“A hipertensão arterial atua não só como fator de risco ou causa de doença renal crónica, mas também constitui uma consequência da própria doença renal”. O Prof. José António Lopes, vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Nefrologia, alerta que “este fenómeno é de enorme importância, na medida em que a hipertensão arterial neste contexto é particularmente difícil de tratar, apresentando-se resistente a diferentes classes farmacológicas e à sua associação”.
HealthNews (HN) – Determinados fatores aumentam o risco de desenvolver doença renal crónica (DRC). A hipertensão arterial constitui o segundo fator mais comum, logo a seguir à nefropatia diabética?
Prof. José António Lopes (JAL) – Sim, de facto, a hipertensão arterial constitui um dos principais fatores de risco não só para o desenvolvimento, mas também para a progressão da doença renal crónica. Daí que devam ser privilegiadas as medidas do chamado “estilo de vida saudável” numa primeira fase, de modo a prevenir ou adiar o aparecimento de hipertensão arterial, e o tratamento não-farmacológico e farmacológico numa segunda fase, quando a hipertensão arterial já se encontra presente.
HN – Alguns estudos apontam que, a cada ano, há um aumento de 10% de doentes com diagnóstico de DRC, causada pela HTA. Esse valor está correto?
JAL – É difícil quantificar com exatidão o número de casos em que a hipertensão arterial é a etiologia da doença renal crónica, por diversos motivos. Em primeiro lugar, esse diagnóstico é maioritariamente feito de forma presuntiva, com base em dados clínicos, como o período de evolução da hipertensão arterial e a evidência de lesão de outros órgãos-alvo, e não em dados histológicos. Em segundo lugar, no doente com doença renal crónica, a hipertensão arterial frequentemente não ocorre de forma isolada, mas sim em conjunto com outros fatores de risco que podem contribuir para o desenvolvimento e progressão de doença renal crónica. A mensagem chave é que a hipertensão arterial é, de facto, um fator de risco parcialmente modificável e controlável, cujo tratamento pode influenciar o desenvolvimento e progressão da doença renal.
HN – Por outro lado, verifica-se que a prevalência de HTA é maior nas pessoas com DRC (60%) do que na população em geral, e aumenta progressivamente com a deterioração da função renal. Isso significa que a HTA pode ser considerada tanto causa como consequência da DRC?
JAL – Sem dúvida, a hipertensão arterial atua não só como fator de risco ou causa de doença renal crónica, mas também constitui uma consequência da própria doença renal. Fruto da própria doença parenquimatosa renal, mas também de doença renovascular, a hipertensão arterial surge como consequência da doença renal crónica. Este fenómeno é de enorme importância, na medida em que a hipertensão arterial neste contexto é particularmente difícil de tratar, apresentando-se resistente a diferentes classes farmacológicas e à sua associação.
HN – Qual é o papel do rim na regulação da pressão sanguínea? Como se processa a excreção de sódio e de água quando a função renal está preservada?
JAL – O rim participa no controlo da pressão arterial através da excreção regulada de sódio e água em resposta a diferentes estímulos, desencadeando respostas reguladoras no curto e no longo prazo. Em condições fisiológicas, em resposta a uma carga excessiva de sódio, o aumento da pressão arterial desencadeia uma diminuição da produção de renina e angiotensina, diminuindo assim a capacidade de retenção hidrossalina pelo rim, com retorno a um volume extracelular normal e subsequente normalização da pressão arterial.
HN – Quais são então os mecanismos que explicam o aparecimento de lesão renal em pessoas com hipertensão?
Os mecanismos que explicam o aparecimento de lesão renal nos doentes com hipertensão arterial são complexos e envolvem fatores genéticos, como alguns genes de suscetibilidade, e fatores ambientais, designadamente a elevada ingestão salina, com a contribuição de outros fatores como a obesidade, o tabagismo e outras patologias. De uma forma simplista, podemos afirmar que a autorregulação renal, se inadequada ou excessiva, pode transmitir a hipertensão arterial sistémica aos capilares glomerulares, levando assim ao aumento do fluxo sanguíneo glomerular, a lesões de isquemia glomerular, glomerulosclerose e atrofia tubular.
HN – Nos estágios mais precoces de DRC, os objetivos ao nível do tratamento passam por evitar ou retardar a progressão da insuficiência renal e também reduzir a morbilidade e mortalidade cardiovasculares?
JAL – O controlo da pressão arterial, tanto para níveis standard ou o controlo intensivo, associa-se a diminuição da progressão da doença renal. No entanto, os benefícios do tratamento da hipertensão arterial não se esgotam exclusivamente nas consequências renais. Os eventos cardiovasculares e a mortalidade cardiovascular apresentam uma elevada incidência na população com doença renal crónica, sendo os eventos cardiovasculares a principal causa de morte na população com doença renal crónica em fase avançada. O controlo da pressão arterial permite também diminuir a incidência destes eventos e, consequentemente, a mortalidade cardiovascular nos nossos doentes.
HN – Isso significa que o tratamento anti-hipertensivo deverá ser coordenado com outras medidas terapêuticas?
JAL – O tratamento da pressão arterial deve assentar em duas premissas essenciais: o tratamento não-farmacológico, com restrição salina, perda ponderal nos indivíduos com excesso de peso, exercício físico, moderação de bebidas alcoólicas e cessação tabágica; e o tratamento farmacológico, com recurso aos fármacos anti-hipertensores que permitam um controlo adequado da pressão arterial, privilegiando os que poderão associar-se a benefício terapêutico tendo em conta fatores clínicos e epidemiológicos do doente em questão, numa perspetiva de abordagem individualizada.
HN – Na maioria dos doentes, está recomendada a associação de fármacos anti-hipertensores? O que dizem as guidelines?
JAL – De uma forma geral, atendendo à gravidade e à dificuldade do controlo da pressão arterial nos doentes com doença renal crónica, a associação de diferentes classes de anti-hipertensores é a norma no tratamento destes doentes, sendo frequente encontrar na prática clínica doentes que necessitam de três a quatro classes distintas em dose otimizada para alcançar o controlo da pressão arterial.
As guidelines de diferentes associações europeias e americanas, de Nefrologia ou de Cardiologia, não são consensuais nos alvos de pressão arterial a atingir, particularmente em alguns subgrupos populacionais, como na doença renal crónica. No entanto, enfatizam a importância de alcançar um controlo da pressão arterial, salientando a importância da individualização e tolerância terapêutica.
Entrevista de Adelaide Oliveira
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