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Um pacote de Bolachas ou o Estranho Mundo da Enfermagem …
Enfermaria de um Hospital.
Um doente prime a campainha e a Enfermeira surge.
Pedido: “Será que me podia abrir este pacote de bolachas? Estou com dificuldade em fazê-lo…”
A Enfermeira abre o pacote.
Passado um minuto, a campainha toca de novo. A mesma doente.
A Enfermeira pergunta em que pode ajudar.
Resposta: “A Senhora Enfermeira tem de ter mais cuidado ao abrir o pacote de bolacha, está a ver? As migalhas caíram todas. Assim não pode ser!”
Ficção? Não. Bem-vindos ao maravilhoso e estranho mundo da Enfermagem!
Podemos pensar que se trata de um episódio isolado e que não reflecte a realidade. E, se assim fosse, estaria aqui a perder o meu tempo e o vosso. Mas, na verdade, estamos perante um exemplo, particularmente patético e confrangedor, que pretende ilustrar aquilo que é uma prática recorrente de subalternização e de desvalorização do trabalho da Enfermagem, tanto por parte dos doentes e dos seus familiares, como por parte da classe médica, já para não referir o Estado e as Administrações Hospitalares.
Podemos buscar respostas no passado, na História da Medicina ou no presente mas, por mais que o façamos, é para mim incompreensível como pode um doente ou um seu familiar não saber reconhecer num Enfermeiro um profissional altamente qualificado, com um trabalho de enorme exigência e responsabilidade, cuja função é cuidar dos doentes, prestar-lhes os melhores cuidados de saúde e, em tantas situações, detectar alterações clínicas que, de outro modo, poderiam culminar num pior prognóstico ou na morte.
Indo mais longe, como pode um doente ou um seu familiar não reconhecer num Enfermeiro… um ser humano?
Como pode um doente ou um familiar colocar um Enfermeiro ao nível de seu subordinado, disponível para o servir nos mais ínfimos caprichos, tratá-lo por tu, ofendê-lo?… E a lista poderia continuar ao longo de páginas.
Não pode esse comportamento ser admissível perante qualquer outro profissional, mas o modo como está banalizado face à Enfermagem, quase enraizado, é um fenómeno estranho com o qual convivo desde que habito o mundo da Medicina e que continuo sem entender. Nem a aceitar.
Da parte dos médicos, não é muito diferente. A arrogância que deriva de uma suposta relação de poder, de uma suposta sabedoria mais elevada, exprime-se na forma de pura má educação, de incapacidade de ver na Enfermagem um parceiro central e indispensável, de criar elos e partilhar tarefas. Da cegueira em perceber que, sem a Enfermagem, a actividade clínica seria impraticável e caótica.
A formação em Enfermagem é longa, diversificada e muito abrangente. Em Portugal, é especialmente boa, o que facilmente se reconhece quando se vê que os nosso Enfermeiros são muito respeitados além-fronteiras, sendo muito bem remunerados e progredindo na sua carreira de um modo que em Portugal nem é sequer imaginável.
Os Enfermeiros são elementos cruciais em qualquer Unidade de Saúde, independentemente da sua dimensão, e estão aptos a colaborar em funções de organização, de gestão e de direcção.
Mais importante, no plano puramente clínico, o seu papel no acompanhamento dos doentes, em regime ambulatório, de internamento, de cirurgia ou de cuidados intensivos não tem preço, sendo a Enfermagem a principal responsável pelo apoio ininterrupto aos doentes que permanecem numa Unidade Hospitalar.
A Enfermagem encerra ainda um profundo e relevante papel no plano afectivo, oferecendo o calor humano e o carinho que são tão importantes em momentos de fragilidade.
É, por tudo isto, que é urgente comunicar, promover e dignificar a Enfermagem. Quase parece linguagem sindical, mas esta é uma missão que entendo como necessária e justa. Importa explicar o que é ser Enfermeiro, o caminho percorrido até o ser e quais as suas competências. Nada disto deveria ser necessário, mas os anos passam e o cenário não se altera.
Evidentemente que parte importante do problema resulta da própria formação individual. Pessoas autoritárias e mal-educadas serão sempre doentes ou médicos autoritários e mal-educados. Mas, contra isso pouco pode ser feito, a não ser denunciar essas situações e não permitir que elas se repitam. Já num plano mais vasto, dar voz à Enfermagem, elevá-la e respeitá-la é algo que todos podemos e devemos fazer.
Como sempre refiro, nada disto é universal e as excepções são enormes, tanto do lado dos doentes que reconhecem e valorizam a Enfermagem, como do lado dos médicos que vêm nos Enfermeiros parceiros e membros de uma mesma equipa.
Mas o que relato e partilho convosco, e que o pacote de bolachas simboliza da pior forma possível, é uma cultura ainda muito vincada, muito presente e muito penalizadora para a Enfermagem que, para lá de mal remunerada, vê a sua dignidade ferida e amarrotada pelos de quem dela mais precisam: doentes e médicos.
Fica o meu testemunho, o meu apelo e, acima de tudo, a minha homenagem a uma classe que merece tudo de nós porque, ela própria, nos dá tudo de si.
Sem dúvida, muito agradecido sr. Dr
Gosto imenso quando leio clareza e assertividade.
Alguns de nós Enfermeiros, andamos anos a dizer mais ou menos o que li. Mas porque somos nós que o dizemos, não é tido em conta, pois somos vaidosos e nada humildes nos nossos discursos.
Andamos em rotundas há anos, quando apresentamos uma reta aos nossos colegas, há forças superiores que rapidamente criam uma rotunda no início dessa reta.
Obrigada
Nem eu Enfermeira de formação, corpo e alma seria capaz de expressar melhor o sentimento do ser Enfermeiro
Um texto inteligente, repleto de reflexão e assertividade, penso e sinto há muitos anos o que está esplanado, mas não saberia colocar em palavras, as escolas de enfermagem formatam os alunos para serem subalternos em relação aos médicos e doentes, a história da enfermagem também não nos favorece e falta de informação em relação ao nosso conteúdo funcional, pensam que dá-mos injecções, mas somos nós, um a um que temos que fazer perceber aos doentes e médicos que não estamos ali para ser desvalorizados e colocá-los no seu devido lugar, mesmo que para isso tenhamos que ser antipáticos, porque mais vale ser antipáticos que subalternos, ainda bem que existem médicos com honestidade intelectual suficiente para escrever este tipo de texto. Muito Obrigada
Muito, muito bom. Texto que merece ser lido e aplaudido. Realmente faz-nos pensar…
Grata pela reflexão que tão bem descreve situações reais, que nos revoltam. Apesar disso continuamos, por vezes com cara menos simpática, mas sempre com as competências inerentes à profissão de enfermagem!
Os meus cumprimentos e respeito para com quem com honestidade e elevação assim fala de uma classe profissional, da qual faço parte, que tudo dá em prol das pessoas em todas as etapas do seu ciclo de vida em complementaridade com todas as outras classes profissionais com o mesmo foco.
Bem haja Sr. Dr. Cumprimentos deste Sr. Enfermeiro
Exmo Sr Dr,
Simplesmente, OBRIGADA!!!
De coração…enternecem-me as suas palavras, mas acima de tudo a clareza com que demonstra a nossa realidade!
Bem haja!
Imensamente grata pela forma como expressou, o meu sentir como enfermeira! Bem haja!
Não diria melhor. Felizmente ainda existe algum reconhecimento que nos vai dando força e motivação. Aqueles doentes que “enxergam” e os colegas de outras profissões que possuem capacidade de “pensar”… Obrigada.
A clareza com que descreve a sua experiência com os srs. enfermeiros é a sua sabedoria.
É realmente impressionante a sua capacidade para sair do seu pedestal e reconhecer a atividade que todos os seus parceiros entendem como menor.
A sua visão é a sua sabedoria. Bem haja.
Grata Sr Dr por essas palavras tão confortáveis.
Palavras sábias. Com toda a certeza e verdade do que é ser enfermeiro. Os meus parabéns por o seu texto.
O meu respeitoso cumprimento ao Médico Luís Gouveia Andrade, e desde já
presto-lhe o meu “maior” e “cinsero” elugio sobre a homenagem que fez à Enfermgem.
Eu identifico-me plenamente com o seu sentido crítico e de assertividade como pensa ( o que é ser Enfermeiro) e qual a importância do Enfermeiro enquanto elemento fundamental da equipa de saúde.
Outro ponto, também muito importante, que referiu (concordo plenamente), é a falta de reconhecimento e valorização do profissional “Enfermeiro” por parte dos doentes/familiares, dos médicos e de quem nos governa. Estes julgam o Enfermeiro como sendo um profissional subalterno do Médico ou ainda um subordinado do doente, o que é um perfeito disparate e é totalmente errado.
O Enfermeiro é um profissional autónomo, com competências e habilitações reconhecidas pela Ordem dos Enfermeiros, trabalhando em interdisciplinaridade com os demais elementos da equipa de saúde, na prestação de cuidados de Enfermagem em prol do doente/família.
Assim saibamos nós, os Enfermeiros, imporemo-nos com os Médicos, com os doentes e familiares, não nos deixarmo-nos menorizar, subalternizar, ou seja, desvalorizar.
Pois, só assim conseguiremos que haja a valorização e o reconhecimento justo dos Enfermeiros.
Para além do mais, seria importante o contributo da Ordem dos Enfermeiros e dos diversos Sindicatos dos Enfermeiros (todos juntos a remar para o mesmo lado) na divulgação, do que é ser Enfermeiro, utilizando os meios de comunicação social, discussão entre pares, indo às escolas de Enfermagem enfatizar esta problemática junto dos alunos, alertar as
Administrações Hospitalares, promover, dignificar, valorizar e reconhecer o trabalho dos Enfermeiros, exigindo á posteriori o estatuto e remuneração condigna e justa aos nossos governantes.
Obrigado pelo seu testemunho
Muito obrigada ao Sr. Dr. Luís Gouveia Andrade, pela sua análise ao não reconhecimento da Profissão de Enfermagem. Um olhar de quem está muito próximo dos Enfermeiros e da sua pratica profissional quotidiana. É assim a vida nas Unidades de Saúde. Seria efectivamente muito útil à Classe de Enfermagem, que de uma forma distanciada e sem emoções impeditivas ao entendimento racional, uma reflexão sobre o que transmitiu. Talvez haja Enfermeiros ainda não estão preparados para o fazerem. Os contextos são complexos e muito difíceis. O caminho tem sido doloroso, especialmente nos últimos 15 anos … Parece haver uma intenção deliberada de quem Governa de destruição. Os Enfermeiros ainda não encontraram a forma mais eficiente de lidar com isso. Para reflectir, aprender e mudar a forma de agir. Grata pelo seu contributo
O estranho desta campainha será não ser um AAM a atende-la e a abrir o pacote de bolacha…..porque em saúde hospitalar habitualmente é o AAM a responder às campainhas.
A leitura do seu texto encheu-me o coração.
A clareza e assertividade com que é escrito, retrata de uma forma exemplar a realidade da minha profissão, trazendo ao cimo um misto de sentimentos e emoções…
Um Bem haja pela sua reflexão, muito grata
A ministra ou pseudo- ministra devia ler este excerto. Ela sabe que é assim, mas faz-se de palerma ou mesmo burra. O curso que ela tirou, muitos enfermeiros tb o podiam tirar, mas, os convencidos julgam-se mais que os outros. É mau wd assim acontece . A massa cinzenta que ela transporta no seu cérebro é ( pensa ela) que é mais colorida que a de qualquer enfermeiro. Engana-se. Os enfermeiros são profissionais briosos e de muita riqueza, tanto humana como teórico-pratica mas não são criados dela. Há armas que devem ser mostradas para mudar ótimo desta prepotência desmesurada. Lutem, que vocês vencerão, mas para tal, é preciso dar a cara. Bem hajam. Eu lutaria convosco se estivesse ativo.
Como medica reformada, gostaria de deixar meu profundo reconhecimento a todos enfermeiros com quem tive o prazer de trabalhar, ao longo de minha vida profissional.
Na minha opinião, são eles a pedra fundamental dentro das equipas, num hospital. Todos somos importantes, mas a classe de enfermagem tem sido pouco valorizada,o que se traduz nos seus vencimentos.
São eles que estão sempre, ao lado dos doentes, em turnos, organizados em 8horas, dia e noite, sem interrupção. Sempre os considerei meus parceiros de jornada, imprescindíveis.
De ha muitos anos para cá, as escolas de enfermagem estão cada vez mais exigentes na formaçao de enfermeiros, o que se traduz em enfermeiros bem habilitados, tanto na parte teórica como prática.
Temos ainda muito que fazer, na educação das pessoas, doentes e familiares, para tratarem os enfermeiros como eles merecem.
O governo tambem precisa de os valorizar, nomeadamente, em termos remuneratórios.
Mas porque há falta de auxiliares de enfermagem, com certeza, não consigo imaginar um enfermeiro/a, a ter que fazer essa tarefa, a menos que o doente não saiba distinguir, uma pessoa, da outra, pelo uniforme, por exemplo, um distintivo ao peito, uma touca diferente…há coisas que não se entende, realmente, na nossa sociedade!….
Muito obrigada pela exposição daquilo que tentamos há anos demonstrar a todos aqueles que são alvo dos nossos cuidados e aos nossos pares, os quais também não reconhecem a importância do nosso trabalho. Esta do pacote das bolachas nunca me iria lembrar. Bem haja!
Subscrevo e aprecio a partilha do seu pensamento. Como pai de uma Enfermeira que já conheceu no estrangeiro uma realidade bem diferente, para melhor em todos os aspectos que refere, só posso lamentar mais uma vez o facto de continuarmos a ser governados por políticos hipocritas que apenas pensam na sua promoção pessoal e acham que umas palmadinhas nas costas e um pacote de biscoitos pelo Natal são suficientes para recompensar os profissionais que nunca viram as costas aos utentes, em especial aqueles que julgam que apenas têm direitos e nenhuns deveres.
Obrigada Dr. Luís Gouveia Andrade por este seu testemunho.
Sou mãe de uma enfermeira que tirou o seu curso por vocação. Contrariamente ao meu marido, que tem exactamente a mesma visão que o senhor em relação a algum público e a alguns médicos e que aconselhou a filha a não ir para o curso de enfermagem, eu tenho um orgulho enorme e fico com o coração cheio por diversas razões, em particular quando ela me diz que, com ela de serviço, ninguém morre sozinho.
Não tenho palavras para classificar o que li. Trabalhei fora de Portugal e apreciei a forma como a população e a classe médica se relaciona com a classe de enfermagem. A equipa de saúde, conjuga os seus saberes para a resolução das situações clínicas de cada indivíduo. Todos conjugam respeito, saberes, afetos, simplicidade, humildade, para a resolução das problemáticas. Ninguém é melhor que ninguém, somos um todo, com funções difetentes. Infelizmente em Portugal as pessoas tem de evoluir como pessoas, iguais a todas as outras, à mercê dos designios do Universo. Agradecida pela história; quando o Espírito se sobrepõe ao Ego avançamos uns passos!
Apenas quatro palavras: Médico mas também humano.
Muito grata pelo texto.
sou enfermeira, nunca me neguei abrir um pacote de bolachas, mas é desmotivante como somos vistos aos olhos da sociedade! obrigada por nos ver como profissão, como cuidadores desta triste sociedade onde vivemos!
Se não tiver outra não faz mal! Esta é para mim uma grande prenda de Natal. Alguem que sendo meu parceiro de cuidados de saúde define desta maneira o que sinto na pele há 40 anos.Obrigado por reconhecer aquilo que outros deviam fazer!! Dizia um dia o Dr Moita Flores que os Enfermeiros não merecem carregar eternamente com 100 anos da sua historia. Obrigado pela clareza com que retrata o nosso dia a dia!!
Caro colega, parabéns pelo excelente texto que poderá ser o primeiro passo para a mudança. E a mudança começa em cada um de nós, respeitando e exigindo que se respeitem os enfermeiros.
Há já muito tempo tempo que não leio um artigo tão inteligente e honesto.
Sou enfermeira há 40 anos e sim, sei bem o que é saber que o meu trabalho é valioso e não ter qualquer tipo de reconhecimento profissional,social, económico e também, muitas vezes, dos colegas das outras profissões da saúde.
Estou convencida que a esta situação não é alheio o facto de termos sido e ainda sermos, maioritariamente, uma profissão de mulheres.
Sim, as questões de género, até nos serviços de saúde…e, não só, também as mesmas causas, bem conhecidas e muito ignoradas, que levam a que continuemos a ser uma sociedade profundamente estratificada; e, nós, Enfermeiros, somos o reflexo desta sociedade que acredita que “tudo o que luz é ouro”…
por isso, as exceções, como é o caso deste artigo tão acutilante e corajoso são réstias de esperança, de que uma sociedade mais justa e igualitária ainda é possível… Muito Obrigada, dr. Luís!
Parabéns, assino por baixo e, penso que ambas as profissões de saúde, médicos e enfermeiros, seriam reconhecidos e valorizados se os respetivos cargos de bastonários, não fossem cargos de confiança política. Pensem.
Um texto pertinente e real, que muito me sensibilizou!
Sou enfermeira há 31 anos e, muitas vezes, revejo-me nesse cenário.
Bem haja Dr Luís Gouveia Andrade pelo seu testemunho.
O texto demonsta exactamente como….não se chega lá! Podia colocar aqui inúneros exemplos de queixas de utentes (mesmo muitas), e queixas de AO? milhares, a forma como são tratados por um punhado de cêntimos. Queixas de médicos sobre enfermeiros? sim, há! Bom, já não falta nada….falta, falta. Faltam os restantes profissionais de saúde que nem sequer se fala a maior parte das vezes, nesta altura de Covid houve palmas para os TSDT? não ouvi. Pronto está tudo. Não, não está, então e os técnicos de gestão? se calhar gostavam de ser reconhecidos por terem andado à procura de máscaras ás tantas da manhã, pronto está tudo….não não está, o texto é que já vai longo, por isso deixem lá as migalhas e passem ao que interessa
Subscrevo inteiramente as palavras do meu colega .
Infelizmente , há colegas nossos que não valorizam o papel insubstituível da enfermagem.
Quem , como eu , que trabalhou 42 anos no SNS , posso confirmar tudo o que disse o meu colega.
Sem enfermeiros/as o nosso trabalho hospitalar não existe .
Pertencemos à mesma equipa que trata os doentes.