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O Medo na Saúde
As notícias sobre o estado confinamento do SNS, e as consequências deste nos doentes não covid, que têm vindo a lume recentemente (resultado da recente parceria Ordem dos Médicos-Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares Movimento Saúde em Dia?) mostram a importância do alerta aqui lançado em 16 de Junho “Esqueceram-se do desconfinamento da Saúde?”. Alerta que não foi ouvido, sendo que tudo continua pendurado no ambíguo despacho de 7 de Maio, nunca atualizado.
Este confinamento tem na base uma série de medos na Saúde. E só é possível ultrapassar a atual situação se pudermos assumir e discutir estes medos e para isso este texto.
Mas para o sucesso deste propósito há algo que falta e é fundamental: Que a DGS e a Ordem dos Médicos assegurem que uma consulta presencial em que médico e utente estão ambos de máscara cirúrgicas é segura para ambos.
É inexplicável que a DGS que fez normas e orientações para tudo e mais alguma coisa se tenha esquecido de indicar as condições para consultas em segurança nos Centros de Saúde e Hospitais
O MEDO DA POPULAÇÃO
Dominante numa fase inicial na sequência da autêntica campanha mediática de terror “Vem aí o COVID” que durante meses massacrou os portugueses com o número diário de novos casos, número de mortos e pessoas conhecidas que morreram devido ao COVID. Por isto muitas pessoas ficaram em casa com sintomatologia grave em vez de recorrerem às urgências porque tinham mais medo de apanhar o covid do que de morrerem da doença de que podiam padecer.
Este medo, com a promoção bem sucedida do desconfinamento feita pelo Presidente da República e Primeiro Ministro, foi contudo ultrapassado e a pressão por consultas presenciais tem vindo a aumentar não encontrando as pessoas razão para a recusa do atendimento presencial, quando todas as atividades já retomaram, incluindo as escolas e até o sector privado da Saúde.
O estudo da OM-APHA revela que as pessoas querem consultas presenciais e não por telefone
O MEDO DOS MÉDICOS
Consultas programadas pelos utentes nesta fase são um risco que, se aceita correr, eu não aceito, nem para mim, nem para a equipa.
Isto escreveu uma Coordenadora de uma Unidades de Saúde Familiar de modelo B (uma daquelas USFs mais avançadas, com autonomia e excelente remuneração por desempenho e número de utentes seguidos) de Lisboa no dia 24 de Junho
E no passado dia 14/9 escreve
assim recomenda-se que todos os elementos clínicos mencionados triem previamente a razão pela qual vão atender presencialmente os seus utentes, de modo a não colocar em risco a população servida pela USF e a população prestadora de serviços da unidade.
Estas duas frases relatam o Medo que sentem muitos Médicos a estarem 15 minutos num gabinete frente a frente com um doente, apesar de ambos de máscara, do gabinete ter janela, haver ar condicionado local, e os doentes com sintomatologia Covid não entrarem na Unidade e serem orientados para o ADC- Atendimento Doentes Covid (com suspeita de)
No debate nas redes sociais médicas ressalta que este autoconfinamento dos Centros de Saúde está generalizado um pouco por todo o País, evocando-se as mais variadas razões para isso, incluindo a necessidade de uma higienização dos gabinetes entre consultas (mais um tema para a DGS esclarecer), mesmo em regiões sem covid e no período em que este esteve com uma atividade muito baixa.
Note-se que os Médicos, que são pessoas como as outras, acumularam a exposição aos Média que todos os dias abriam os telejornais a falar do novo número de infetados e de mortos, com a exposição ao mais variado tipo de informação médica, inclusive de relatos de médicos italianos e espanhóis onde as coisas estavam descontroladas e a correr mal numa altura em que ainda não havia máscaras nem testes.
E se nos centros de saúde é assim, nos hospitais, onde existe muito mais movimento de pessoas e maior número de patologias, as coisas não são melhores, sendo que doentes meus, com patologias graves cardíacas e respiratórias, estão, no Centro Hospitalar Lisboa Norte (Sta Maria/Pulido Valente), a ter consultas telefónicas que na realidade se resumem a remarcação de consultas para o ano. Uma doente diz-me “Tive uma consulta de Psiquiatria pelo telefone que demorou 4 minutos”
Este cromo ”agora é com a malta” , que peço que leiam, escrito na primeira pessoa pelo editor da publicação , demonstra como o SNS continua confinado e a funcionar basicamente por telefone.
Agora os números resultantes do confinamento na Saúde começam a ser conhecidos e o Expresso relata na primeira página a perda 12 milhões de consultas e cirurgias num País com 10 milhões de pessoas e o insuspeito primeiro ministro da Saúde de António Costa, Adalberto Campos Fernandes refere o excesso de mortalidade.
Mas a Pandemia voltou e vamos ter que saber viver com ela e não será possível continuar por mais tempo a barreira ao acesso presencial às consultas e tratamentos.
Assim vamos ter que ultrapassar este Medo. E para isso temos que começar por o assumir e deixar de o negar e o esconder em múltiplas desculpas.
Duas coisas serão precisas: definição das condições em que é possível fazer uma consulta em segurança e uma palavra mobilizadora das lideranças Médicas. Quer das lideranças locais quer do Bastonário da Ordem dos Médicos.
Agora temos máscaras paras os profissionais e utentes, as pessoas são testadas rapidamente e os positivos isolados, realidade muito diferente da que havia em Março e Abril em que nada disto havia.
Na minha opinião uma consulta em que o Médico e utente estão ambos de máscara num gabinete arejado é segura, sobretudo quando os utentes com sintomas são desviados para os ADC-R (Centros de Atendimento a utentes com sintoma respiratórios ou suspeitos de covid) Mas é preciso que isto seja definido tecnicamente e com a chancela da DGS, que publicou normas e orientações para todas as atividades exceto, inexplicavelmente, para as consultas médicas. Para que Médicos e utentes ganhem confiança.
O MEDO DA ORDEM DOS MÉDICOS
O Bastonário quer já em Abril, quer em Julho quer agora em Setembro tem referido pontualmente a questão do confinamento ligando-a ao excesso de mortalidade não covid, mas falando mais para os políticos do que para os Médicos para quem era importante falar.
Aqui o medo de desagradar aos médicos e expor os médicos e o medo dos médicos. Consciente do problema encontrou uma forma inteligente de o atacar, mas sem confrontar ou expor a classe Médica. Criou com a Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares o Movimento “Saúde em Dia” com o propósito de “alertar para a importância de não descurar as outras doenças no contexto da pandemia de COVID-19.” O lançamento foi no dia 8 de Setembro , na sede da Ordem dos Médicos, numa sessão não divulgada previamente e com poucos convites, em que entregou todo o protagonismo ao Presidente da APAH , Alexandre Lourenço, que é quem tem publicamente liderado tema.
É preciso que a Ordem vença o seu Medo e fale aos Médicos e os ajude a ultrapassar o Medo. Desde logo, por um lado, estabelecendo as condições de segurança em que decorre uma consulta e por outro proclamando a sua confiança em que os Médicos honrarão a sua profissão e o “Juramento de Hipócrates” e não recusarão o combate pela saúde dos seus utentes, mobilizando os médicos para este combate
O MEDO DOS POLITICOS
Os políticos, a começar pelo Primeiro-Ministro e a sua Ministra da Saúde têm um medo principal: Serem responsabilizados se alguma coisa correr mal. Por isso o cromo acima referido em que se vê o Primeiro-Ministro a lavar as mãos é tão certeiro.
Assim tudo ainda está como no despacho assinado em 3 de Maio onde por um lado se manda progressivamente retomar mas ao mesmo tempo se diz que se deve continuar em teleconsulta enquanto necessário, deixando aos agentes locais da Administração a gestão da retoma. E aquele despacho feito mesmo no início do desconfinamento nunca foi atualizado. E passarem 3 meses e meio sobre este alerta que foi ignorado com as consequências que começam a ser visíveis e estão a gerar a um furacão
E pela mesma razão nunca foi publicada norma ou orientação sobre o acesso seguro a uma consulta, ficando assim tudo debaixo da norma de acesso a um Serviços Público, ignorando-se a situação tão particular dos serviços de saúde.
E têm um segundo medo. Entrar em confronto com os médicos e restantes profissionais da Saúde que sabe terem grande “poder de fogo” quer mediático quer na sua interação direta com a população. E por isso o deixa andar… Inclusive por parte dos partidos da oposição (salvo erro só o CDS interpelou o Governo sobre esta matéria) e só agora o PSD se começa a pronunciar.
Mas têm um terceiro medo, o da revolta da população. E agora que o assunto saltou para a agenda mediática terão que agir…
O Sindicato Independente dos Médicos já se antecipou a sacudir água do capote para cima do Ministério.
O MEDO DA ADMINISTRAÇÃO
A Administração tem um Medo principal: deixar ficar mal os políticos da tutela. E por isso gere o equilíbrio entre o evitar o confronto com os profissionais e as reclamações dos utentes. Zelar pela paz e ausência de notícias é seu fulcro, deixar andar o seu modo de vida.
Assim, em vez de geriram proactivamente visando a prestação de um serviço sempre melhor atuam apenas reactivamente quando a imagem pública da sua instituição começa a estar em causa. E, a meu ver, é isto que distingue a Administração Pública da Gestão Privada.
Mas agora a Administração, para quem o Ministério passou a bola a 7 de Maio (e a Ministra confirmou neste último dia de Setembro que assim irá continuar), vai ter que vencer os seus medos e agir. Na pior das circunstâncias, com a pandemia a alastrar em simultâneo com os atrasos já acumulados a um nível ingerível. Veremos como.
Nota: O plano da DGS para o Outono/Inverno, Não é um plano, é a intenção da feitura de um Plano. E já estamos no Outono…
António Alvim
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