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O “Pilates”, a “bimby” do “fitness”
Tão popular ele é que não há, praticamente, um terapeuta que não possua formação em Pilates, chega, até, a haver quem se apresente, somente, como professor da coisa, mas a prática é sobrevalorizada, sobretudo porque substitui o tracto individual por um conjunto de regras prévias que chegam, quase, a violentar o corpo.
Método da “moda”, é inescapável nas mesmas empresas de formação que convidam a revezar a aprendizagem “real”, crua, naturalista, por cursos de preços absurdos, cursos, aliás, que cimentam a ideia de que existem diferenças significativas entre métodos e técnicas, que, todavia, se ocupam do mesmo, dum modo sígnico semelhante. O método atrai os profissionais porque atrai, igualmente, a clientela, parecendo, quase, comutar o trabalho terapêutico “stricto sensu”, quando o Pilates é tudo menos uma panaceia ou mecanismo que possa falar, plenamente, pela fisioterapia.
São indubitáveis as suas vantagens. O Pilates constitui, acima de tudo, um método de “estabilização” do “centro”, especialmente da coluna, aquando da efectuação de movimentos que o desafiam, o que implica o trabalho abdominal profundo. Estes “abdominais” representam um papel determinante na protecção da coluna, mas só é possível aceder-lhes se inibirmos os excessos da musculatura posterior, coisa que o Pilates não prevê. Daí que, muitas vezes, a sua prática constitua tarefa árdua, dolorosa, significando isto que, provavelmente, músculos mais superficiais estão a ser esgotados, quando o Pilates não é algo como “fazer abdominais”.
Por outro lado, há uma verdade significativa que é constantemente olvidada: os músculos posturais são de activação essencialmente inconsciente, eles trabalham espontaneamente aquando da realização das mais variadas tarefas. Comummente, o Pilates que é efectivado nos ginásios e clínicas convida à produção de contracções conscientes e persistentes, que têm, na verdade, pouca importância a nível postural, contribuindo, sobretudo, para exaurir as cadeias musculares.
O segredo da actividade física está em harmonizar as forças musculares, flexibilizando os músculos muito tónicos, fortalecendo os abdominais superficiais e “activando” os abdominais profundos. Tudo isto não implica, sequer, uma prática sôfrega, é possível abranger tudo nuns tantos estímulos “dinâmicos”, espontâneos, que resultam da relação terapeuta-paciente crescentemente mais autónoma.
Não esquecendo, claro, o controlo motor, o alongamento posterior prepara o trabalho anterior, e o último trabalha os abdominais. A flexibilização posterior não deverá comprometer a saúde da coluna, não podendo, assim, ser excessiva. Quanto aos abdominais, há, primeiro, que salientar que “fazer abdominais” é coisa irracional, porque isto implica um trabalho superficial que é pouco vantajoso (os abdominais superficiais não desenham posturas), por outro lado, os abdominais profundos não são envolvidos, adequadamente, no treino consciente, sendo que a sua activação persistente apenas satura mais a musculatura pélvica.
Dores lombares e obstipação vesical são consequências comuns da prática “agressiva” de Pilates. Posturas desadequadas, treino desmesurado da musculatura posterior, tudo isto efectuado, comummente, por instrutores inabilitados, não convida à apologia de um treino que promete reformar o corpo e que quase se substitui à terapia adequada. Fisioterapeutas que se tornam, exclusivamente, professores de Pilates esquecem que uma coisa massificada nunca poderá ser apropriada. Vende-se a receita e alimenta-se a ideia de que aquela prática previne tudo e treina tudo, mas o Pilates deve compor, unicamente, um método a acrescer-se a um trabalho mais global, que não pode deixar de precaver as diferenças individuais. Há posturas diferentes, alinhamentos articulares dissemelhantes, o Pilates em exclusivo, sobretudo o grupal, não consegue nada ao tentar conseguir tudo. A moda, a magia, o entusiasmo, placebetizam parte dos resultados subjectivos, ninguém se atreva a pensar que o Pilates esculpe o corpo. De uma vez por todas, entendamos que ter as “costas direitas” não é sinónimo de ter uma melhor postura. Este endireitamento é obtido, bastas vezes, à custa da retracção da musculatura posterior. O indivíduo que fica, rapidamente, mais “direito”, é, frequente e curiosamente, assaltado por dores que não possuía. E lá vai o sujeito à aula “esticar-se” e esgotar o ráquis, saindo, sempre, tão bem disposto. Mas a dor contínua convida-o a, um dia, visitar um osteopata, para “estalar as costas”. Mas não há “estalo” que o salve, se não houver uma equilibração das forças. O “endireitamento” vero da coluna não se consegue, aliás, pelo reforço da musculatura posterior, mas, sim, pelo alongamento, porque a musculatura em questão contrai melhor precisamente por possuir maior comprimento, e as contracções “posturais” não são como as do “movimento”, elas são constantes e moderadas no esforço.
A dinâmica do corpo é complexa, muito mais fica por dizer. Lembro que, durante vários anos, dei aulas de grupo de “Reeducação Postural”, afectas a problemas de coluna. O aspecto lúdico e quase circense das aulas podia ser muito atractivo e, até, terapêutico, mas sentia, frequentemente, que, na tentativa de chegar a todos, não conseguia suprir as necessidades individuais dos meus pacientes. Em algumas clínicas, os pacientes são colocados nas “classes”, com as suas credenciais de “fisioterapia”, apenas porque o grupo satisfaz mais financeiramente. É “para render”, diziam os meus antigos patrões, mas, para ser um bom instrutor, tinha, por vezes, de me esquecer enquanto “terapeuta”. Não interessa que o Pilates seja, ou não, “clínico”, porque tudo é “clínico” na medida em que serve um propósito de saúde física e/ou mental. Mas sem “meter as mãos” no paciente, é difícil obter certos resultados. O actual contexto do Covid-19 veio nutrir, ainda mais, o trabalho “à distância”. É, talvez, bom para a autonomia, mas que interessa que esta exista se não se chegou, “a priori”, à profundidade do “Ser”?
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