Entrevista: Aníbal Ferreira: “Os doentes em hemodiálise não podem esperar uma ou duas semanas pela vacina”

01/28/2021
O Presidente da Sociedade Portuguesa de Nefrologia Revela que recebeu por parte da Direção-Geral da Saúde a promessa de que até sexta-feira os doentes em hemodiálise deverão ser vacinados. 

Aníbal Ferreira explica que os doentes que contraem a Covid-19 acabam por parar em áreas de internamento, ficando dependentes, não só de ventilador, mas também de uma máquina de fazer diálise.

HealthNews (HN)- A Sociedade Portuguesa de Nefrologia alertou recentemente para a urgência de incluir doentes em hemodiálise nos grupos prioritários de vacinação, mas estes doentes já estão incluídos na primeira fase do Plano Nacional de Vacinação Contra a Covid-19. Afinal qual é o vosso apelo?

Aníbal Ferreira (AF)- Não temos a dúvida que estes doentes estão. Sabemos que são prioritários, o problema é que há muitos grupos prioritários  dos quais há uns mais urgentes que outros. 

Os doentes em hemodiálise estão na primeira linha do risco porque são doentes muito frágeis. São doentes que transmitem e são infetados com grande facilidade. Portanto, não está em causa a definição de prioridade, mas sim a necessidade de não esperarmos mais. A semana passada já foi uma semana terrível em termos de infeções e de mortalidade de doentes hemodialisados. 

HN- Revelou esta semana que o número de doentes em hemodiálise infetados com SARS-CoV-2 multiplicou-se por cinco e o de mortes por sete nas últimas semanas. O que está a falhar?

AF- Não é uma questão de estar a falhar. Quando apontamos para esses número tem muito a ver, infelizmente, com a realidade nacional. Há um forte crescimento do número de infetados. No caso dos hemodialisados as curvas são ainda mais negras. Foi esse o nosso alerta. Estes doentes não podem esperar uma ou duas semanas para serem vacinados e foi com bastante agrado que soubemos ainda hoje [terça-feira] que a Direção-Geral da Saúde vai proceder à vacinação destes doentes até à próxima sexta-feira. Pelo menos está prometida para o terreno esta concretização que esperamos se confirme. Isto vai implicar uma proteção muito grande, não só destes doentes como da população em geral (dos seus familiares, dos seus colegas das instituições e dos profissionais de saúde que lidam com estes doentes). Os doentes em diálise têm uma resposta imunitária muito mais lenta.

HN- Caso estes doentes não sejam vacinados nas próximas duas semanas poderíamos assistir a uma catástrofe?  

AF- Claro, pode ser tarde. Não nos interessava de modo algum  dizer que os doentes em hemodiálise são prioritários na vacinação se depois isso não for materializado. Chamámos a atenção para que daqui a duas semanas seria provavelmente tarde demais.

HN- A vacinação a titulares de órgãos de soberania está prevista para arrancar na próxima semana. No caso de figuras de Estado começarem a ser vacinadas primeiro que os doente hemodialisados como olharia para esta decisão?

AF- Não percebo sequer como é que os membros de órgão de soberania não foram já vacinados há muito tempo. Temos que ter noção que, sobretudo numa fase que estamos a dirigir as políticas europeias, temos de ter protagonistas protegidos e que as suas funções não estejam limitadas por esta pandemia. Estamos a falar de 60, 70, 80 ou 100 vacinas para esses órgãos e no caso da área da hemodiálise estamos a falar de 16 mil pessoas. Quando falamos de 16 mil emergentes e não vacinamos ainda os 100 ou 120 órgãos de soberania, parece-me que é uma questão de retórica política e não propriamente de prioridade. Não é razoável termos ministros infetados. Acho que os portugueses perceberiam muito bem que houvesse prioridade para essas pessoas. Isto é uma opinião pessoal, não me parece que uma vacinação colida com a outra.

HN- Colide porque o próprio admitiu que caso os doentes em hemodiálise não sejam vacinados nas próximas duas semanas estaríamos a falar de uma catástrofe….

AF- Acho que mal vai um país, que teve ainda por cima ao número de vacinas que nós tivemos e temos, não conseguisse vacinar com 60 ou 70 pessoas que são key persons. Essas pessoas são fundamentais para manterem a organização e a definição das prioridades e regras. Portanto, acho que estamos a falar de número diferentes. Falarmos de 70 ou 80 vacinas para órgão de soberania versus 16 mil para a população em diálise… uma coisa não afeta a outra. Mau seria que não tivéssemos 60 ou 70 vacinas a mais para vacinas os nossos governantes.

HN- Seriam menos 60 ou 70 doentes em hemodiálise que estariam em risco de morte…

AF- As coisas não podem ser vista dessa forma porque há muitos outros grupos que também têm que estar a ser vacinados. Neste momento há vários lares que estão a ser vacinados. Agora se entramos dentro de um lar eu vacinaria , se tivesse que escolher alguns, aqueles que fazem diálise. Os outros ficam no lar e os que fazem diálise têm de ir três vezes por semana ao centro de hemodiálise. Agora, tudo quanto seja falar dos governantes acho que é sinceramente pequena política e é não vermos a floresta. Acho que esse número não tem significado. Todos os nossos ministros, os secretários de Estado e o Presidente da República deveriam estar vacinados. Não é razoável transmitirmos essa imagem para a Europa.

HN- Qual o verdadeiro impacto do novo coronavírus para estes doentes?

AF- O impacto é enorme. Quando estes doentes vão para o hospital com quadro de Covid-19 precisam não só de algum apoio ventilatório invasivo ou não invasivo, como precisam de fazer diálise. É uma dupla dependência. Isso significa que estes doentes até pela sua idade, pelas suas comorbilidades e por serem também insuficientes renais vão ter uma taxa de mortalidade muito maior. É isso que temos assistido em todo o mundo. Na Europa isso é muito claro e, portanto, tudo o que possamos fazer para antecipar o mais rapidamente a vacinação será obviamente a única forma de os proteger. 

HN- Embora o dever de todos os cidadãos seja o de recolher obrigatório, os doentes em hemodiálise não se podem dar ao luxe de confinar. De um modo geral quais têm sido as medidas adotadas pelos centros de hemodiálise para reduzir o risco de contágio?

AF- Têm sido criadas áreas de confinamento ou turnos de diálise específicos para os doentes positivos. Quando tal não é possível os doentes são separados em áreas segregadas dentro da própria clínica, tentando ao máximo evitar o contacto dos doentes uns com os outros. 

Foi ainda instituído transporte individual dos doentes suspeitos ou dos infetados. Devo admitir que esta é uma das áreas onde estamos a ter mais dificuldade. Tem sido muito difícil transportar os doentes com Covid-19. 

HN- Em Portugal os espaços estão desenhados para garantir o distanciamento entre os doentes?

AF- Estes estão definidos em função da legislação. Obviamente que não há espaços neste momento em Portugal, quer nos centros de diálise, quer nos hospitais, quer nas unidades de cuidados intensivos para estar a tratar doentes com uma pandemia. Desejamos ter ainda mais espaço entre os doentes, mais segregação, mas é óbvio que temos a noção de que tal não é possível em todos os casos. 

O que eu posso dizer na qualidade de presidente da Sociedade Portuguesa de Nefrologia é que a esmagadora maioria das infeções vêm sempre de lares, de instituições comunitárias onde os nossos doentes estão e, desde dezembro, das famílias. Todos os dias temos casos destes, ao contrário do que se verifica nos centros de hemodiálise onde os enfermeiros e os doentes cumprem as regras sanitárias. É fora dos hospitais e na comunidade que estes doentes são infetados. 

Outro aspeto importante é que mesmo vacinados não devemos esquecer os cuidados. Até porque não se sabe se os doentes com vacinação não continuam a ser transmissores do vírus.

HN- Significa que os cuidados não podem ser aligeirados após a toma da vacina?

AF- Não podem ser aligeirados de modo algum. A única coisa que esperamos é achatar a curva. Agora não vai haver nenhuma alteração em termos de comportamento ou regras de atuação nas clínicas nem fora delas.

Tivemos esta informação que até sexta-feira temos todos os doentes vacinados o que será uma grande vitória nacional.

Entrevista por Vaishaly Camões

1 Comment

  1. Carlos Antunes

    Assim como todos os trabalhadores desses centros de hemodiálise.

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