Carlos Almeida: “Há um aumento da incidência do cancro oral”

06/21/2021
As consequências associadas ao consumo de tabaco não se limitam ao cancro do pulmão. O tabagismo tem aumentado o número de doentes com cancro oral, uma realidade que preocupa o médico dentista Carlos Almeida. Em entrevista ao nosso jornal o especialista revela que “infelizmente a procura do conselho de um médico dentista está mais relacionado com uma questão estética do que propriamente outro tipo de doenças”. Questionado sobre as alternativas mais sofisticadas para o consumo de tabaco – cigarros eletrónicos e aquecidos – o fundador do Instituto Dentário Alto dos Moinhos mostrou-se reticente. “Ainda não passou tempo suficiente para verificarmos os efeitos”.

HealthNews (HN)- Muito se fala sobre o impacto do tabaco no sistema respiratório, mas são poucos os alertas do tabagismo na saúde oral. Enquanto profissional desta área o que destacaria sobre o consumo de tabaco na saúde dentária?

Carlos Almeida (CA)- São diversos os impactos. O tabaco tem forte impacto em todos os tecidos da cavidade oral. Isto significa que cada vez mais, tal como acontece no resto do sistema respiratório, é frequente o tipo de patologias tumorais. Associamos muito o tabaco a cancro do pulmão, mas outras partes da cavidade oral podem ser afetadas. Há um aumento da incidência do cancro a nível oral.

HN- A doença periodontal é um fator de risco que assombra os fumadores. Qual o maior problema que esta doença traz?

CA- Todo o tecido que suporta os dentes ao osso, e à própria gengiva, é afetado por esta doença. Os pacientes apresentam uma retração das gengivas, os dentes começam a abanar e, muitas vezes, acabam por cair.

Embora não seja uma doença muito ligada ao tabaco em fumadores a doença periodontal está totalmente descontrolada. Ou seja, estas pessoas têm muito mais tendência à perda óssea e a que os dentes, de uma forma muito prematura, possam vir a cair. Outro dos problemas tem a ver com o facto de ser uma doença relativamente silenciosa e um dos efeitos que normalmente traz os pacientes ao dentista e que permite o diagnóstico são as hemorragias. Os doentes queixam-se do sangramento ao escovar os dentes. No entanto, um dos efeitos do tabaco tem a ver com a contração dos vasos sanguíneos e isso faz com que este sangramento não se verifique. É um problema, uma vez que a doença vai avançando de uma forma silenciosa e quando o diagnóstico é feito já está num estadio bastante avançado, em que já não há nada para fazer.

HN- Esses riscos também se aplicam a fumadores ocasionais?

CA- São doenças crónicas, logo estão associadas a um hábito tabágico crónico. Obviamente o fumador ocasional não vai ter tanto o risco, mas não significa que deixe de estar em risco. Alguns estudos demonstram que a partir de dez cigarros por dia este efeito sobre de forma exponencial.

HN- Existem outros aspetos, não tão críticos como os mencionados até agora, mas que se verificam em pessoas que fumam. O mau hálito, a afetação dos sentidos e a descoloração dos dentes são outros efeitos do tabagismo. Quais são as principais queixas que levam estas pessoas ao dentista?

CA- Uma das coisas que as pessoas com hábito tabágico notam, e que as preocupa mais, é a descoloração dos dentes. Infelizmente, muita das vezes a procura do conselho de um médico dentista está mais relacionado com uma questão estética do que propriamente outro tipo de doenças mais graves. O consumo de tabaco vai-se refletir na cor do dente, que fica muito mais amarelado e com muito mais pigmento. Enquanto a cor exterior é relativamente simples de ser tratada, a cor interna só através de branqueamento e, mesmo assim, nem sempre essa cor é conseguida.

HN- Hoje em dia, para evitar o mau hálito do tabaco convencional, muitas pessoas optam pelo tabaco aquecido e cigarros eletrónicos. Com estas novas formas de fumar os riscos de na saúde oral diminuem?

CA- O grande problema é que só conseguimos saber esses efeitos a médio e longo prazo. Ainda não passou tempo suficiente para os verificarmos. Aparentemente o ataque à cor do dente e o hálito com os cigarros eletrónicos não é tão danoso. Parece que são mais inofensivos, mas ainda sabemos o que vai acontecer a longo prazo, quer a nível da doença periodontal, quer a nível tumoral. Isso só o tempo o dirá.

HN- Os fumadores têm maior dificuldade cicatrização de feridas e recuperação de intervenções cirúrgicas orais?

CA- Sim. A contração dos vasos sanguíneos, causada pelo tabagismo, vai implicar menos aporte de sangue a toda a cavidade oral. No pós-operatório de uma intervenção cirúrgica ou de extração de um dente precisamos de sangue para que a cicatrização aconteça. Os fumadores têm uma capacidade de cicatrização muito mais débil do que uma pessoa não fumadora.

HN- A colocação de implantes dentários é mais difícil neste grupo de pessoas?

CA- A colocação em si é igual em fumadores e não fumadores. No entanto, os cuidados pós-operatórios têm de ser muito mais restritos. Em primeiro lugar, devemos dizer ao paciente que deve cortar completamente com o hábito tabágico, uma vez que atrasa a cicatrização e pode levar, numa fase prematura, à perda do implante. No caso de não ser possível deve ser reduzido ao máximo.

HN- Qual o papel do dentista no abandono do tabaco?

CA- Os profissionais devem sensibilizar os pacientes para todos estes problemas. Infelizmente, por vezes, a parte dentária acaba por ser posta de lado e mesmo falando destes riscos todos na saúde dentária não é suficiente para que se consiga mudar algum tipo de comportamento. Cabe ao médico dentista alertar para o risco de cancro oral, que está a aumentar bastante.

Entrevista de Vaishaly Camões

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