Relutância de desportistas à vacinação deve ser interpretada

1 de Novembro 2021

A resistência de desportistas à vacinação contra o novo coronavírus, que provoca a Covid-19, deve ser interpretada, sugere o epidemiologista Ricardo Mexia, que discorda da conversão dessa recomendação numa obrigatoriedade.

“Por definição, sou contra a obrigatoriedade da vacinação. Agora, é importante perceber porque é que eventualmente os atletas não se querem vacinar. Tipicamente, até são pessoas saudáveis, mas a doença também as afeta. Mais que a obrigatoriedade, há que abordar a questão pela vantagem que é ser vacinado”, frisou o especialista de saúde.

Uma “maioria esmagadora” dos desportistas de elite mundiais já concluiu o processo de vacinação, mas algumas ‘estrelas’ têm sido destacadas pelos efeitos da sua recusa, havendo quem esteja impedido de participar em treinos ou jogos por tempo indefinido.

“A questão que se coloca é se o exercício de algumas funções implica que se aumenta o risco para outros, especialmente nas modalidades em que haja outros envolvidos. Nesse caso, as pessoas têm de se adaptar a essa realidade ou encontrar soluções alternativas que ajudem simultaneamente a reduzir o risco, como a questão da testagem”, notou.

Até ver, essa franja de atletas, treinadores, árbitros, dirigentes e espetadores continua dependente de testes negativos, PCR ou antigénio, à Covid-19 para poder viajar entre países e continentes, com diferentes contextos pandémicos e múltiplas restrições sanitárias, e presenciar eventos desportivos sem bancadas tão restringidas.

“Os atletas são cidadãos como os outros e não me parece que tenha que haver uma abordagem diferente. Para aceder a algum conjunto de serviços, quem não pretende ser vacinado pode precisar de cumprir outras medidas que visam justamente reduzir o risco. Se as pessoas não querem ser vacinadas, é um direito que lhes assiste, mas têm de cumprir regras alternativamente criadas para essas situações”, analisou Ricardo Mexia.

A vacinação como conselho em vez de dever tem acumulado considerável aceitação em diversas modalidades, cujas entidades organizadoras multiplicam apelos para tentar alcançar um nível seguro de imunidade com a maior amplitude possível, sobretudo na iminência de épocas mais frias, que aceleram a propagação dos vírus respiratórios.

“Os atletas também fazem parte da comunidade. Se houver um grupo de pessoas não-vacinado, o risco de existirem surtos em equipas é maior e tem de ser levado em conta. Essa é a questão central: pensar que é vantajoso para todos que as pessoas se vacinem. Há questões que, não sendo do indivíduo, têm implicação em quem o rodeia”, advertiu.

Ricardo Mexia, que suspendeu em agosto o mandato à frente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública (ANMSP), devido à sua candidatura à presidência da junta de freguesia do Lumiar, em Lisboa, recorda que a inoculação mostra ser “segura e eficaz”.

“Sabemos que o risco de contrair esta doença grave é menor nas pessoas saudáveis e mais jovens, mas não é inexistente. O risco de ter uma complicação por via da doença é maior do que os eventuais efeitos adversos da vacina. É uma questão de risco, de as pessoas ponderarem isso e terem em conta aquilo que se passa à sua volta”, reiterou.

Tempo e consolidação do saber científico são aliados para aumentar a adesão à vacinação contra a Covid-19, cuja “incerteza num contexto inicial” amparou “maior resistência” de parte da sociedade, que se pode esbater com a influência social de figuras do desporto.

“À semelhança do que acontece com tantas outras questões, as pessoas podem olhar para essas ‘estrelas’, reconhecerem-se nelas e ver que, se têm certos comportamentos, também elas os queiram ter. Pode haver um papel interessante desse contributo, mas a questão verifica-se nos dois sentidos. Há pessoas com maior visibilidade mediática que rejeitam, como aquelas que são embaixadores ou promovem a vacinação”, comparou.

O futebolista Thomas Müller e os treinadores Jürgen Klopp e Mikel Arteta, bem como os tenistas Roger Federer, Rafael Nadal e Andy Murray ou os ex-basquetebolistas Michael Jordan, Kareem Abdul-Jabbar e Shaquille O’Neal mostraram-se publicamente a favor.

Já o tenista Novak Djokovic, os basquetebolistas Kyrie Irving, Draymond Green, Andrew Wiggins e LeBron James, o futebolista Joshua Kimmich ou o pugilista Floyd Mayweather clamaram pela liberdade de escolha, mas nem todos se opuseram ao processo vacinal.

“Houve um período enorme de desinformação, em que fica muito difícil separar o que é fidedigno do que não é. Na prática, diria que há oportunidade para que, desde que as pessoas veiculem informação válida fidedigna, quem tem maior visibilidade a utilize para promover a adesão a uma prática que nos protege a todos”, finalizou Ricardo Mexia.

LUSA/HN

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