VIH: Estudo com 30.000 adultos mostra aumento significativo da esperança de vida

7 de Maio 2021

O estudo indica que a esperança de vida das pessoas que recebem a ART está agora próxima da população em geral, seguindo as tendências observadas nos países com maior rendimento “per capita”.

A esperança de vida dos adultos que vivem com VIH e que recebem terapia antirretroviral (ART) aumentou significativamente na América Latina e nas Caraíbas desde que os serviços de testagem e tratamento do VIH se tornaram amplamente disponíveis, de acordo com uma investigação publicada no “The Lancet HIV Journal”.

Em 2016, a OMS lançou as recomendações políticas “Treat All” para ajudar a alcançar o objetivo global de eliminar a SIDA até 2030, tratando todas as pessoas que vivem com VIH com medicamentos antirretrovirais. No final de 2020, 96% dos países de médio e baixo rendimento estavam em vias de adotar as recomendações “Treat All”, em comparação com 40% em 2016.

A ART foi introduzida na América Latina nos anos 90 e a sua disponibilidade aumentou nos anos 2000. No entanto, existiam poucos dados sobre a esperança de vida das pessoas que vivem com o VIH em países de médio e baixo rendimento. Até agora, os estudos em larga escala – e que revelaram que a ART aumentou significativamente a esperança de vida das pessoas que vivem com VIH – tinham sido efetuados essencialmente na Europa, Canadá e Estados Unidos.

Claudia P. Cortes, da “Fundación Arriarán” e da Escola de Medicina da Universidade do Chile, afirmou: “São necessários mais dados sobre o VIH na América Latina e nas Caraíbas. Existem vários países na América Latina para os quais praticamente não existe informação sobre a infeção. Esta é uma região grande, heterogénea e diversificada, e o VIH tem impacto em populações diferentes. Além disso, é também uma região com menos recursos disponíveis para estudos clínicos e investigação sobre o VIH”.

“Na nossa análise, os maiores ganhos em esperança de vida coincidiram com o período após o lançamento das recomendações “Treat All”. Desde 2017, mais países de médios e baixos rendimentos passaram a adotar a política preconizada pela OMS, pelo que esperamos que uma análise mais aprofundada mostre que as recomendações “Treat All” continuam a ajudar a transformar a vida das pessoas que vivem com o VIH”.

Os autores do estudo agora publicado no “The Lancet HIV Journal” analisaram os dados de adultos que vivem com VIH e que iniciaram a ART pela primeira vez em “sites” da CCASAnet (rede das Caraíbas, América Central e América do Sul para a epidemiologia do VIH) na Argentina, Brasil, Chile, Haiti, Honduras, México e Peru entre 2003 e 2017. A esperança de vida aos 20 anos de idade foi estimada para três períodos (2003-2008, 2009-2012 e 2013-2017) e por fatores demográficos e clínicos quando os participantes iniciaram ART. As estimativas da esperança de vida para a população em geral foram obtidas a partir de dados da Organização Mundial da Saúde.

Entre os 30.688 participantes do estudo, 17.491 (57%) eram do Haiti e 13.197 (43%) de outros “sites” do CCASAnet. Foram registadas 1.470 mortes no Haiti e 1.167 mortes nos outros países durante o período do estudo.

A análise revela que a esperança de vida aumentou em todos os grupos etários ao longo do tempo. De 2003-2008 a 2013-2017, a esperança de vida global das pessoas com VIH aos 20 anos de idade (ou o número esperado de anos de vida restantes a partir dos 20 anos) aumentou de 13,9 anos adicionais para 61,2 anos no Haiti, e de 31,0 para 69,5 anos nos outros países.

No entanto, os autores identificaram uma série de fatores que contribuíram para as disparidades persistentes na esperança de vida ao longo do estudo. As mulheres tinham uma esperança de vida superior à dos homens, com estimativas de 65,3 anos para as do Haiti, e 81,4 anos para as mulheres de outros países, no final do estudo. Em comparação, a esperança de vida estimada era de 56,0 anos para os homens no Haiti, enquanto noutros países as estimativas para os homens heterossexuais e para os homens que têm relações sexuais com homens eram de 58,8 e 67 anos, respetivamente.

Em países que não o Haiti, a esperança de vida dos participantes com valores baixos de células CD4 (menos de 200 células por microlitro de sangue) – um tipo de glóbulos brancos que combate a infeção e que constitui um marcador da gravidade da doença – era de 52,7 anos no final do estudo. Este valor é consideravelmente inferior relativamente à esperança de vida de 84,8 anos daqueles que apresentavam números mais elevados de células CD4 (mais de 200 células por microlitro). Foram observadas tendências semelhantes no Haiti, com expectativas de vida de 48,5 e 71 anos, respetivamente.

As pessoas com historial de tuberculose – uma das principais causas de morte entre aquelas que vivem com VIH – também tinham uma esperança de vida menor em comparação com as que não tinham historial da doença. No final do estudo, em países que não o Haiti, a esperança de vida foi estimada em 48,0 anos para pessoas com historial de tuberculose, em comparação com 74,1 anos de idade para aquelas que nunca tinham tido tuberculose. Para os mesmos grupos no Haiti, a esperança de vida era de 44,1 e de 66,6 anos, respetivamente.

O menor nível de instrução também estava ligado a uma menor esperança de vida. Em países que não o Haiti, a esperança de vida foi estimada em 75,5 anos de idade para pessoas com o ensino secundário, em comparação com 57,0 anos para as pessoas sem este grau de ensino. No Haiti, a esperança de vida estimada nestes grupos era de 77,7 e 53,3 anos, respetivamente.

Jessica L. Castilho, do Centro Médico da Universidade de Vanderbilt, nos Estados Unidos, afirmou: “Os ganhos significativos na esperança de vida que observámos são muito encorajadores, e espelham os relatórios dos países de rendimento mais elevado sobre o impacto da abordagem “Treat All” da OMS relativamente à ART. Os esforços em curso devem reduzir ainda mais o fosso entre a esperança de vida das pessoas que vivem com VIH e a população em geral nos países de rendimento médio e baixo”.

“No entanto, também observámos que subsistem algumas disparidades na expectativa de vida que podem, em alguns casos, estar a aumentar, indicando a necessidade de investigações futuras para ajudar a melhorar os resultados destes grupos vulneráveis”.

Os autores reconhecem que o estudo apresenta algumas limitações. Por exemplo, a maioria dos “sites” CCASAnet estão localizados nos principais centros urbanos, o que significa que as estimativas podem não refletir as tendências em áreas rurais ou menos populosas. O estudo centrou-se na esperança de vida das pessoas que iniciam a ART pela primeira vez, pelo que as estimativas não refletem todas as pessoas com HIV que recebem cuidados. A falta de informação completa sobre alguns fatores demográficos e sociais fundamentais também pode ter contribuído para as disparidades nas estimativas da esperança de vida.

Lara E. Coelho e Paula M. Luz, do Instituto Nacional de Infetologia Evandro Chagas, do Brasil, que não esteve envolvido no estudo, afirmaram: “Os resultados do estudo de Smiley e colegas sugerem que, com a iniciação rápida da ART, independentemente do estatuto socioeconómico, a esperança de vida de todas as pessoas com VIH na América Latina e nas Caraíbas atingirá a das populações não infetadas. Infelizmente, porém, os velhos desafios permanecem no meio da pandemia de Covid-19, de tal forma que a esperança de vida das pessoas com VIH pode diminuir. A região é afetada por rendimentos endémicos e desigualdades em Saúde que foram gravemente agravados pela pandemia de Covid-19, transformando uma crise de saúde numa crise humanitária. No final de 2020, previa-se que a pobreza teria atingido 231 milhões de pessoas na América Latina, um nível registado pela última vez há 15 anos. Prevemos que os efeitos sindémicos da pandemia de Covid-19 na região terão um impacto desproporcionado nos grupos mais vulneráveis, incluindo as pessoas com VIH”.

Mais informação em:
http://www.thelancet.com/journals/lanhiv/article/PIIS2352-3018(20)30358-1/fulltext

Adaptação: Adelaide Oliveira

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