“Não obstante os cuidados com a alimentação, a adoção de um estilo de vida saudável pode melhorar significativamente o dia-a-dia do paciente portador de HTA”, defende o nutricionista da VClinic Vítor Brochado Guerra, responsável do Serviço de Nutrição da Associação para o Desenvolvimento de Barrosas (ADIB), em Felgueiras. Enquadrado numa equipa multidisciplinar, o nutricionista auxilia os idosos, as famílias e as equipas de cuidadores, na elaboração de planos alimentares adequados, sem perder de vista as diferentes condições socioeconómicas dos doentes.
HealthNews- Qual é o papel de uma alimentação saudável como coadjuvante no tratamento da hipertensão?
Vítor Brochado Guerra – Quando verificamos a literatura, os inúmeros ensaios clínicos, revisões sistemáticas e meta-análises, as recomendações propõem numa fase inicial da pré-hipertensão apenas alterações no estilo de vida, onde a alimentação saudável ocupa um papel de destaque, mas quando a hipertensão arterial (HTA) se verifica estas recomendações são complementares à intervenção farmacológica.
A simples alteração dos hábitos alimentares dos indivíduos diagnosticados com HTA pode ajudar a controlar a doença. Isso porque, entre muitas outras causas, o descontrolo da pressão arterial está ligado aos excessos alimentares (principalmente o alto consumo de sal) e ao sobrepeso. É de salientar que o sucesso do tratamento da HTA vai depender da adoção de hábitos alimentares saudáveis e sustentáveis, dando prioridade às hortícolas, fruta (preferencialmente da época), produtos lácteos e seus derivados (com baixo teor em gordura), cereais integrais, peixes, de preferência ricos em ómega 3 (ácido eicosapentaenoico – EPA, e ácido docosaexaenoico – DHA), azeite (rico em ácidos gordos monoinsaturados, vitamina E e β carotenos). Deve-se ainda restringir o consumo de carnes vermelhas e gorduras insaturadas, o açúcar e produtos açucarados e moderar o consumo de álcool.
No seguimento destas recomendações alimentares, há mais de 20 anos foi desenvolvida, por pesquisadores norte-americanos, a dieta DASH (Dietary Approaches to Stop Hypertension) que hoje em dia faz parte das medidas adotadas para a prevenção e controlo da HTA. No caso português, é possível adotar um padrão alimentar mediterrânico ou “dieta mediterrânica” por apresentar algumas semelhanças à dieta DASH.
HN – Qual a importância de um equilíbrio entre a ingestão de sódio e de potássio?
VBG – O sódio é reconhecidamente um fator de risco cardiovascular, enquanto o potássio exerce um efeito compensatório de proteção vascular. Quanto maior desproporção houver entre a ingestão destes dois sais minerais, maior o risco de sofrer um evento cardiovascular.
É recomendado, por vários autores, o quociente de Na/K (sódio/potássio) para avaliação dos efeitos da ingestão de sal e potássio na pressão arterial e risco cardiovascular, por isso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) propõe como valor alvo para o quociente Na/K um valor inferior a 1, sendo considerados como razoáveis valores entre 1,0 e 1,2. Estes valores correspondem a uma dieta contendo 2300 mg de sódio/dia e de 3600 a 4000 mg de potássio/dia, para a redução da pressão arterial, risco cardiovascular e homeostase hidroeletrolítica.
HN – Que outros fatores nutricionais e estilos de vida favorecem o tratamento da hipertensão?
VBG – A mudança dos hábitos alimentares é benéfica para o estado de saúde da população em geral. A alteração dos hábitos alimentares, conforme mencionei anteriormente, é importante para o controlo da doença, visto que o excesso de peso e a obesidade constituem fatores de risco não só para a HTA, mas também para outras doenças, nomeadamente a diabetes mellitus, a dislipidemia ou cancro.
Não obstante os cuidados com a alimentação, a adoção de um estilo de vida saudável pode melhorar significativamente o dia-a-dia do paciente portador de HTA. Por um lado, existe uma associação linear positiva estabelecida entre o consumo de álcool e a HTA, por isso reduzir, ou mesmo excluir, o consumo de álcool é um fator relevante na melhoria da patologia. Por outro lado, o tabagismo é também um problema para as doenças cardiovasculares, logo é de considerar a abstinência do tabaco, podendo as entidades oficiais promover consultas de cessação tabágica.
Além disso, a promoção da atividade física e o combate ao sedentarismo podem ser benéficos tanto na prevenção e tratamento da HTA, como na redução do risco cardiovascular.
Por fim, o stress é, nos dias de hoje, um problema acrescido na nossa sociedade, por isso é fundamental aprender a relaxar e levar a vida com a maior tranquilidade possível.
HN- A prevalência da HTA aumenta com a idade. Qual é, na sua perspetiva, os principais problemas que subsistem no nosso país relativamente à alimentação dos idosos, nomeadamente nos lares?
VBG – A HTA na população idosa está associada a um aumento dos eventos cardiovasculares, que se reflete na degradação da qualidade de vida. Esta prevalência aumenta porque acontece um processo de envelhecimento natural e muitas vezes pela prática de maus hábitos alimentares e de um estilo de vida pouco saudável. Em geral, essas alterações ocorrem de forma lenta e gradual e sem sintomatologia.
Na minha opinião, o principal problema desta população reside nos seus hábitos enraizados, as alterações do paladar e olfato e a perda de dentição.
Na qualidade de responsável pelo serviço de nutrição de um lar de idosos, a minha visão é muito positiva, uma vez que os utentes são acompanhados por uma equipa multidisciplinar, constituída por um médico, um nutricionista, um psicólogo e uma equipa de enfermagem. Aquando da sua integração, é realizada uma avaliação ao utente, onde são verificados todos os antecedentes, através de uma avaliação clínica, nutricional e psicológica.
HN – De que forma o nutricionista pode ajudar os idosos, as famílias e as equipas de cuidadores a orientar o plano alimentar dos mais velhos, com impacto na sua saúde e na redução da HTA, em particular?
VBG – Hoje em dia, o nutricionista ainda é visto como um profissional procurado em exclusivo para emagrecimento, enquanto fator estético. Contudo, a verdade é que os nutricionistas podem funcionar como aliados na promoção da saúde, não só na prevenção mas também no controlo de diversas patologias.
No que respeita ao caso particular da HTA, o nutricionista pode auxiliar os idosos, as suas famílias e as equipas de cuidadores, na elaboração de planos alimentares adequados a esta patologia sem descurar as diferentes condições socioeconómicas destas famílias.
Muitos destes doentes apresentam carências nutricionais que podem suprimidas com a orientação do profissional de saúde, através da sugestão de alimentos relevantes não apenas para o bem-estar e saúde como para a redução do risco da doença.
HN – Quais as evidências mais recentes de estratégias bem sucedidas?
VBG– Conforme as “guidelines de 2018 da Sociedade Europeia de Hipertensão/Sociedade Europeia de Cardiologia (ESH/ESC) para o tratamento da Hipertensão Arterial” salienta-se a importância do controlo farmacológico, mas também a alteração do hábitos alimentares e perda de peso, moderação ou exclusão do consumo do álcool, prática de atividade física, melhorar o stress, deixar de fumar.
Uma das estratégias para o controlo e prevenção da HTA é a implementação de planos alimentares específicos, como por exemplo o reconhecido plano alimentar DASH e a Dieta Mediterrânea.
O plano alimentar DASH consiste em dar prioridade ao consumo de vegetais, fruta e produtos lácteos magros; incluir grãos integrais, peixe, aves, feijão, sementes, nozes e óleos vegetais; reduzir o consumo de sal, doces, bebidas açucaradas e carne vermelha.
Quanto ao valor nutricional, este plano é baixo em gorduras saturadas;rico em potássio, cálcio, magnésio, fibras e proteínas.
Por seu turno, a dieta mediterrânica representa um modelo alimentar completo e equilibrado com inúmeros benefícios para a saúde, longevidade e qualidade de vida.
Este plano alimentar tem como base alimentos e receitas típicas da cozinha mediterrânica, respeitando as variações das regiões /países: consumo abundante de alimentos de origem vegetal (produtos hortícolas, fruta, cereais pouco refinados, leguminosas secas e frescas, frutos secos e oleaginosos); consumo de produtos frescos da região, pouco processados e sazonais; consumo de azeite como principal fonte de gordura; consumo baixo a moderado de lacticínios, sobretudo de queijo e iogurte; consumo baixo e pouco frequente de carnes vermelhas; consumo frequente de peixe e consumo baixo a moderado de vinho, principalmente às refeições.
Entrevista de Adelaide Oliveira
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