Investigadores procuram explicar “hipóxia silenciosa” na Covid-19

31 de Dezembro 2020

Uma das características fisiopatológicas da infeção pelo novo coronavírus que mais tem confundido a comunidade científica é a denominada "hipóxia silenciosa" ou "hipóxia feliz".

Os doentes que apresentam esta condição, cujas causas ainda são desconhecidas, têm pneumonia grave e diminuição acentuada dos níveis de oxigénio no sangue arterial. No entanto, não relatam dispneia (sensação subjetiva de falta de ar) ou aumento da frequência respiratória, sintomas característicos de pessoas com hipóxia.

Os doentes com “hipóxia silenciosa” frequentemente sofrem um desequilíbrio repentino e rápido. “Nessas condições, os pacientes com pneumonia por Covid-19 podem descompensar e, como consequência, sofrer uma rápida deterioração de seu estado clínico que pode levar à morte”, assinalam os investigadores.

Como explicam os cientistas, os pacientes com hipóxia relatam uma sensação de falta de ar e uma taxa respiratória mais elevada, aumentando assim a captação de oxigénio pelo organismo. Este mecanismo reflexivo depende do corpo carotídeo. Esse pequeno órgão, junto da artéria carótida, deteta a queda de oxigénio no sangue e envia sinais ao cérebro para estimular o centro respiratório.

Um grupo de investigadores do Instituto de Biomedicina da Universidade de Sevilla, liderados por Javier Villadiego, Juan José Toledo-Aral y José López-Barneo, especialistas no estudo fisiopatológico do corpo carotídeo, sugerem num trabalho publicado na revista “Función” que a infeção deste órgão pelo coronavírus (SARS-CoV-2) poderia ser a causa da “hipóxia silenciosa” na Covid-19.

Esta hipótese, que devido à sua novidade e possível significado terapêutico atraiu o interesse da comunidade científica, baseia-se em experiências que mostram a elevada presença da enzima ECA2, proteína que o coronavírus usa para infetar células humanas, no corpo carotídeo. Os investigadores acreditam que o novo coronavírus infeta o corpo carotídeo nos estágios iniciais da doença, alterando a sua capacidade de detetar os níveis de oxigénio no sangue.

Atualmente, esta hipótese está a ser testada em novos modelos experimentais. Se for confirmada, justificará o uso de ativadores do corpo carotídeo, independentes do mecanismo sensor de oxigénio, como estimulantes respiratórios em pacientes com Covid-19.

“A nossa proposta pode ser testada em autópsias de tecido do corpo carotídeo de pacientes com Covid-19 e por trabalho experimental, usando modelos humanizados de ratinhos transgénicos com ECA2”, referem os cientistas no artigo publicado na Revista “Función”. “Além disso, se a nossa hipótese estiver correta, será necessário estudar se o dano produzido pela infeção por SARS-CoV-2 no tecido quimiossensível é transitório e em que medida altera o potencial regenerativo das células-tronco do corpo carotídeo.”

https://academic.oup.com/function/article/2/1/zqaa032/5998649

Informação bibliográfica completa:

Javier Villadiego, Reposo Ramírez-Lorca, Fernando Cala, José L Labandeira-García, Mariano Esteban, Juan J Toledo-Aral, José López-Barneo. Is Carotid Body Infection Responsible for Silent Hypoxemia in COVID-19 Patients? Function, Volume 2, Issue 1, 2021, zqaa032, Published: 23 November 2020

DOI: 10.1093/function/zqaa032

NR/HN/Adelaide Oliveira

0 Comments

Submit a Comment

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

ÚLTIMAS

Estudo revela impacto das diferenças de género na doença de Parkinson

Um estudo recente evidencia que as mulheres com Parkinson enfrentam subdiagnóstico e dificuldades no acesso a cuidados especializados. Diferenças hormonais, estigma e expectativas de género agravam a progressão da doença e comprometem a qualidade de vida destas pacientes.

ESEnfC acolhe estudantes europeus em programa inovador de decisão clínica

A Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC) recebeu 40 estudantes e oito docentes de Espanha, Finlândia, Itália e Portugal para um programa intensivo sobre competências clínicas e tomada de decisão. O evento combinou atividades online e presenciais, promovendo inovação pedagógica

VéloPsiq: bicicletas no combate ao sedentarismo psiquiátrico

O Hospital de Cascais lançou o Projeto VéloPsiq, uma iniciativa pioneira que utiliza bicicletas ao ar livre para melhorar a saúde física e mental de pacientes psiquiátricos. Com apoio da Câmara Municipal e da Cascais Próxima, o projeto promove reabilitação cardiovascular e bem-estar.

Johnson & Johnson lança série de videocasts sobre cancro da próstata

A Johnson & Johnson Innovative Medicine Portugal lançou a série “Check Up dos Factos – À Conversa Sobre Cancro da Próstata”, um conjunto de quatro vídeocasts que reúne oncologistas e urologistas para discutir temas-chave como NHTs, terapias combinadas e estudos de vida real no CPmHS.

Ronaldo Sousa: “a metáfora da invasão biológica é uma arma contra os migrantes”

Em entrevista exclusiva ao Health News, o Professor Ronaldo Sousa, especialista em invasões biológicas da Universidade do Minho, alerta para os riscos de comparar migrações humanas com invasões biológicas. Ele destaca como essa retórica pode reforçar narrativas xenófobas e distorcer a perceção pública sobre migrantes, enfatizando a necessidade de uma abordagem interdisciplinar para políticas migratórias mais éticas

OMS alcança acordo de princípio sobre tratado pandémico

Os delegados dos Estados membros da Organização Mundial da Saúde (OMS) chegaram este sábado, em Genebra, a um acordo de princípio sobre um texto destinado a reforçar a preparação e a resposta global a futuras pandemias.

MAIS LIDAS

Share This
Verified by MonsterInsights