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Planos urgentes para a saúde
O pico da terceira vaga da Covid-19 aparenta, finalmente, ter sido ultrapassado. Com o confinamento, o número de novos casos diminuiu rapidamente, tendo a sua repercussão na pressão hospital começado a fazer-se sentir. Os internamentos em enfermaria diminuíram cerca de um terço durante este mês. A redução foi menor nas unidades de cuidados intensivos, o que é natural, devido ao atraso entre os novos casos e a taxa de ocupação nestes serviços.
Apesar de termos atingido um mínimo histórico do R(t), não é ainda altura para desconfinar. A pressão nos serviços de saúde ainda não o permite. Também é ainda cedo para um debate público sobre o desconfinamento, sobre o perigo de comunicar uma mensagem errada de relaxamento. Mas é esperado que dentro portas, uma comissão técnica e independente se reúna e proponha métricas e critérios objetivos, sobre o período sensível que vamos atravessar.
Não é esperado, nem seria honesto, que fossem avançadas datas. Seria como que brincar à astrologia. Pelo contrário, é esperado que sejam produzidos critérios não só sobre quando iniciar o processo de desconfinamento, como quais as linhas vermelhas que nos levam a outro eventual confinamento. Ao contrário do que ocorreu em janeiro, não podemos passar novamente por uma semana perdida, repleta de indecisões e meias medidas.
O objetivo final continua a ser o mesmo: salvar vidas e manter a resiliência do sistema de saúde. A dicotomia saúde vs economia é falsa e redutora. Não há saúde com pessoas pobres, mas também não há economia com pessoas doentes e assustadas. Controlar a pandemia é criar condições para a recuperação económica. Não podemos ceder ao simplismo, baseado em pressupostos errados, que produzem necessariamente respostas também elas erradas. A visão necessária é holística e aborda simultaneamente todas as dimensões envolvidas pela pandemia: a de saúde, económica e social, que transforma este problema de saúde pública numa verdadeira sindemia.
O plano de desconfinamento ou de vacinação, não são as únicas atividades que requerem uma atenção especializada e permanente. A recuperação da atividade programada tem de ser uma verdadeira prioridade das políticas públicas. O ano de 2020 foi o pior ano em termos de produção cirúrgica, consultas de especialidade e meios complementares de diagnóstico e terapêutica efetuados na comunidade. Ficaram por realizar 116 mil cirurgias e 1.3 milhões de consultas. Este difícil contexto foi bastante agravado nestes primeiros dois meses de 2021, aumentando o número de atos que é necessário recuperar.
Claudicar na resposta necessária terá enormes consequências na saúde de todos nós. A reduzida vigilância em saúde, o diagnóstico precoce de situações que não está a ser efetuado, as cirurgias adiadas, terão, inevitavelmente, consequências este ano. Uma cirurgia hoje não urgente e adiada, pode passar a ser urgente após uns meses. Atraso nas vigilâncias e consultas, pode causar que problemas de saúde sejam identificados em fases mais tardias, com claro prejuízo para o cidadão.
Este plano de recuperação tem de ser acompanhado de uma ambição orçamental na mesma medida. Têm de ser garantidos os recursos humanos e materiais para o efeito e promover a internalização de alguns atos, de forma a aumentar a capacidade instalada nacional. Uma força de trabalho assente em contratos precários, mal pagos e temporários não será a solução que precisamos para ultrapassar este enorme desafio.
Com planeamento, ambição e financiamento, é possível recuperar a atividade programada. A saúde de todos nós depende da consecução deste plano. Sabemos também que a prevenção e promoção da saúde são sempre mais custo-efetivas que o tratamento. O plano de recuperação pode e deve estar associado a uma alteração do paradigma na saúde, com maior enfoque nas dimensões da prevenção e promoção da saúde.
Nunca a saúde teve tanto destaque e centralidade no debate público. O combate à pandemia ainda não terminou e já temos novos e exigentes desafios pela frente. A organização deve começar já a ser feita, para não corrermos riscos de, sem preparação, provocarmos equívocos e lapsos de comunicação que podem deitar tudo a perder.
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