João Campagnolo: “Custa” saber que “podemos fazer muito mais no tratamento” da escoliose

07/16/2021
Dr. João Campagnolo Ortopedista no Hospital Dona Estefânia, em Lisboa

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João Campagnolo: “Custa” saber que “podemos fazer muito mais no tratamento” da escoliose

A escoliose é uma doença que exige vigilância desde cedo, já que pode aparecer nas crianças e se manifesta sobretudo nos adolescentes. O Dr. João Campagnolo, ortopedista no Hospital Dona Estefânia, em Lisboa, explicou-nos que “há testes simples que devem ser feitos” sem hesitação, para detetar esta patologia atempadamente.

Segundo o médico, a medicina escolar facilitava o diagnóstico nas crianças, que estão agora dependentes da visita ao médico de família. Além disso, João Campagnolo lamentou que os tratamentos demorem a arrancar e que o tempo que os doentes esperam por aparelhos de correção e cirurgias possa agravar muito a doença. “O que me custa mais é realmente nós sabermos que podemos fazer muito mais no tratamento destas patologias”, disse o médico ao HealthNews.

HealthNews (HN)- O que é a escoliose e qual a sua prevalência em Portugal?

João Campagnolo (JC)- A escoliose é uma deformidade da coluna vertebral que afeta o plano frontal, ou seja, falando de forma mais simples, são desvios ou para a esquerda ou para a direita da coluna, que se manifestam por deformidades nas costas, o que se chama uma giba ou bossa. Não confundir com as deformidades no plano sagital. Quando vemos as pessoas de perfil, também podem criar bossas, mas são inclinações para a frente ou para trás anómalas.

Em relação à prevalência, afeta cerca de 2-3% da população, embora só 1% implique um tratamento mais pesado, colete ou outros sistemas, ou com cirurgias.

HN- Quais os sinais e sintomas associados a esta condição que devem levar as pessoas a procurar ajuda médica?

JC- Temos de ter em conta que é uma patologia que pode abranger vários escalões etários. O mais frequente é na idade adolescente. E nessa situação da idade adolescente, normalmente deteta-se por assimetrias francas da altura dos ombros, por assimetrias das pregas, a nível da cintura, por bossas, ou surgimento de uma assimetria, de uma bossa torácica, do lado direito ou do lado esquerdo, ou, nalguns casos, a nível lombar. Tenho de fazer a discriminação também de alterações do comprimento das pernas. Portanto, pode haver uma mescla de diagnósticos.

Em idades mais precoces, é sobretudo pelas bossas, pelas deformidades das costas que se detetam anomalias e que se tem de investigar. Mas a maior parte das vezes já é num adolescente, e temos de ter em conta que às vezes os adolescentes escondem os sinais que eles próprios detetaram, e às vezes o diagnóstico torna-se mais complicado por causa disso.

HN- Que impacto tem a escoliose no dia a dia dos doentes?

JC- São duas ordens de ideias. Uma tem a ver com alguns mitos que se criaram, como, por exemplo, que as queixas de dores torácicas e dores lombares estão ligadas à existência de uma escoliose, o que na maioria das vezes não é verdade. Há adolescentes sem escoliose que, hoje em dia, com alguma falta de atividade física e com o aumento do peso, têm queixas, mas é algo que muitas vezes não está ligado à escoliose.

Em relação à escoliose, quando há realmente uma deformidade, e na maior parte das vezes afeta os adolescentes, há baixa autoestima, com a sensação de diferença, uma sensação de ser vítima de sarcasmo ou ironia por parte dos colegas, e estes adolescentes – sobretudo são raparigas – têm tendência a esconder a deformidade o mais possível por causa disso, e às vezes o facto de esconderem não permite um diagnóstico mais precoce e um tratamento mais fácil da situação. E com repercussões, nos casos mais graves, psicológicas: o fechamento sobre si mesmo, baixa comunicação, falta de interesse.

HN- Que tratamentos temos disponíveis para a escoliose?

JC- Num primeiro nível, exige apenas um seguimento para perceber se a escoliose é mínima e se não progride durante a fase da adolescência. Depois, num segundo nível, temos curvas que já têm indicação terapêutica e que muitas vezes vão precisar de tratamento com um colete. Estou a falar mais uma vez das escolioses nos adolescentes. As escolioses nas crianças já têm um padrão um bocadinho diferente, mas muitas vezes também vão precisar de tratamentos que tenham em conta o crescimento residual, que é mais importante do que na adolescência. E a terceira opção, quando são curvas muito importantes ou têm uma perspetiva de evolução inexorável, ou seja, que vão precisar de cirurgia. Na questão da cirurgia, temos vários tipos de técnicas, vários tipos de materiais, com o intuito de resolver o problema, pelo menos em parte. É muito raro nós conseguirmos uma correção completa. O tratamento consegue-se com a fixação da coluna em posição de máxima correção possível. Vamos ganhar na correção da deformidade, mas à custa de perda de mobilidade da região operada.

HN- E quanto a medicamentos para a escoliose?

JC- Hoje em dia, é mais frequente a escoliose do adolescente e, na grande maioria dos casos, não se sabe qual é a causa – é por causa disso que é chamada idiopática ou causa desconhecida. Portanto, do ponto de vista medicamentoso, não sabendo a causa, não temos possibilidade de a tratar. Mas quanto a tratamento medicamentoso, a não ser em casos raríssimos, de raquitismo, de osteogénese imperfeita e outras doenças, não temos propriamente medicação a propor. O tratamento é a vigilância normal, avaliar o desenvolvimento, saber se não têm défices nutricionais, e não sendo o caso, não há propriamente medicamentos, a não ser para aquelas crianças que têm doenças que têm a escoliose como associação (essas têm o tratamento base da sua doença). Mas são situações raras, de neurofibromatoses, atrofias espinhais. São doenças muito particulares, bastante raras e que têm um tratamento muito próprio, para além da escoliose.

HN- Quais as principais necessidades por satisfazer em termos de arsenal terapêutico?

JC- É a minha observação em relação ao que fazemos em Portugal. Primeiro, a noção de que, tendo perdido a medicina escolar, em que havia rastreios de grupo em que se podia detetar quais as crianças que tinham escoliose e, portanto, evitar tratamentos demasiado tardios, agora estão dependentes da visita ao médico de família. Se as crianças não forem ao médico de família, não fazem o diagnóstico. Portanto, há, a meu ver, uma dificuldade de diagnóstico, ou diagnósticos que são feitos demasiado tarde.

Em relação à questão do tratamento, há dificuldades sobretudo na fase de tratamento ortopédico, nomeadamente com os coletes. E por trabalhar num hospital de última linha, que é o hospital da Estefânia, confronto-me com as dificuldades dos colegas de fisiatria, que estão encarregues da prescrição e do pedido de ajudas técnicas, por causa da morosidade e da dificuldade para iniciar um tratamento. Assim, muitas vezes passam-se meses, às vezes anos, até se ter um aparelho de correção, numa fase de crescimento muito rápido, em que a deformidade não é controlada e agrava de dia para dia. Portanto, para mim, um dos aspetos-chave é o financiamento da saúde. Um colete pode custar cerca de 500 euros, mas uma cirurgia vai custar certamente mais 10 ou 15 mil, portanto acho que é há falta de visão na economia da saúde. Essa é a grande dificuldade que eu encontro no dia a dia no tratamento das escolioses que podem evitar indicação cirúrgica. Nas outras, a grande dificuldade é a enorme lista de espera que nós temos, que foi agravada com a pandemia. No nosso serviço, mais de dois anos para conseguir fazer uma cirurgia. É lamentável. Isso vai agravar muito os tratamentos e vai-se passar para tratamentos ainda mais complicados do ponto de vista cirúrgico.

Tentamos fazer programas de combate à lista de espera, mas tem sido muito difícil. Faltam anestesistas, faltam tempos operatórios, vagas na UCIP, etc. É uma dificuldade com que nos confrontamos, difícil sobretudo para os doentes, mas para nós, que estamos do lado da saúde, torna-se pouco gratificante.

HN- Acha que a população está sensibilizada para esta patologia?

JC- Acho que há uma sensibilidade para esta situação, mas com muitos mitos. Por um lado, como disse, mesmo na questão do diagnóstico médico, torna-se mais complicado. Às vezes é uma surpresa para os pais verem que os filhos já têm uma situação evoluída. Portanto, acho que há necessidade de educação no sentido de desfazer mitos, para dar algumas dicas aos pais em relação à observação, nomeadamente de forma mais ou menos discreta, para perceberem se há assimetrias e se vale a pena fazer uma avaliação por um clínico, que depois enviará, eventualmente, a um ortopedista, se tiver dúvidas em relação à existência real de uma escoliose.

HN- Quer deixar alguma nota final?

JC- O que me custa mais é realmente nós sabermos que podemos fazer muito mais no tratamento destas patologias. Mas os tratamentos cirúrgicos são muito caros. Se calhar valeria a pena tratar estas crianças quando as situações são mais fáceis e podem não necessitar de cirurgia. E mesmo necessitando de cirurgia, os resultados são melhores, e os riscos cirúrgicos, as complicações e a duração de tratamento podem ser menores. Portanto, é quase um apelo para que haja uma sensibilidade para esta situação, para que haja uma resolução efetiva destas situações.

Em relação ao diagnóstico, há testes simples que devem ser feitos, sobretudo na idade adolescente e se houver antecedentes familiares, e não se deve hesitar em falar com o médico responsável para pedir uma orientação.

RA/HN

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