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O que poderá o marketing social fazer por nós nesta pandemia?
Num dos meus filmes favoritos, “A Vida de Brian” dos Monty Python, uma personagem interpretada por John Cleese lança uma questão retórica à Frente Popular da Judeia, perguntando-lhes o que os romanos, alguma vez, fizeram por eles. Para sua surpresa, as respostas começam a suceder-se: “o aqueduto”, “o saneamento”, “as estradas”, etc., etc., ao que ele responde, com novo questionamento:
“OK! Fora o saneamento, medicina, educação, vinho, ordem pública, irrigação, estradas, água potável, sistema de saúde pública… o que é que os romanos alguma vez fizeram por nós?“
Dou aulas de marketing social em saúde pública desde 2012 e num dos slides que uso lanço uma questão decalcada do filme: “o que é que o marketing social alguma vez fez por nós?”. Quando compus este slide, o objetivo era debater criticamente os atributos do marketing social e entender os benefícios que podemos extrair da sua utilização para influenciar, de forma positiva, comportamentos em saúde, contribuindo assim para melhorar o estado de saúde das pessoas e comunidades onde intervimos.
No momento atual, talvez faça sentido explicar cinco características fundamentais do marketing social, que o tornam extremamente relevante para a saúde pública, em particular enquanto instrumento que pode ajudar a influenciar comportamentos benéficos ao esforço de controlo da pandemia por COVID-19.
1) Os programas de marketing social são co-criados com os cidadãos. Tendo em conta que a mudança comportamental é voluntária, estes programas são desenhados com base no conhecimento, crenças, comportamentos, necessidades e opiniões dos cidadãos, que são ouvidos em todas as fases do programa (investigação formativa, teste de materiais de comunicação e mensagens e avaliação).
2) É verdadeiramente um exercício multidisciplinar, que pode reunir contributos tão diversos como os da saúde pública, epidemiologia, demografia, psicologia (em particular, teoria comportamental), marketing, comunicação, economia comportamental, neurociências, entre outras áreas. Adicionalmente, assenta numa filosofia win-win e não win-lose, isto é, integra os diferentes atores que têm um papel a desempenhar no desenvolvimento do programa, incluindo parceiros, tendo em conta os benefícios envolvidos para cada um.
3) Assenta na melhor evidência científica disponível, como a literatura publicada na área, e requer o recurso a métodos de investigação formativa mistos. Os dados quantitativos, indicadores e estatísticas são fundamentais, mas são complementados com informação sobre a vida diária das pessoas, tão necessária para compreendermos as suas experiências, necessidades e preferências.
4) Assenta em pressupostos éticos e de custo-efetividade. Isto é, os programas têm em conta a equidade, o respeito pelos valores e normas sociais e devem ser implementados onde e apenas na medida em que são necessários, com total respeito pela autodeterminação dos seus destinatários. Adicionalmente, os recursos devem ser usados de forma efetiva, na perspetiva da obtenção do maior ganho social possível.
5) Adota uma metodologia robusta de avaliação. Os objetivos de mudança de comportamentos, quer a nível cognitivo, afetivo ou psicomotor, têm de ser específicos, mensuráveis e realistas e a avaliação centra-se nestes e não em resultados secundários aos comportamentos que nos propusemos a influenciar. Os resultados do programa devem ainda ser tornados públicos e tecer recomendações úteis ao planeamento em saúde e ao desenvolvimento de novos programas e intervenções.
E o que sabemos neste momento sobre as prioridades de comunicação no âmbito da pandemia?
Sabemos que existem três mensagens fundamentais a disseminar, todas elas relacionadas com a necessidade de influenciar comportamentos voluntários.
A primeira diz respeito ao cumprimento dos cuidados básicos de higiene e adoção das medidas preventivas recomendadas, o que implica a modificação de comportamentos já estabelecidos (como é o caso de uma higienização mais frequente das mãos), a aceitação de novos comportamentos (como, por exemplo, o uso de máscara) e abdicar de comportamentos e hábitos instituídos (como, por exemplo, frequentar locais onde se acumulam muitas pessoas, beijar ou dar apertos de mão). Adicionalmente, é fundamental esclarecer a população sobre os circuitos a seguir e procedimentos a adotar em caso de sintomas e/ou suspeição de infeção por COVID-19.
A segunda mensagem visa reforçar a confiança dos cidadãos na utilização dos cuidados e serviços de saúde nas situações não-COVID que os exijam, quer em episódios de doença aguda, quer em contexto de prevenção e adequado acompanhamento de doenças crónicas.
A terceira mensagem que é necessário começar a preparar relaciona-se com a vacinação. Será expectável que a disponibilização no mercado de uma nova vacina contra o coronavírus levante dúvidas e resistências da parte da população, relativamente à sua segurança e eficácia. Estas devem ser acauteladas o mais precocemente possível, assegurando níveis de cobertura vacinal adequados.
Apesar dos atributos referidos e do seu potencial tremendo para ser usado como mais uma ferramenta no combate ao SARS-CoV-2, o marketing social continua a não ser devidamente usado em saúde pública, sendo regularmente preterido em função de abordagens pouco estruturadas e planeadas, sem evidência científica de base e que não seguem uma metodologia de avaliação útil aos objetivos de mudança de comportamentos. Em particular, não são realizados investimentos em formação nesta área, para que os profissionais detenham as competências necessárias para planear e conduzir estas intervenções.
É caso para perguntar: fora ser uma ferramenta eficaz na mudança de comportamentos, com centralidade no cidadão, uma abordagem multidisciplinar, assentar na melhor evidência disponível, pautar-se pela custo-efetividade, utilização ética e racional dos recursos e determinar o uso de metodologias de avaliação alinhadas com objetivos mensuráveis de mudança desses mesmos comportamentos, o que poderá o marketing social fazer por nós nesta pandemia?
Com relevante importância na minha área da enfermagem