Ana Silva Guerra: “A mastectomia é um processo mutilante”

10/11/2021
"Não fazemos ideia do sofrimento que é", afirma a especialista em Cirurgia Plástica do Hospital São José. A mais temida das cirurgias em mulheres com diagnóstico de cancro da mama tem forte impacto na autoestima e na forma como estas mulheres se relacionam com o mundo. Em entrevista ao nosso jornal Ana Silva Guerra admite que apesar de já não ser "aquela doença que mata" o diagnóstico do cancro da mama continua a ser um "pesadelo". Neste Outubro Rosa a especialista em cirurgia plástica quer deixar uma mensagem de esperança, defendendo que a "reconstrução mamária diminui o risco de depressão e ajuda a mulher para a recuperar a sua autoestima".

HealthNews (HN)- O cancro da mama é o cancro mais comum entre as mulheres e a segunda causa de morte por cancro. O diagnóstico continua a ser um momento doloroso?

Ana Silva Guerra (ASG)- É um momento em que a mulher fica quase sem reação. Apesar de sabermos que é possível tratar o cancro da mama é sempre um momento muito doloroso e, sobretudo, assustador… Há sempre aquela dúvida de ‘o que vai acontecer a seguir?’ e ‘como é que vou ficar no final?’.

HN- A mamografia é a principal ferramenta de diagnóstico que pode apanhar de surpresa centenas de mulheres. Não se deveria insistir mais na partilha de informação sobre a importância da  apalpação da mama de forma regular? 

ASG- A mamografia e a ecografia são exames fundamentais para o diagnóstico do cancro da mama. Um não deve ser feito sem o outro. Estes exames tornam o diagnóstico mais preciso.

Entre os profissionais de saúde o autoexame mamário é algo que incentivamos muito. Este deve ser feito sempre, mesmo que a mulher seja jovem. Devemos conhecer a nossa mama para saber se há alguma alteração. No entanto, há determinado tipo de tumores que ainda são muito pequenos e que não se conseguem perceber no autoexame e, daí, os métodos de imagem [a ecografia e a mamografia]. É importante as mulheres não terem medo de fazer a mamografia. Não há que ter medo. É um exame fundamental e que pode salvar vida.

HN- Estes exames podem prevenir a morte por cancro da mama, mas cinco minutos também podem? Estima-se que seja o tempo suficiente para a realização do autoexame mamário…

ASG- Sem dúvida. Se a mulher conhecer a sua própria mama e fizer regularmente o autoexame pode detetar alguma alteração. Sabemos que o cancro não dói. É uma massa dura que parece um nódulo.

HN- E que alterações devem ser consideradas sinais de alerta?

ASG- Por exemplo, um corrimento mamilar ou alterações no volume e na cor da mama. Estes são alguns dos sinais que devem alertar para o cancro da mama.

HN- Grande parte das mulheres diagnosticas acaba por ser sujeita a algum tipo de cirurgia, sendo a mastectomia a mais temida. Em que medida este procedimento afeta a autoestima das mulheres? 

ASG- A mastectomia é a solução para aqueles tumores que estão muito espalhados ou que têm dimensões suficientes para obrigar a remover a mama toda. A mastectomia é um processo mutilante. A mulher fica com uma grande lesão na sua autoimagem. Por este motivo é que as equipas que tratam o cancro da mama são equipas multidisciplinares. Ou seja, além da cirurgia oncológica há sempre alguém da cirurgia reconstrutiva para explicar à mulher quais são as soluções que existem para restituir novamente ‘algo’ semelhante à mama. Obviamente nunca vamos conseguir reconstruir a mama como ela era, mas vamos tentar aproximar-nos o mais possível, de forma a que ela não se sinta mutilada.

HN- Como é feito o processo de reconstrução da mama?

ASG- Se a mama for removida totalmente existem várias hipóteses. Normalmente e a mais comum é a reconstrução com um implante, mas nos casos em que a mulher, para além de fazer a mastectomia, tem de fazer radioterapia o implante não é a melhor solução. A pele fica queimada e a reconstrução acaba por não correr tão bem. No entanto, existem outras alterativas em que utilizamos tecidos do nosso corpo, nomeadamente o músculo grande dorsal. Esse músculo, juntamente com o implante ajuda para a reconstrução da mama.

Também há outra solução em que utilizamos apenas tecidos do abdómen para a reconstrução da mama. Isto acontecem em mulheres que já tiverem filhos e que têm alguma gordura extra na região abdominal. Nem todas podem fazê-lo, mas quem puder é uma excelente opção.

HN- Existem riscos para a saúde das mulheres que optam pela reconstrução da mama?  

ASG- A reconstrução mamária diminui o risco de depressão e ajuda a mulher para a recuperar a sua autoestima. No entanto, são cirurgias que podem representar algum risco, mas nada que não seja controlado. Todas essas intervenções cirúrgicas que serão feitas para a reconstrução da mama são realizadas com toda a segurança de forma a minimizar todos os riscos e complicações. Se pudermos numa balança as vantagens e os riscos associados, as vantagens ultrapassam os riscos dessas intervenções.

HN- Que mensagem deixa para este Outubro rosa? 

ASG- Considero que as mulheres que passam pelo cancro da mama passam por um pesadelo que nós não temos noção. Não fazemos ideia do sofrimento que é, mas quero dizer-lhes que há esperança para todas e que têm bons profissionais a cuidar delas. O cancro da mama deixou de ser aquela doença que mata para passar a ser mais uma doença que se controla.

Entrevista de Vaishaly Camões

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