Luís Gouveia Andrade Médico Oftalmologista Grupo Lusíadas Saúde Director Geral da InfoCiência

Exercício Físico ou Flores? Uma das Excepções que Faria Falta…

01/18/2021

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Exercício Físico ou Flores? Uma das Excepções que Faria Falta…

18/01/2021 | Opinião

Pensando no momento actual, mas pensando em todos os momentos, estou agora a reviver a experiência de transpor a minha actividade física do ginásio para casa.

Regressam os pesos (quando fui apanhado de surpresa recorri a garrafões de água) mas ainda não regressou a corrida ao ar livre, dadas as baixas temperaturas…

Pratico exercício físico desde sempre, sob a forma de desporto ou, nos últimos anos, na modalidade de ginásio, de modo a agir sobre o componente cardiovascular e sobre a tonificação muscular. Por mais cansado que esteja, por menos que me apeteça, mantenho essa rotina 2 a 3 vezes por semana encarando-a como um dever tão importante como os que me fazem sair de casa para ir trabalhar.  

Falar sobre os benefícios do exercício físico poderá parecer redundante, mas não se perde nada em recapitular alguns aspectos, sobretudo no que se refere ao seu papel sobre o nosso estado imunitário.

O exercício físico é, na verdade, um adjuvante do nosso sistema imunitário, melhorando a sua capacidade defensiva e o nosso metabolismo.

Inúmeros estudos confirmam existir uma relação inversa entre um treino moderado e o risco de doença, em parte porque o exercício exerce uma influência anti-inflamatória, ajuda a regular as respostas imunes e atrasa o início de diversas doenças relacionadas com a idade.

Apesar de se verificarem níveis de sedentarismo muito elevados na população portuguesa, um estudo realizado em 2016 pela Marktest referia que cerca de 1 milhão e 354 mil indivíduos referiam frequentar um ginásio e é provável que esse número seja agora maior.

Apesar de tudo, 67,6 % da população portuguesa acima dos 15 anos tem excesso de peso ou é obesa, o que nos coloca numa posição muito ingrata à escala internacional.

A obesidade, como é sabido, aumenta o risco de doenças como a diabetes, a hipertensão arterial, dislipidemias, disfunção eréctil, infertilidade, apneia do sono, entre outras.

Apesar desta realidade, e de Portugal ter traçado nos seus objectivos colocar o País entre as quinze nações europeias fisicamente mais activas na próxima década, o facto é que os incentivos são escassos e diversas propostas para redução do IVA dos ginásios ou a possibilidade dos contribuintes poderem deduzir os custos associados aos ginásios no seu IRS não foram ainda contempladas.

Face a esta pandemia, a obesidade surge, mais uma vez, como um importante factor de risco, estimando-se que a presença de um IMC (Índice de Massa Corporal) entre 35 e 40 aumente o risco de mortalidade associada à infecção por SRAS-coV-2 em 40% e, para IMC superiores a 40, esse risco atinja os 90%.

As razões para este incremento de risco estão bem identificadas, relacionando-se com os distúrbios do metabolismo resultantes da presença de um excesso de gordura, com o aumento na presença de citocinas inflamatórias e a redução da presença de adiponectina, molécula capaz de proteger directamente a estrutura pulmonar, bem como uma redução substancial na resposta imunitária.

Podemos, portanto, assumir que países com populações mais saudáveis, com menor incidência de obesidade e/ou excesso de peso, apresentam uma menor morbilidade e mortalidade resultantes de inúmeras condições.

No caso concreto da infecção por SARS-coV-2, uma aposta estruturada e consistente no exercício físico, na implementação de hábitos de vida saudáveis, teria já reduzido os níveis de obesidade em Portugal e muitas das complicações/mortes agora contabilizadas poderiam ter sido evitadas.

Face a um novo confinamento, os ginásios voltam a fechar. Em Março, num contexto de incerteza e de preparação, foi uma medida sensata e importante para que as medidas adequadas fossem pensadas e implementadas. E foram-no com evidente sucesso, uma vez que diversos estudos publicados, incluindo um do Centers for Disease Control and Prevention (CDC), apontam para um risco de transmissão meramente residual.   

De facto, os ginásios adaptaram-se, reduziram a sua lotação, reduziram o número de equipamentos disponíveis, reforçaram a higienização, investiram mesmo perdendo receita e conseguiram criar um ecossistema tranquilo e seguro.

É verdade que o exercício pode ser praticado ao ar livre ou em casa e, nesse sentido, esta medida não nos impede de treinar. Mas o frio não ajuda e fazer exercício ao ar livre nessas condições pode ser contraproducente. E, nem em casa nem na rua, é possível ter acesso à diversidade de exercícios que o ginásio proporciona (passadeira, bicicleta, elíptica, remo, natação, aulas, pesos).

Mais do que isso, a frequência de um ginásio é um hábito saudável e libertador, que cria momentos de escape e de fuga à rotina, ajudando a reduzir o stress e a ansiedade e elevando todos os parâmetros de qualidade de vida.

Fechar os ginásios, como se fossem locais conspurcados e de risco elevado e como se a sua frequência fosse um luxo ou um capricho, é mais um péssimo sinal que se dá, esmagando mais um sector de actividade, privando milhares de pessoas de umas horas de treino e de vida saudável, fazendo com que muitas cancelem as suas inscrições que mantinham a custo em nome da sua saúde e que, provavelmente, não renovarão se a economia não o permitir.

Fechar os ginásios mostra a pouca importância que se dá em Portugal ao exercício como o caminho para uma vida mais longa e mais saudável, mostra como se prefere gastar dinheiro a tratar a obesidade, a diabetes ou a hipertensão em vez de estimular todos a praticarem mais exercício. E mostra que várias das mortes que estão agora a acontecer em doentes obesos provavelmente não teriam ocorrido se a filosofia vigente fosse outra.

Mas nem tudo está perdido. Afinal, sempre podemos ir comprar flores…

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