centros de saúde. Acreditamos é que as farmácias podem ter um papel na prestação de cuidados primários e aliviar para nosso bem comum, o sistema público e a pressão que está sobre este. Assim, os recursos públicos podem estar mais focados noutro tipo de situações que necessitem de outro nível de cuidados, deixando esta área para as farmácias, que podem perfeitamente prestar cuidados primários com qualidade e com a proximidade que as carateriza.
HN – Este serviço está disponível à população em geral, ou apenas a clientes Medis?
HJ – Está disponível para toda a população e funciona um pouco como a relação entre um cliente da médis e qualquer prestador de cuidados de saúde parceiro, em que a medis comparticipa os atos prestados no âmbito destes três serviços em concreto: administração de vacinas, injetáveis e INR. No futuro, a médis vai também reforçar o seu financiamento junto de outros serviços que iremos lançar.
HN – E que serviços estão a pensar lançar?
HJ – Estamos a tentar reforçar a nossa oferta perante as farmácias. Vamos permitir às farmácias prestar outros serviços de saúde prestados por outros profissionais de saúde, que não os farmacêuticos. Porque o farmacêutico tem o âmbito de atividade, mas precisa de outros profissionais de saúde para prestar ouros serviços. Nessa medida, queremos alargar a nossa oferta através de serviços de enfermagem, cardiologia e com um programa de acompanhamento de doentes crónicos com diabetes. É este o caminho que queremos levar – permitir que a farmácia possa enriquecer a oferta perante os clientes além dos medicamentos. Nesse aspeto, a GoFar aparece perante as farmácias com uma oferta integrada de serviços de saúde que podem solicitar e prestar estes serviços que normalmente não prestariam.
HN – Perante todos os serviços de que a GoFar dispõe, qual é o mais utilizado pela população?
HJ – O caminho que as farmácias têm feito na prestação de cuidados foi iniciado antes de aparecer a GoFar. De alguma forma, a oferta de serviços com que arrancámos são coisas que o farmacêutico pode prestar perante a população.
Atualmente, dos serviços farmacêuticos, os que hoje são mais utilizados são essencialmente a administração de vacinas e ejetáveis, bem como as medições de pressão arterial e peso. Tudo numa perspetiva de acompanhamento e medições de parâmetros.
HN – Ao fim de dois anos de GoFar, que balanço faz do projeto e quais são as perspetivas de crescimento?
HJ – Fazemos um balanço positivo, na medida em que conseguimos constituir uma rede a nível nacional que está disponível, de forma integrada, para os clientes da medis. Também porque a oferta de serviços que temos à data é apenas uma base, mas que é o alicerce para o que é a oferta que queremos ter no futuro para os programas de acompanhamento de doença crónica, e, portanto, é um balanço muito positivo porque nos permite atuar já nestas áreas de doença crónica e deteção precoce.
Quanto à deteção precoce, queremos atuar muito na oncologia, e queremos assumir com isso um papel cada vez mais importante da farmácia na deteção precoce desta doença. Uma das iniciativas que estamos a considerar igualmente é a elaboração de uma campanha de deteção do cólon retal, na medida em que, mais uma vez, se valoriza o papel da farmácia pela sua proximidade e confiança junto da população, e que lhe permite reforçar o papel junto da população.
Além disso, nas perspetivas futuras, acreditamos também que além das áreas que já referi exista um espaço ao nível da responsabilidade social que queremos ocupar, e sabemos que quer a ANF, quer a Ageas Portugal têm no seu ADN preocupações como a sustentabilidade e a responsabilidade social, e a GoFar, sendo uma joint venture entre estas duas instituições, quer atuar ao nível da responsabilidade social, como aconteceu em Gondomar.
Assim, no futuro, queremos alargar a nossa oferta perante a farmácia para que se possam tornar num prestador de saúde cada vez mais relevante na prestação de cuidados primários; e atuar e apoiar os nossos acionistas a assumir um papel cada vez mais relevante naquilo que é a responsabilidade social junto da população em geral e, naturalmente, dos clientes da Ageas Portugal e da ANF.
Entrevista de João Marques
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