HealthNews (HN) – Segundo o Programa Nacional para as Doenças Oncológicas de 2017 (números de 2010 a 2015), a taxa de mortalidade padronizada para cancro do pulmão foi de 24,9 em cada 100 000 habitantes (42,8/100 000 no sexo masculino e 10,7/100 000 no sexo feminino). A que se deve esta elevada taxa de mortalidade?
Ana Figueiredo (AF) – O cancro do pulmão é de todos os cancros o que tem uma mortalidade mais elevada em ambos os sexos, embora o mais prevalente no sexo masculino seja o cancro da próstata e no sexo feminino o cancro da mama. Esta elevada mortalidade deve-se ao facto do diagnóstico do cancro do pulmão ser geralmente feito em estádios avançados, que não permitem uma terapêutica curativa. O cancro do pulmão tem a capacidade de crescer sem dar sintomas, pelo que o diagnóstico em fases mais precoces é raro, e geralmente acontece por acaso, durante a avaliação de outras situações clínicas.
HN – As mutações genéticas hereditárias ou adquiridas por fatores ambientais desempenham um papel importante no desenvolvimento do cancro do pulmão de células não pequenas?
AF – O tabaco é o principal factor de risco para o cancro do pulmão. Entre 85% a 90% dos novos casos são detetados em fumadores. O fumo do tabaco tem inúmeros carcinogéneos que, ao longo do tempo (décadas), vão provocando pequenas alterações genéticas que se vão acumulando até darem origem à transformação das células normais em células cancerígenas.
A contaminação ambiental, fatores genéticos ou alterações moleculares também podem ser fatores de risco para cancro de pulmão, embora numa percentagem muito pequena.
HN – O conhecimento do estádio em que se encontra o tumor determina a sua evolução e o tratamento mais adequado?
AF – Quando se faz o diagnóstico de cancro do pulmão, para determinar qual o tratamento mais adequado há que ter em conta uma série de fatores: relacionados com o tumor (tipo de células, marcadores moleculares, estádio da doença, caso seja um estádio mais avançado quais os órgãos envolvidos, e relacionado com o doente (idade, performance, status, emagrecimento, comorbilidades, apoio social, etc.
O estádio em que se encontra o tumor é porventura o fator mais importante para determinar qual o tratamento à partida mais adequado, mas depois todos os outros fatores vão condicionar a decisão final.
HN – No caso de cancro de pulmão de não pequenas células provocado por mutações genéticas, quais têm sido as principais evoluções ao nível do tratamento?
Têm sido gigantescas. A descoberta das mutações driver veio revolucionar o tratamento do cancro do pulmão. Passámos a ter a possibilidade de usar medicamentos dirigidos especificamente para uma determinada mutação naquele tumor; portanto, muito mais específicos e com muito menos efeitos secundários, além de serem administrados por via oral. Este tipo de terapêutica mostrou-se extremamente eficaz, aumentando de forma exponencial a sobrevivência dos doentes. No entanto, mesmo estes medicamentos a certa altura deixam de ser eficazes, deixando de controlar a doença, pelo que têm sido desenvolvidas novas gerações de fármacos dirigidos às mesmas mutações, mais específicos e potentes, ativos quando os outros deixam de ser eficazes.
Cada mutação aparece numa percentagem muito pequena de tumores, mas têm sido identificadas cada vez mais mutações e desenvolvidos novos fármacos dirigidos a essas mutações, bem como novas formas de as detetar.
O futuro está a acontecer de forma alucinante agora.
HN – Neste tipo específico de carcinomas, é normal já existirem metástases cerebrais no momento do diagnóstico?
AF – É mais frequente do que nos outros cancros do pulmão de células não pequenas. Não só estarem presentes na altura do diagnóstico como aparecerem durante a evolução da doença.
HN – Neste caso concreto, qual é a melhor abordagem da metastização cerebral?
Depende se as metástases são sintomáticas ou não. Uma vez que os fármacos mais recentes têm uma excelente penetração no SNC, se estivermos face a um doente assintomático, com lesões pequenas sem edema cerebral importante, podemos iniciar o tratamento dirigido, avisando o doente dos sintomas de alerta que podem indicar que as lesões cerebrais não estão a responder ao tratamento.
Se as lesões cerebrais forem sintomáticas devem ser sujeitas a tratamento específico, como por exemplo radioterapia.
HN – De que forma as novas terapêuticas alvo permitem melhorar a sobrevivência e qualidade de vida dos doentes?
Estas novas terapêuticas são altamente eficazes, têm a possibilidade de ser feitas durante muito tempo e de forma sequencial, com uma baixa toxicidade. Todos estes elementos em conjunto proporcionam aos doentes uma excelente qualidade de vida com um franco aumento da sobrevivência global.
Entrevista de Adelaide Oliveira
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