Oscilações de temperatura “afetam mais os pobres do que os ricos”

4 de Janeiro 2021

As pessoas que vivem em cidades mais pobres correm maior risco de serem hospitalizadas se as temperaturas registarem alterações rápidas ao longo do dia ou durante um determinado período de tempo, de acordo com um estudo realizado no Brasil

 Embora se soubesse que as variações de temperatura aumentam o risco de pessoas com determinadas patologias, como a diabetes ou asma, os investigadores desejavam compreender o impacto dos indicadores socioeconómicos como, por exemplo, o rendimento mensal do agregado familiar.

 Paulo Saldiva, professor catedrático da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e coautor da pesquisa publicada em “The Lancet Planetary Health”, assinalou que estas disparidades fazem-se sentir em todas as áreas, desde a Covid-19 aos problemas cardíacos.

 Através da análise dos dados de cerca de 148 milhões de hospitalizações em 1.814 cidades brasileiras entre janeiro de 2000 e dezembro de 2015, os investigadores descobriram que o aumento de um grau Celsius num determinado dia, relativamente ao dia anterior, aumenta o risco de hospitalização em 0,52%, em média.

 Embora os números possam parecer baixos, os riscos reais poderão ser muito mais elevados porque “a temperatura pode mudar vários graus de dia para dia”, comenta Ben Armstrong, professor de estatística epidemiológica na “London School of Hygiene and Tropical Medicine”, que não participou no estudo.

 Os investigadores encontraram disparidades entre os municípios. As pessoas com menos de 19 anos de idade ou mais de 60, e os indivíduos com doenças infeciosas, respiratórias e endócrinas, provenientes de cidades com níveis de rendimento mais baixos apresentavam maior risco de hospitalização devido às mudanças de temperatura do que os habitantes de cidades prósperas.

 A análise foi baseada em estatísticas socioeconómicas das cidades, disponibilizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, dados de hospitalização do Sistema de Informação Hospitalar do Sistema Único de Saúde Brasileiro, e relatórios meteorológicos.

 A equipa constatou que as pessoas com doenças endócrinas, tais como diabetes, que viviam em cidades de baixos rendimentos per capita tinham quase quatro vezes mais probabilidades de serem hospitalizadas do que as que viviam em cidades de rendimentos elevados.

 As pessoas com doenças infeciosas em cidades pobres tinham quase três vezes mais probabilidades de serem hospitalizadas devido a mudanças abruptas de temperatura do que as suas homólogas de cidades prósperas. O quadro era semelhante na área das doenças respiratórias.

 A diabetes e as doenças respiratórias não são provocadas pela variabilidade da temperatura, mas podem ser afetadas negativamente. A capacidade de dilatação dos nossos vasos sanguíneos, quando está quente, ou de contração, quando está frio, é uma salvaguarda importante contra as mudanças abruptas de temperatura, explica Paulo Saldiva.

 “Com hipertensão descontrolada ou diabetes, as pessoas podem ter aterosclerose, que provoca o obstrução dos vasos sanguíneos. Isso torna mais difícil lidar com as variações de temperatura porque as funções de regulação térmica já não funcionam tão bem”.

 Na opinião de Ben Armstrong, “estes resultados são bastante impressionantes, uma vez que traduzem uma associação entre o estatuto socioeconómico e a vulnerabilidade em saúde”.

 As pessoas das cidades pobres carecem frequentemente de uma boa estrutura habitacional e de ar condicionado, “e muitas pessoas nas zonas rurais trabalham ao ar livre, estando diretamente expostas ao calor e às variações diárias de temperatura”, refere Sonja Ayeb-Karlsson, professora do Instituto do Meio Ambiente e da Segurança Humana, da Universidade das Nações Unidas.

 

“Além disso, dietas mais pobres e stresse financeiro aumentam o impacto mental que pode tornar as pessoas que vivem em regiões mais pobres ainda mais vulneráveis”, acrescentou.

 

Paulo Saldiva acredita que esta vulnerabilidade existe noutras partes do mundo. “O Brasil pode ser, infelizmente, um bom laboratório para este tipo de estudos: o país é desigual e tem uma grande variabilidade climática, para além de bons dados de saúde”.

 

Ben Armstrong concorda, mas apela à prudência: “A extrapolação é sempre arriscada porque há demasiadas características que temos de ter em conta. Faz sentido extrapolar estes resultados para a América Latina, por exemplo, mas talvez não para o mundo inteiro”.

 

As migrações em massa e as alterações climáticas podem causar uma devastação evolutiva nos seres humanos, adverte Paulo Saldiva. “As respostas vasculares ao clima são diferentes nas várias regiões do mundo e foram precisos milénios para que cada povo desenvolvesse a sua vantagem adaptativa. Com as alterações climáticas, entraremos num desequilíbrio evolutivo”.

 Mais informação em: https://www.scidev.net/global/news/temperature-changes-affect-poor-more-than-rich/

NR/HN/Adelaide Oliveira

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