O estudo visa também identificar “fatores de risco e protetores que permitam construir programas de intervenção eficazes para combater a patologia”, afirma a UC numa nota hoje divulgada, referindo que a perturbação ‘borderline’ da personalidade é um distúrbio grave associado a elevada tendência suicida.
Estima-se que “02 a 06% da população mundial” padeça desta perturbação, marcada por “uma intensa instabilidade emocional, impulsividade e autodano”.
Sendo uma perturbação desenvolvimental, não surge subitamente, pelo que se vai desenvolvendo ao longo do tempo, sublinha a UC, considerando que, por isso, a deteção precoce é essencial para prevenir o agravamento da patologia.
A investigação pretende “detetar e sinalizar o mais precocemente possível esta perturbação, por forma a evitar que se agrave”.
“Na adolescência, conseguimos logo detetar traços disfuncionais desta patologia, que, com o avançar da idade, acabam por se cristalizar e intensificar, com consequências graves”, explica Diogo Carreiras, investigador principal do estudo.
Esta é, sublinha, a grande novidade do projeto, já que, em vez de estudar a perturbação severa numa “ótica remediativa, ou seja, a pessoa já tem a perturbação”, o foco é atuar antes, para “prevenir e impedir a perturbação”.
Os primeiros resultados do estudo – que envolveu 1.007 adolescentes (420 rapazes e 587 raparigas) de sete estabelecimentos de ensino básico e secundário do Centro e do Norte de Portugal, com uma média de idades de 15,3 anos, e pais – sugerem que, em média, as raparigas adolescentes apresentam traços ‘borderline’ mais elevados do que os rapazes.
Foram também explorados fatores protetores e fatores de risco no desenvolvimento e na evolução dos traços ‘borderline’.
“Estudámos duas variáveis opostas: uma de risco, a autoaversão, caracterizada por uma relação de grande criticismo, aversão e de ataque ao “eu”; e uma variável protetora, a autocompaixão (relação de autocuidado), que se traduz na capacidade de sermos sensíveis ao nosso próprio sofrimento, reconhecendo-o, e de agir de forma genuína e comprometida no sentido de o aliviar”, clarifica o investigador do Centro de Investigação em Neuropsicologia e Intervenção Cognitivo-Comportamental (CINEICC) da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da UC.
Verificou-se que, independentemente do sexo, estas duas variáveis assumem um papel importante na evolução da sintomatologia ‘borderline’ na adolescência, mostrando assim que são variáveis essenciais a considerar na compreensão dos traços ‘borderline’ nesta faixa etária.
Devido à falta de investigação dos traços ‘borderline’ na adolescência em Portugal, a equipa desenvolveu instrumentos de avaliação e sinalização destes traços, nomeadamente dois questionários de autorresposta, um para adolescentes e outro para os pais.
Outra das conclusões do estudo, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), indica que há diferenças entre raparigas e rapazes no que respeita a comportamentos autolesivos não suicidários. As raparigas tendem a usar mais métodos de cortes superficiais de determinadas áreas do corpo (por exemplo, braços, pulsos), enquanto os comportamentos autolesivos dos rapazes tendem a relacionar-se mais com bater neles próprios (por exemplo, darem murros).
Segundo Diogo Carreiras, os resultados desta investigação podem ser fundamentais para desenvolver programas dirigidos a esta população de risco, “permitindo encontrar orientações para o desenho de intervenções psicoterapêuticas no âmbito da prevenção e de estudos empíricos futuros. Os dados desta investigação salientam variáveis essenciais para compreender os traços ‘borderline’ em adolescentes, bem como as diferenças nesses mecanismos psicológicos entre raparigas e rapazes, tendo significativas implicações para a prática clínica e prevenção”.
Iniciado em 2018, este estudo insere-se num projeto mais amplo de investigação longitudinal, intitulado “Traços Borderline na Adolescência: Estudo prospetivo do desenvolvimento da Perturbação Borderline da Personalidade”, e faz parte da tese de doutoramento do investigador, orientado pelas docentes Paula Castilho e Marina Cunha.
LUSA/HN
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