Dulce Brito: “Os doentes com insuficiência cardíaca grave exigem uma resposta rápida de decisão e atuação”

05/24/2021
O alerta é feito pela especialista em medicina interna e cardiologia, Dulce Brito, do Centro Hospitalar Lisboa Norte, Hospital de Santa Maria, que sublinha a importância da monitorização remota não […]

O alerta é feito pela especialista em medicina interna e cardiologia, Dulce Brito, do Centro Hospitalar Lisboa Norte, Hospital de Santa Maria, que sublinha a importância da monitorização remota não invasiva. Garante que oferece uma melhor oportunidade de vigilância e controlo, diminuindo as rehospitalizações e melhorando a qualidade de vida dos doentes. Estima-se que existam cerca de 400 mil doentes com IC em Portugal, tendo como principal alvo a população mais idosa.

Em que consiste o programa de monitorização remota em doentes com insuficiência cardíaca?

Há vários tipos de programa e vários modelos para a monitorização remota de doentes com insuficiência cardíaca crónica, os quais podem variar de acordo com os objetivos que se pretendem, com os parâmetros a medir considerados mais adequados para a população-alvo e com a metodologia de avaliação e de atuação.

A monitorização não invasiva, que faz parte do nosso programa do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, consiste na auto-medição pelo doente, em sua casa, de vários biodados que incluem, entre outros: a pressão arterial, a frequência cardíaca, a temperatura corporal, a saturação periférica em oxigênio, o peso e o eletrocardiograma. Os dados são auto-avaliados periodicamente (inicialmente numa base diária e também quando ocorre um agravamento clínico, mas a auto-avaliação poderá ser mais espaçada – três vezes por semana – em situação de estabilidade comprovada) e são enviados automaticamente por via remota para uma plataforma dedicada (central de telemonitorização) onde uma equipa de profissionais de saúde avalia os “alertas” gerados sempre que se verifica “desvio” de qualquer dos biodados considerados os adequados (pré-definidos) para cada doente.

Em caso de descompensação qual é o protocolo aplicado?

Os “alertas” são geridos pelo centro de telemonitorização (que inclui  enfermeiros, técnicos cardiopneumologistas e outros técnicos de saúde) que contactam o doente telefonicamente e avaliam primeiramente o tipo de alteração, distinguindo se se trata de um alerta apenas técnico ou um verdadeiro alerta clínico, e neste último caso, a sua potencial gravidade, pela aplicação de questionários específicos (também pre-definidos pela equipa). Perante um alerta clínico, o centro de telemonitorização contacta a equipa médica, a qual por sua vez contacta de novo o doente e toma a decisão em termos de atuação prática. Essa atuação por parte da equipa médica é muito rápida e pode levar apenas à modificação da terapêutica oral, à decisão da necessidade de uma vinda do doente ao hospital com caracter urgente, ou de observação do doente em consulta extra (não programada). O fundamental é uma decisão clínica rápida, dirigida e eficaz, para evitar agravamento da descompensação da IC com necessidade de hospitalização.

Portanto os protocolos são previamente definidos?

Sim. Quer o protocolo de avaliação do doente pelo centro de telemonitorização, quer pelo médico, é pré-definido, embora cada situação clínica (cada doente) seja depois julgada caso-a-caso. Os doentes não são todos iguais embora tenham em comum situação de IC crónica, portanto, há necessariamente normas gerais, mas também necessariamente a atuação é individualizada.

Este método de controlo da insuficiência cardíaca quando é utilizado?

Genericamente, dependerá da organização destes programas em termos nacionais e institucionais. No nosso programa, a instituição (centro hospitalar do Serviço Nacional de Saúde) recorre a uma equipa extra-hospitalar, privada, que constitui a central de telemonitorização e que disponibiliza ao doente todos os dispositivos necessários à sua auto-monitorização em casa, fazendo também o ensino à utilização dos mesmos, quer inicialmente, quer durante a curva de aprendizagem e também sempre que surjam dúvidas ou dificuldades no manejo dos instrumento ou na transmissão dos biodados durante o seguimento. Esta equipa tem também uma tarefa importante de reforço educativo junto dos doentes com IC e seus cuidadores, em relação aos auto-cuidados, auto-vigilância (sinais e sintomas) e necessidade de adesão à terapêutica, complementando toda a informação fornecida periodicamente pelo médico em consulta ou em Hospital de Dia. Os dispositivos que o doente tem à sua disposição para a auto-medição dos seus biodados são gratuitos para o doente.

O número de doentes a incluir no programa dependerá do contrato realizado pela instituição de saúde com a entidade exterior responsável pela telemonitorização. Há um plano para cada ano para a inclusão dos doentes com IC e este número tem vindo a aumentar. No entanto, mesmo por uma questão de exequibilidade logística clínica, o número de doentes terá que ser sempre limitado às possibilidades da vigilância e atuação da equipa médica cardiológica disponível para um programa deste tipo em cada centro hospitalar. Os doentes com IC grave – como é o caso no nosso programa – exigem uma resposta rápida de decisão e atuação, 24 horas por dia, 7 dias por semana. Tal mobiliza um número considerável de médicos com experiência em IC e durante um tempo considerável.

E que tipo de doentes são indicados para a monitorização remota?

São os doentes com insuficiência cardíaca mais grave e que sejam considerados doentes em alto risco de nova descompensação cardíaca, ou seja, de nova hospitalização. Habitualmente esses doentes têm sido aqueles que, além de terem uma depressão grave da função cardíaca, tiveram também hospitalização por descompensação de IC nos últimos 12 meses.

Quais as determinantes para o sucesso deste programa?

Em primeiro lugar, recordo que a Sociedade Europeia de Cardiologia, nas suas últimas Guidelines (2016) não atribuiu ainda um nível específico de recomendação para a monitorização remota não invasiva nos doentes com IC.  Tal é devido aos resultados heterogéneos que se observaram nestes programas, fruto de modelos diferentes e, por isso, com resultados também muito diferentes e nem sempre com benefício comprovado.

No entanto, nos últimos anos, há já maior entendimento e uniformidade nos modelos utilizados.  A sugestão da Sociedade Europeia é justamente que cada país atue da forma mais adequada à sua realidade, possibilidades e objetivos.

Em segundo lugar, as medidas para o sucesso, em termos globais, são várias. Por um lado, o programa tem de ser desenhado de acordo com os objetivos que se pretendem. Não se devem medir parâmetros que não vão ser utilizados ou que não sirvam os objetivos em termos de gestão clínica do doente. Por outro lado, tem que haver uma excelente coordenação entre os vários elementos da equipa, ou seja, entre o doente (e o seu cuidador se fôr o caso), a equipa do centro de monitorização e a equipa médica. Esta “triangulação” é fundamental. O doente tem que compreender bem os objetivos e aderir à sua própria monitorização, pois sem a auto-medição e envio de biodados, não há programa).

Uma boa cooperação entre os três elementos do “triângulo”, uma boa compreensão do programa e a eficácia na gestão são elementos importantes para eficácia e sucesso.

No nosso caso realizamos também reuniões periódicas entre a equipa médica e o centro de telemonitorização, no mínimo mensalmente. Nelas são discutidos todos os problemas existentes referentes a cada doente. Avaliamos também a necessidade de fazer alterações a aspetos específicos do programa, visando melhoria do mesmo e proporcionando maior satisfação e conforto aos doentes. Por exemplo, haverá doentes que, a certa altura, poderão considerar que não têm disponibilidade para todos os dias para fazer medições e, nesse caso, espaçamos a periodicidade das mesmas de acordo com o perfil do doente, a sua disponibilidade e a sua situação clínica (maior ou menor estabilidade).

Falando de melhoria. De que forma a monitorização remota contribui para a melhoria da insuficiência cardíaca?

A monitorização remota não invasiva, quando feita de uma forma organizada, adequada, e com uma resposta atempada, pode conduzir, como é a nossa experiência, a diminuição  muito significativa no número de hospitalizações, a diminuição da mortalidade, e a melhoria da qualidade de vida em vários aspetos, tanto a nível dos sintomas, como da capacidade funcional.

Verificou-se também elevado nível de satisfação dos doentes incluídos neste programa, como ficou demonstrado em inquérito específico efetuado sob anonimato. E, um dos mais importantes fatores contribuintes para o sucesso do programa, temos tido um elevado nível de adesão por parte dos doentes, em termos de auto-medições e transmissão de dados, superior a 90%.

No contexto atual de pandemia quais são as vantagens?

Já utilizávamos este tipo de telemonitorização nos doentes com IC grave desde 2017. No contexto pandémico, do ponto de vista específico do nosso programa, não notámos  diferenças, nem mais “alertas” nem mais hospitalizações, visto que o programa se manteve na sua estrutura e funcionamento durante a pandemia atual e não temos ido situações de infeção por Covid-19 nos doentes incluídos. No entanto, no global, penso que um programa deste tipo terá seguramente vantagens atendendo a que em tempo de restrição de contactos presenciais, no doente com IC que já é conhecido e seguido, será uma vantagem poder também sê-lo sem estar sempre exposto à possibilidade de contacto físico.. Para quem não tenha um programa deste tido é seguramente uma mais-valia.

Entrevista por Vaishaly Camões

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