Cancro da Próstata (não metastático)

20 de Julho 2021

Tiago Rodrigues Urologia Hospital Particular do Algarve, Joaquim Chaves Saúde

O cancro da próstata, um tumor maligno da próstata, é o cancro mais diagnosticado no homem e a terceira causa de morte oncológica na Europa, daí a sua enorme relevância em termos de saúde pública.

A maioria dos cancros da próstata desenvolve-se de forma lenta e assintomática, aumentando o risco com a idade, sendo a idade média de diagnóstico aos 69 anos.

Com o aumento da esperança média de vida e a evolução da Medicina, diagnosticamos cada vez mais cancros da próstata e a probabilidade de virem a dar sintomas ou causar o fim da vida é maior. É muito importante perceber que o tratamento e o prognóstico dependem, em absoluto, do estádio e das decisões clínicas que forem tomadas.

Por essa razão, a experiência vivida pelos doentes com cancro da próstata varia enormemente em função do estádio da doença quando esta é diagnosticada e a qualidade dos tratamentos efectuados.

O cancro da próstata desenvolve-se quando as células se começam a desenvolver mais rapidamente do que o normal e de forma descontrolada. Este crescimento inicial está associado às hormonas sexuais masculinas, nomeadamente a testosterona. Esta hormona é produzida quase exclusivamente nos testículos. A importância desta constatação é tal que valeu o prémio Nobel da medicina ao Dr. Charles B. Huggins (1901-1997) em 1966.

Os principais fatores de risco para o cancro da próstata são, na sua essência, não modificáveis, como a idade, a história familiar e a ascendência africana. Existem diferentes estádios para o cancro da próstata, localizado se circunscrito à próstata, localmente avançado se envolver os tecidos adjacentes, nomeadamente a bexiga ou as vesículas seminais, e metastático se disperso por outros órgãos.

Durante um longo período de tempo – que corresponde ao período em que o cancro é curável – a doença é assintomática. Ainda assim, por vezes, o doente com cancro da próstata apresenta sintomas urinários, mas se a doença estiver ainda localizada, existe uma forte probabilidade de se tratarem de sintomas associados à Hiperplasia Benigna da Próstata ou a outra doença benigna do aparelho urinário. Assim, para aquilo que mais importância tem para doentes e médicos – fazer o diagnóstico a tempo de curar – a existência de sintomas ou é irrelevante (por serem de outra doença da próstata) ou de mau prognóstico (por ser demasiado tarde para a cura).

A suspeita de presença de cancro da próstata é suscitada, inicialmente, pelo valor do PSA (antigénio específico da próstata). Trata-se de uma análise ao sangue que deteta o valor desta proteína produzida exclusivamente na próstata. O tecido normal da próstata e a inflamação, por infeção ou não, também contribuem para valores aumentados de PSA, pelo que a interpretação deste valor é difícil e foge completamente dos valores de referência habitualmente referidos. Assim, um doente pode ter um valor de 20 ng/ml e não ter cancro e outro pode ter um valor de 3 ng/ml e ter um cancro com indicação para tratamento. O tamanho da próstata, a história recente de infeção ou manipulação da próstata, a velocidade de duplicação e o restante exame físico (o célebre toque rectal) são essenciais para valorizar, ou não, a informação desta análise.

Existem 3 “origens” principais para a produção de PSA:

– O tecido normal da próstata (quanto mais tecido, mais PSA);

– A inflamação (crónica ou por infeção);

– O cancro da próstata.

Conseguir detetar a existência “deste último PSA” é chave para o sucesso das intervenções clínicas subsequentes. Posteriormente, e se se justificar, poderão ser necessários exames de imagem avançada (ressonância magnética ou ecografia de alta definição) e finalmente uma biópsia à próstata, que é, hoje em dia, o único exame que, com certeza, pode afirmar a existência de cancro da próstata.

Importa deixar claro que se deve procurar ativamente o cancro da próstata assintomático apenas e só se a esperança média de vida do homem for superior a 10 a 15 anos.

O tratamento do cancro da próstata depende do estádio em que o mesmo se encontre. Na doença localizada temos 4 opções principais:

  • Vigilância activa
  • Cirurgia
  • Radioterapia Externa
  • Braquiterapia

A vigilância activa nasce da noção de que nem todos os cancros da próstata diagnosticados irão originar algum tipo de sintomas e por isso poderão ser considerados clinicamente insignificativos. A ideia é vigiar cuidadosamente os cancros que se julga pouco agressivos, através de PSA, eventuais exames de imagens e biópsias da próstata seriadas, e optar por um dos outros tratamentos ativos se o cancro progredir. Esta opção é válida e tem bons resultados, sendo que é importante perceber que comporta riscos inerentes à progressão do tumor; obriga a ser criterioso na vigilância e; é aconselhável definir atempadamente a altura em que se irá abandonar esta técnica e optar por um tratamento ativo. É fundamental perceber que se trata de uma forma controlada e científica de protelar o tratamento ativo para avaliar a agressividade do tumor, sem perder a hipótese de cura.

A cirurgia consiste na remoção de toda a próstata e voltar a unir a bexiga à uretra. Este procedimento pode ser realizado pela técnica clássica, com uma incisão vertical na barriga, por laparoscopia, com ou sem pinças robotizadas ou por cirurgia robótica. Independentemente da abordagem escolhida, o mais importante é a qualidade do cirurgião e a capacidade de realizar uma cirurgia oncologicamente boa (com margens negativas, removendo o tumor todo) e funcionalmente competente (preservando a continência urinária e a função sexual).

Acredito que abordagens tecnicamente mais avançadas podem conduzir a melhores resultados e a evolução tecnológica irá continuar a reduzir a percentagem de complicações pós-operatórias. Contudo, à luz do conhecimento atual, é importante referir que, por vezes, o próprio tumor pode inviabilizar uma técnica cirúrgica poupadora dos nervos e não ser possível atingir resultados ótimos em todas as áreas.

A radioterapia externa é uma alternativa à cirurgia para tumores localizados e localmente avançados (associada à hormonoterapia). O objetivo passa por eliminar as células cancerígenas com a radiação fracionada, em múltiplas sessões. Tem como vantagem o permitir, em alguns homens, manter atividades diárias normais e o poder ser uma alternativa para doentes sem condições físicas ideais para a cirurgia. Acresce que é, no geral, indolor. Por outro lado, obriga a deslocações diárias ao hospital durante algumas semanas e, além da disfunção eréctil, pode causar problemas na bexiga e no reto.

A braquiterapia consiste na colocação de algumas “sementes” diretamente na próstata, permitindo administrar a radiação diretamente no órgão. É uma opção válida para tumores pouco agressivos e em doentes sem sintomas urinários e que cumpram alguns critérios de tamanho e fluxo urinário. Apresenta como vantagem a pouca agressividade cirúrgica e as boas taxas de conservação da continência e potência sexual.

É muito importante perceber que as diversas opções têm vantagens e desvantagens e que o tratamento deve ser sempre adaptado ao doente, à doença e às competências do médico. Não existe um tratamento melhor do que os outros. Existem, isso sim, resultados melhores e é isso que temos que procurar.

Nota: a doença metastática é abordada noutro artigo.

tr@tiagorodriguesurologia.pt

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