Luís Antunes Cidadão de Portugal

Quero um MÉDICO, não quero um “medicozinho”

09/06/2021

O ministro da Ciência, Tecnologia Ensino Superior, Manuel Heitor, sugeriu que algumas especialidades médicas – tais como Medicina Familiar – não precisam do mesmo tempo de formação e exigência que outras especialidades.

Sou do tempo dos médicos da Caixa e de saber o que todos os portugueses pensavam dessa designação de médicos, com menos anos de formação que os seus colegas especialistas hospitalares. Lembra-se das implicações disto?

O Ministro mostrou o que pensa o Governo dos Médicos de Família, uma vez que do interior do Governo nada foi desmentido. Ouvi na televisão e li na imprensa, médicos e organizações de médicos criticarem estas declarações do Ministro, com mais ou menos argumentos. Mas será que o Ministro não sabia o impacto que ia ter ou está apenas em campanha eleitoral?

A opinião da população, do Zé e da Maria, da Ti Etelvina e do Ti Joaquim e de todos os ilustres cidadãos nacionais em quem tudo isto impacta, não se fez ainda ouvir nos media. O que ficaram a pensar desta polémica?

Nada, porque acreditam que o povo não pensa? Desenganem-se porque vão pensar. O Ministro desvalorizou numa frase, a formação dos Médicos de Família. E com isso o cidadão comum vai querer o melhor médico para a sua saúde e ir ao hospital, porque é lá que estão os MÉDICOS especialistas como mais formação como antigamente; não vão querer ir ao Centro de Saúde, para não dizer USF ou UCSP onde as diferenças do sistema se acentuam e ser consultado por um “medicozinho”, um médico com menos anos de formação e menos exigência, segundo o ministro. E com isso, vai acentuar-se o caos que já reina no SNS.

Uma frase pode deitar a perder tudo o que se investiu na porta de entrada do sistema, (será mesmo verdade que é?) como todos, em particular os políticos e os ditos especialistas em saúde, gostam de dizer para parecerem entendidos.

Numa época em que não se preenchem todas as vagas no SNS na MGF, num tempo em que os Médicos escolhem ir para o privado e ser mais bem pagos, num tempo onde muitos dizem não haver necessidade de mais médicos, mas sim que estão mal distribuídos e remunerados, vem o dito Ministro colocar em cima destes problemas, a diminuição formativa de uma especialidade médica em prol da valorização de outras.

Voltamos no século 21 a colocar ou continuar a colocar o hospital no centro do sistema, concentrando o sistema em especialistas que não os de Medicina Geral e Familiar. E devia ser o contrário.

A especialidade de Medicina Geral deve ser a especialidade fundamental de um Sistema Nacional de Saúde, porque é com o desenvolvimento e optimização destes médicos que a Saúde de um país pode ser mais preventiva, evitar idas desnecessárias aos hospitais, fortalecer a saúde dos cidadãos, obter ganhos em saúde e sustentabilidade financeira para o sistema.

A especialidade de Medicina Geral não precisa de menos formação, precisa de mais organização, de mais formação, muito mais, sempre com actualizações do estado da arte, adequadas à carga da doença e da população onde a unidade de Medicina Geral está situada.

A especialidade de Medicina Geral não precisa de menos formação, precisa de mais formação, focada na gestão da saúde da população, centrando neste especialista o percurso do doente no sistema e não no médico especialista, como já sucede noutros países europeus onde o médico de Medicina Geral e Familiar acompanha o caminho do doente no sistema.

A especialidade de Medicina Geral precisa de mais tempo para estudar, para se actualizar, porque não se concentram apenas no coração ou no cérebro, nos ossos, no sistema gástrico ou no sistema nervoso, porque são especialistas que têm de saber de tudo, com capacidade de diagnóstico baseado no conhecimento e capacidade de tratar fundamentada na evidência.

Há muita coisa que deve ser mudada nas USF e UCSP, mas a formação do Médico especialista em Medicina Geral e Familiar não deve mudar para menos, mas sim para mais, aumentando a suas competências em matéria digital, pensamento analítico, soft skills, gestão de doença crónica, entre outras matérias. Mas fica uma dúvida – são os conteúdos e a prática clínica que ditam a qualidade ou o número de anos de especialização?

Ainda sobre formação, para se ser Ministro ou político, há algum curso ou basta ser amigo ou ter cartão do partido? Se um médico, engenheiro ou um louco, têm de dar provas do seu saber, porque não exigir o mesmo a quem nos governa? Pelo menos a responsabilidade pelos pensamentos, palavras, actos e omissões…

 

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