A Medicina Geral e Familiar tem um papel fundamental no diagnóstico e tratamento da noctúria. Frederico Ferronha, especialista em Urologia do Hospital de São José, defende a procura ativa de um sintoma noturno que pode ter consequências dramáticas na qualidade de vida dos doentes.
HealthNews – Estudos revelam que, no processo de diagnóstico da noctúria, 70% dos médicos de família aguardam a queixa do doente e 15% a queixa da pessoa que o acompanha. Mas, e se o próprio doente não reconhecer o problema que está na génese do seu mal-estar?
Frederico Ferronha (FF) – A noctúria é um sintoma muito frequente na população em geral, especialmente acima dos 50 anos. Frequentemente, as pessoas não têm noção porque não estão informadas, acomodam-se à situação ou pensam que é normal. Outras têm vergonha de assumir o problema ou de perguntar ao médico se há solução.
Claramente, a noctúria continua a estar subdiagnosticada. Os médicos de Medicina Geral e Familiar, que estão na linha da frente, terão de perguntar ativamente ao doente se tem este sintoma. Até porque, de acordo com as estatísticas que possuímos, na maioria das vezes os médicos de família aguardam que seja o doente a queixar-se. Apenas 10% procura saber se o doente acorda durante a noite para urinar e só 5% faz uma associação direta entre noctúria e outras patologias. Estes dados fazem parte de um estudo observacional mas espelha bem uma situação que é importante alterar.
Qual é a importância relativa da história clínica, exame objetivo e exames complementares de diagnóstico no diagnóstico da noctúria?
FF –A história clínica é fundamental. A avaliação sintomatológica, individualizada, permite-nos conhecer os antecedentes (por exemplo, a medicação que o doente faz, se existe diabetes ou alguma doença neurológica que perturba a micção, etc). Por outro lado, o “diário miccional” ou “o diário da bexiga” – que permite ao doente registar, em casa, o número de vezes que acorda durante a noite, a hora da micção e o volume – é outro instrumento importante.
Na maior parte das vezes, a história clínica e o diário miccional são suficientes para fazer o diagnóstico de noctúria e de poliúria nocturna, ou seja, aumento relativo do volume da micção durante a noite em comparação com as horas diurnas.
Esta informação pode ser complementada com alguns exames complementares de diagnóstico, relativamente simples mas que são suficientes para excluir outras situações pontuais, como a infeção urinária.
É importante respeitar esta sequência diagnóstica para se entender o doente como um todo.
O facto da etiologia da noctúria ser numerosa, incluir causas funcionais e anatómicas, é uma dificuldade acrescida para o diagnóstico?
FF – Já nos anos 70, o urologista inglês Bates dizia que “a bexiga é uma má testemunha” porque nos “mente”: nem sempre os mesmos sintomas correspondem à mesma doença.
De facto, não podemos “confiar” na bexiga porque há muitas alterações do tracto urinário baixo que podem dificultar o nosso diagnóstico. Por exemplo, um aperto da uretra provoca um ardor que pode mimetizar uma infeção urinária…
Há várias situações em que é importante seguir a marcha diagnóstica que referi anteriormente, realizar os inquéritos e seguir os nomogramas, para chegar a um diagnóstico correto e medicar sem receio.
Na consulta de MGF, há algum perfil ou perfis de doentes, a quem o médico de família deve questionar sobre o número de vezes que acordam durante a noite para urinar?
FF – Olhando para os dados estatísticos que referimos inicialmente, devemos sugerir ao médico de família que questione ativamente o subgrupo de doentes com mais de 50 anos, com patologias crónicas associadas (tais como diabetes, hipertensão…), sintomas de hiperplasia benigna da próstata ou de bexiga hiperativa, e que revele outros sintomas diurnos, como cansaço, absentismo ao trabalho, dificuldade de concentração diurna ou menos rendimento no trabalho. Por detrás, poderá existir uma noctúria que impede o seu doente de ter um tempo mínimo de sono reparador.
O tempo que medeia entre o adormecer e o primeiro acordar, denominado “hours of undisturbed sleep”, é fundamental. Se for inferior a três ou quatro horas, essa falta crónica de sono tem um impacto profundamente negativo na saúde. É imprescindível atingir o sono REM (Rapid Eye Movement) porque é nessa fase que o organismo consegue realmente relaxar.
Considera que é importante aumentar a sinergia entre os Cuidados de Saúde Primários e a Urologia?
FF – Temos que estar orientados no mesmo sentido: abordar agressivamente o doente em termos urológicos, ou seja, questionar os seus sintomas urinários durante o dia, durante a noite, com ênfase na noctúria, para conseguir tratar estes doentes e melhorar a sua qualidade de vida.
Os médicos de Medicina Geral e Familiar são muito mais numerosos do que os urologistas e são eles que estão, na prática, com o doente. É importante o seu diagnóstico inicial, devendo referenciar ao urologista quando a doença urológica não estiver controlada ou for refratária à sua abordagem.
Obviamente que existe também uma componente de intervenção cirúrgica mas a maior parte destas patologias resolve-se sem cirurgia. Contudo, sem um diagnóstico precoce e o subsequente tratamento, uma franja da população irá ter pior qualidade de vida, não só durante a noite mas também durante o dia, em consequência da falta de sono crónica.
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