Estudo identifica sinais para prevenir perturbação ‘borderline’ em adolescentes

16 de Novembro 2020

Uma equipa de investigadores da Universidade de Coimbra (UC) está a desenvolver um estudo, “o primeiro em Portugal focado na adolescência”, para a deteção precoce e prevenção da perturbação ‘borderline’ da personalidade (PBP), anunciou esta segunda-feira aquela instituição.

O estudo visa também identificar “fatores de risco e protetores que permitam construir programas de intervenção eficazes para combater a patologia”, afirma a UC numa nota hoje divulgada, referindo que a perturbação ‘borderline’ da personalidade é um distúrbio grave associado a elevada tendência suicida.

Estima-se que “02 a 06% da população mundial” padeça desta perturbação, marcada por “uma intensa instabilidade emocional, impulsividade e autodano”.

Sendo uma perturbação desenvolvimental, não surge subitamente, pelo que se vai desenvolvendo ao longo do tempo, sublinha a UC, considerando que, por isso, a deteção precoce é essencial para prevenir o agravamento da patologia.

A investigação pretende “detetar e sinalizar o mais precocemente possível esta perturbação, por forma a evitar que se agrave”.

“Na adolescência, conseguimos logo detetar traços disfuncionais desta patologia, que, com o avançar da idade, acabam por se cristalizar e intensificar, com consequências graves”, explica Diogo Carreiras, investigador principal do estudo.

Esta é, sublinha, a grande novidade do projeto, já que, em vez de estudar a perturbação severa numa “ótica remediativa, ou seja, a pessoa já tem a perturbação”, o foco é atuar antes, para “prevenir e impedir a perturbação”.

Os primeiros resultados do estudo – que envolveu 1.007 adolescentes (420 rapazes e 587 raparigas) de sete estabelecimentos de ensino básico e secundário do Centro e do Norte de Portugal, com uma média de idades de 15,3 anos, e pais – sugerem que, em média, as raparigas adolescentes apresentam traços ‘borderline’ mais elevados do que os rapazes.

Foram também explorados fatores protetores e fatores de risco no desenvolvimento e na evolução dos traços ‘borderline’.

“Estudámos duas variáveis opostas: uma de risco, a autoaversão, caracterizada por uma relação de grande criticismo, aversão e de ataque ao “eu”; e uma variável protetora, a autocompaixão (relação de autocuidado), que se traduz na capacidade de sermos sensíveis ao nosso próprio sofrimento, reconhecendo-o, e de agir de forma genuína e comprometida no sentido de o aliviar”, clarifica o investigador do Centro de Investigação em Neuropsicologia e Intervenção Cognitivo-Comportamental (CINEICC) da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da UC.

Verificou-se que, independentemente do sexo, estas duas variáveis assumem um papel importante na evolução da sintomatologia ‘borderline’ na adolescência, mostrando assim que são variáveis essenciais a considerar na compreensão dos traços ‘borderline’ nesta faixa etária.

Devido à falta de investigação dos traços ‘borderline’ na adolescência em Portugal, a equipa desenvolveu instrumentos de avaliação e sinalização destes traços, nomeadamente dois questionários de autorresposta, um para adolescentes e outro para os pais.

Outra das conclusões do estudo, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), indica que há diferenças entre raparigas e rapazes no que respeita a comportamentos autolesivos não suicidários. As raparigas tendem a usar mais métodos de cortes superficiais de determinadas áreas do corpo (por exemplo, braços, pulsos), enquanto os comportamentos autolesivos dos rapazes tendem a relacionar-se mais com bater neles próprios (por exemplo, darem murros).

Segundo Diogo Carreiras, os resultados desta investigação podem ser fundamentais para desenvolver programas dirigidos a esta população de risco, “permitindo encontrar orientações para o desenho de intervenções psicoterapêuticas no âmbito da prevenção e de estudos empíricos futuros. Os dados desta investigação salientam variáveis essenciais para compreender os traços ‘borderline’ em adolescentes, bem como as diferenças nesses mecanismos psicológicos entre raparigas e rapazes, tendo significativas implicações para a prática clínica e prevenção”.

Iniciado em 2018, este estudo insere-se num projeto mais amplo de investigação longitudinal, intitulado “Traços Borderline na Adolescência: Estudo prospetivo do desenvolvimento da Perturbação Borderline da Personalidade”, e faz parte da tese de doutoramento do investigador, orientado pelas docentes Paula Castilho e Marina Cunha.

LUSA/HN

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

Percursos Assistenciais Integrados: Uma Revolução na Saúde do Litoral Alentejano

A Unidade Local de Saúde do Litoral Alentejano implementou um inovador projeto de percursos assistenciais integrados, visando melhorar o acompanhamento de doentes crónicos. Com recurso a tecnologia digital e equipas dedicadas, o projeto já demonstrou resultados significativos na redução de episódios de urgência e na melhoria da qualidade de vida dos utentes

Projeto Luzia: Revolucionando o Acesso à Oftalmologia nos Cuidados de Saúde Primários

O Dr. Sérgio Azevedo, Diretor do Serviço de Oftalmologia da ULS do Alto Minho, apresentou o projeto “Luzia” na 17ª Edição dos Prémios de Boas Práticas em Saúde. Esta iniciativa inovadora visa melhorar o acesso aos cuidados oftalmológicos, levando consultas especializadas aos centros de saúde e reduzindo significativamente as deslocações dos pacientes aos hospitais.

Inovação na Saúde: Centro de Controlo de Infeções na Região Norte Reduz Taxa de MRSA em 35%

O Eng. Lucas Ribeiro, Consultor/Gestor de Projetos na Administração Regional de Saúde do Norte, apresentou na 17ª Edição dos Prémios de Boas Práticas em Saúde os resultados do projeto “Centro de Controlo de Infeção Associado a Cuidados de Saúde na Região Norte”. A iniciativa, que durou 24 meses, conseguiu reduzir significativamente a taxa de MRSA e melhorar a vigilância epidemiológica na região

Gestão Sustentável de Resíduos Hospitalares: A Revolução Verde no Bloco Operatório

A enfermeira Daniela Simão, do Hospital de Pulido Valente, da ULS de Santa Maria, em Lisboa, desenvolveu um projeto inovador de gestão de resíduos hospitalares no bloco operatório, visando reduzir o impacto ambiental e económico. A iniciativa, que já demonstra resultados significativos, foi apresentada na 17ª Edição dos Prémios de Boas Práticas em Saúde, promovida pela Associação Portuguesa de Desenvolvimento Hospitalar

Ana Escoval: “Boas práticas e inovação lideram transformação do SNS”

Em entrevista exclusiva ao Healthnews, Ana Escoval, da Direção da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Hospitalar, destaca o papel do 10º Congresso Internacional dos Hospitais e do Prémio de Boas Práticas em Saúde na transformação do SNS. O evento promove a partilha de práticas inovadoras, abordando desafios como a gestão de talento, cooperação público-privada e sustentabilidade no setor da saúde.

Reformas na Saúde Pública: Desafios e Oportunidades Pós-Pandemia

O Professor André Peralta, Subdiretor Geral da Saúde, discursou na 17ª Edição dos Prémios de Boas Práticas em Saúde sobre as reformas necessárias na saúde pública portuguesa e europeia após a pandemia de COVID-19. Destacou a importância de aproveitar o momento pós-crise para implementar mudanças graduais, a necessidade de alinhamento com as reformas europeias e os desafios enfrentados pela Direção-Geral da Saúde.

Via Verde para Necessidades de Saúde Especiais: Inovação na Saúde Escolar

Um dos projetos apresentado hoje a concurso na 17ª Edição do Prémio Boas Práticas em Saúde, uma iniciativa da Associação Portuguesa de Desenvolvimento Hospitalar, foi o projeto Via Verde – Necessidades de Saúde Especiais (VVNSE), desenvolvido por Sérgio Sousa, Gestor Local do Programa de Saúde Escolar da ULS de Matosinhos e que surge como uma resposta inovadora aos desafios enfrentados na gestão e acompanhamento de alunos com necessidades de saúde especiais (NSE) no contexto escolar

Projeto Utente 360”: Revolução Digital na Saúde da Madeira

O Dr. Tiago Silva, Responsável da Unidade de Sistemas de Informação e Ciência de Dados do SESARAM, apresentou o inovador Projeto Utente 360” na 17ª Edição dos Prémios de Boas Práticas , uma iniciativa da Associação Portuguesa de Desenvolvimento Hospitalar (APDH). Uma ideia revolucionária que visa integrar e otimizar a gestão de informações de saúde na Região Autónoma da Madeira, promovendo uma assistência médica mais eficiente e personalizada

MAIS LIDAS

Share This