Cristina Arrábida Doutoranda em Políticas Públicas; ISCTE IUL

Contexto internacional da pandemia da SARS-Cov-2: EUA e o Mundo Interdependente e Global

01/16/2021

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Contexto internacional da pandemia da SARS-Cov-2: EUA e o Mundo Interdependente e Global

16/01/2021 | Opinião

É certo que a comunidade científica e membros da sociedade civil têm dedicado a sua vida ao estudo de doenças de elevada morbilidade e/ou mortalidade, entre outros, o vírus de Marburgo, Ébola, Malária, Zika, Dengue que causam elevada preocupação em relação à saúde e a qualidade de vida dos cidadãos.
É certo que se antevia a possibilidade de lidarmos com uma nova doença associada a uma ameaça mundial, como a que vivemos na atualidade. Contudo, teremos de estar preparados para novas pandemias.
Apesar de a humanidade nunca ter tido à sua disposição, os meios, como na atualidade, em termos de conhecimento científico, tecnologias e recursos para fazer face a doenças, a maioria dos países não tinha preparado os seus planos de contingência. Muitos países não possuíam sistemas de saúde robustos e os países com sistemas de saúde robustos, em termos de saúde pública, têm experienciado elevadas pressões sobre os serviços de saúde, designadamente, devido aos cuidados de saúde de elevada complexidade requeridos.
Tendo em conta, o mundo global, interdependente e interligado, seria suposto que os países pudessem reagir, rapidamente e com eficácia, à possibilidade da nova ameaça real de pandemia pela SARS-Cov-2.
O surto deste coronavírus começa em Wuhan, China, em dezembro de 2019, tendo vindo a expandir-se a nível global, atingindo milhões de pessoas. Muitos discutem a ordem da causa de morte, se será a 5ª causa, ou a 3º ou a segunda causa em cada país. Mais do que isso e mais relevante, é a complexidade de cuidados de saúde que exige, com um aumento exponencial de internamentos hospitalares e cuidados intensivos, quando os recursos humanos são escassos e é suposto que todos os setores da sociedade possam, de forma articulada e integrada, serem chamados a intervir e a participarem nas respostas concertadas, baseadas na comunidade científica.
Em 31 de dezembro de 2019, a OMS declara a ocorrência de uma pneumonia de origem desconhecida, confirmada pelas Autoridades de Saúde da China. Desconhece-se, nesta altura, a evidência da propagação do vírus de pessoa para pessoa. Em 11 de janeiro de 2020, é relatada a primeira morte por SARS-COv-2 em Wuhan.
Em 30 de janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declara emergência global de saúde pública de interesse internacional.
No mês seguinte, em 11 de fevereiro de 2020, o novo coronavírus é designado por COVID-19 (“Co” significa coronavírus, “Vi” significa vírus e “D” significa doença). A intenção inicial é evitar estigmatizar pessoas ou lugares com base em uma localização geográfica, animal ou grupo de pessoas.
A declaração da pandemia pela SARS
-Cov-2 vem a concretizar-se em 11 de março de 2020. As estimativas não são animadoras e todas as vidas importam. A doença apresenta um índice de letalidade que pode ultrapassar os 2% nos adultos e 15% nas pessoas com mais de 80 anos. Dada a sua elevada propagação, podemos estar diante de uma das maiores pandemias de sempre.
Todavia, inicialmente, vários líderes políticos e peritos desvalorizam o surto epidémico da COVID-19, não obstante, tratar-se de um vírus perigoso e silencioso, desconhecendo-se que o risco de travar a pandemia está relacionado com a sua capacidade de transmissão, em pessoas assintomáticas e no período em que as pessoas com a infeção, ainda se encontram assintomáticas. A gravidade da doença torna-se realidade com a possibilidade de manifestações sistémicas e a necessidade de cuidados de saúde urgentes e emergentes, e de elevada complexidade.
Dada a elevada propagação silenciosa da doença pela pessoa assintomática como na fase assintomática da pessoa com a doença, ainda hoje, nos deparamos, com dificuldades na abordagem compreensiva da doença, nas soluções, em termos de tratamento específico e na própria incapacidade dos sistemas de saúde cujas fragilidades são expostas, porque não são robustos e de cobertura universal a que, também, não é alheia, a pressão sobre a exigência de resposta urgente e complexa, em cuidados de saúde.
Epidemias e pandemias causadas por bactérias prejudiciais ao organismo humano, com dimensão similar a 0,001 milímetro ou por vírus com uma dimensão, no máximo, a uma centésima daquela dimensão, têm tido efeitos devastadores, com impactes negativos sociais e económicos, ao longo da história da humanidade.
A 19 de maio de 2020, a pandemia atinge 4.881.619 pessoas em 188 países e causado 322.457 mortes. Em Portugal, havia 29.432 casos diagnosticados e 1.247 mortes (Johns Hopkins Coronavirus Resource Center).
No mesmo dia, é aprovada uma Resolução da Assembleia Mundial da Saúde (OMS), resultante da moção patrocinada pela União Europeia, sem objeções dos 194 Estados-Membros, para a realização de uma investigação independente às origens da pandemia.
Trump acusa a OMS de falhas na gestão da pandemia e a China de não ter impedido a propagação do vírus, ignorando todas as comunicações efetuadas pela OMS, desde janeiro de 2020, incluindo a declaração de estado de emergência de saúde pública global, a 30 de janeiro de 2020.
Para além do congelamento do financiamento, em 14 de abril de 2020, os EUA rejeitam o tom da resolução da OMS sobre a pandemia, embora, não tenham rejeitado a adoção do documento. O objetivo da investigação sobre a resposta internacional (Resolução de 19 de maio) é identificar as melhorias e não procurar culpados (Heiko Maas, ministro do Exterior da Alemanha). Segundo Merkel, a OMS é a instituição global legítima que consegue aproximar os povos. Gennady Gatilov, representante permanente da Rússia na OMS, refere que os norte-americanos estão amplamente representados em todas as divisões do Secretariado, incluindo o mais alto escalão, assim como nos comités especializados, incluindo o Comité de Emergência de Saúde Pública (Deutsche Welle).
Em resposta, o diretor-geral da OMS, Tedros Ghebreyesus, insta à não politização da pandemia “se não desejam mais sacos de cadáveres”. Afirma que a pandemia “ameaça rasgar o tecido da cooperação internacional”.
Os EUA têm sido um dos principais doadores do organismo internacional, contribuindo com cerca de US$ 400 milhões anuais, o que representa 15% do orçamento da OMS. A concretizar-se o congelamento permanente do financiamento pelos EUA, existe espaço para a China o preencher (Deutsche Welle), bem como outros países e até, a União Europeia.
No contexto de incapacidade de gestão da crise epidémica nos EUA, por não terem sido adotadas políticas para respostas a emergências de saúde pública, a doença pela SARS-Cov-2 pode servir os propósitos eleitorais de Trump, utilizando a China, como bode expiatório.
Nos EUA, a capacidade de resposta a emergências de saúde pública já tinha sido abalada pela extinção da equipa de resposta a pandemias do Conselho de Segurança Nacional (NCS), em 2018. Um artigo do Washinton Post, de Shartz a 10 de maio de 2018 refere um tweet de Stephen Schwartz, analista nuclear do Bulletin of the Atomic Scientist, “quando a pandemia chegar (e não tenha dúvidas que vai chegar) e o Governo federal for incapaz de responder de maneira coordenada e eficaz para proteger a vida dos cidadãos dos EUA e outros, terá sido pela decisão de John Bolton e Donald Trump”.
O despedimento ou a dispensa ou o não envolvimento de serviços de peritos com credibilidade e experiência acumulada não são apanágio só do governo norte-americano. A questão é que deixa as instituições eventualmente, “menos preparadas para o surto epidémico da Covid-19” (Beth Cameron, ex-diretor sénior do NCS).
No dia 29 de maio de 2020, é anunciada por Trump, a retirada dos Estados Unidos da OMS e em 7 de julho de 2020, inicia-se o processo formal da sua retirada. As críticas à OMS podem também ser entendidas como uma forma de desviar a atenção da gestão interna dos surtos que representam cerca de 3 milhões de casos confirmados e mais de 130.000 mortes (Deutsche Welle).
Tal como a China o tinha feito, em 23 de janeiro de 2020, a maioria dos países a nível mundial tem imposto ao longo do ano de 2020 e início de 2021, várias formas de confinamento social (protocolo de isolamento que restringe ou impede a circulação de pessoas – lockdown) que se sucedem a nível global e têm acompanhado a primeira, segunda e terceira ondas epidémicas, num esforço acrescido para travar o excessivo aumento de casos. Seria expectável que estas medidas fossem sempre acompanhadas de apoio dos Estados ao emprego, à família e às empresas.
Apelando para o desenvolvimento da responsabilidade individual, os cidadãos com necessidade de literacia em saúde precisam da compreensão para cada explicação, quais as implicações, em termos de medidas a aplicar (i) no quotidiano da vida familiar (ii) fora de casa, (iii) assim como na retoma à “nova normalidade” (iv) até à proteção de todos, através da imunização global pelas vacinas. Caso contrário, corremos o risco do período “Fique em casa” sem a compreensão do que há a fazer em casa, em confinamento social e a aplicação das medidas de saúde pública (conjunto de medidas para evitar a doença e/ou a sua gravidade) dentro e fora de casa, quer seja em espaços abertos ou fechados e após o fim do confinamento social.
A ausência de consenso científico e o desconhecimento do grau de transmissão da SARS-Cov-2, no início da pandemia, a par de decisões políticas pode ter dificultado a explicação clara e racional sobre a importância da aplicação das medidas de proteção em locais fechados mas também em locais abertos (sempre que exista interação entre duas ou mais pessoas ou quando a distância física não é possível) quer em confinamento, quer quando se retoma a “nova normalidade”.
A evolução do conhecimento sobre a forma de transmissão do vírus por gotículas respiratórias expelidas a distância inferior a 2 metros (American Institute of Physics) vem confirmar os benefícios do uso de máscara apropriada com distância física.
A informação e esclarecimento, para além da forma de transmissão da doença, tem enfoque no conjunto de medidas (etiqueta respiratória, higiene das mãos, uso de máscara apropriada e distância física) e apela à capacidade da responsabilidade individual e social que deveria prevalecer em relação às medidas restritivas de apenas formas de confinamento social. Um elevado grau de exigência, imposto aos cidadãos, passa pela aplicação das medidas de proteção a usar dentro e fora de casa, em todos os espaços abertos e fechados durante e após o fim do confinamento, até à desejada imunização da população.
Para a população em geral, as formas precisas de transmissão do vírus necessitam de ser comunicadas sem cessar, assim como a proteção de saúde pública possível com o conjunto das medidas concretas, referidas acima, em detrimento da repetição exaustiva de medidas avulsas, teóricas, abstratas e não concretas. As restrições de circulação da população entendidas como últimas medidas de recurso para reduzir a propagação da doença importam que sejam acompanhadas da publicação dos resultados de impacte das mesmas, em termos de saúde pública, sabendo-se dos custos sociais e económicos que o confinamento acarreta.
A capacidade dos países em quebrar as cadeias de transmissão e em realizar um maior número de testes tem sido e continuará a ser posta à prova.
Em todos os países, teria sido desejável, a existência de um painel de peritos séniores de diversas sensibilidades e representatividades, para acompanhar a evolução da doença, a nível nacional e para o lançamento do que é necessário, atempadamente, em termos de respostas apropriadas para novas ondas do surto epidémico e para novos surtos, a nível nacional, europeu e mundial. É bom lembrar que podemos recorrer ainda a esses peritos para o planeamento de respostas a futuras epidemias e pandemias.
Das lições aprendidas com a pandemia de gripe de 2009, “torna-se necessária uma rede de colaboração mundial para a colheita e análise de dados de vigilância de mortalidade e internamento para se estabelecer, rapidamente, a gravidade de futuras pandemias” (Simonsen Lone et. al., 2013).
A pandemia causada pela SARS-Cov-2 expõe os problemas de saúde, agravados pela ausência de sistemas de saúde robustos, as desigualdades, a pobreza e a exclusão, vindo reforçar a importância de suporte dos Estados. Perante a situação global, reveste-se de importância a criação de sistemas de saúde robustos e de cobertura universal e da melhoria da capacidade dos Estados para políticas de suporte social e económico.
As políticas públicas de saúde dirigidas a emergências de saúde pública exigem dos decisores políticos não só avaliar e conduzir a resposta dos sistemas de saúde (setor público e privado), para lidar com a pandemia instalada e reavaliar a respetiva capacidade de resposta, em termos de cuidados de saúde/doença, como também, de respostas socias e económicas. A recuperação social e económica poderá levar uma década ou mais na maioria dos países mais atingidos.
Em dezembro de 2020, a colaboração admirável entre os setores públicos e privados que permitiu o desenvolvimento de novas vacinas, culmina na aprovação das duas primeiras vacinas pela U.S. Food and Drug Administration (FDA) e na primeira pela Agência Europeia do Medicamento (EMA).
Em 30 de dezembro de 2020, existem 82.835.563 casos identificados e 1.807.638 mortes a nível global (Johns Hopkins Coronavirus Resource Center).
A SARS-Cov-2 pode tornar-se endémica segundo Michael Ryan (diretor de emergências da OMS). Com a chegada de vacinas, as medidas de combate ao vírus continuam a ser necessárias (Ryan, e Soumya Swaminathan (cientista-chefe da OMS), até à desejada imunidade de grupo a nível nacional que pode ser conseguida pela cobertura não inferior a 75% da população. Num mundo interdependente e global a imunização global é a meta a alcançar para nos sentirmos seguros e com esperança na vida das nossas vidas. O objetivo principal da vacinação é evitar a gravidade da doença, a morte e a doença sintomática, é prevenir a doença e não a transmissão do vírus. Levará tempo até à vacinação do número de pessoas para alcançar essa imunidade. Cada país terá de encontrar formas de acelerar a vacinação, dando prioridade aos profissionais de saúde e às pessoas vulneráveis, incluindo todos os idosos.
A tragédia que tem atingido sobretudo os grupos de idade mais avançados ficará nas nossas memórias e poderá ser o fator desencadeador (trigger) de políticas públicas que definam outros modelos de assistência e de cuidados de saúde para esta população.
A evidência científica sobre a forma de evolução da imunidade pelas vacinas, de que forma irá reduzir o número de pessoas atingidas pela doença e a própria duração pelas vacinas disponíveis, esperamos que seja, desde logo, partilhada com a população em geral. No atual contexto da necessidade imperiosa de um Programa de Vacinação Global com toda a logística que isso implica, a nível mundial, em termos de prioridades a estabelecer na sua implementação, surgem novas variantes como a do Reino Unido e da África do Sul. Mesmo não sendo mais graves, a sua maior transmissibilidade implicará maior número de internamentos hospitalares e aumento da taxa de mortalidade, com elevado risco de colapso dos serviços de saúde nos países atingidos. Durante os próximos meses, há que quebrar cadeias de transmissão, aumentar a capacidade de identificação de pessoas com testes positivos e detetar novas variantes através do aumento da capacidade da realização de testes.
Os desafios para 2021, a nível global, a par da promoção da vacinação serão as estratégias para ajudar as pessoas, cansadas da pandemia, a descobrirem o que as motivará a continuarem a integrar no seu quotidiano, o conjunto de medidas de proteção, a par da sua adesão à vacinação.

 

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