“Temos histórico de alguns incêndios e sabemos que os de Góis, como de Coimbra, são difíceis, se não forem debelados à nascença. Sabemos que são muito violentos”, disse o chefe de equipa da sala de operações do comando nacional de operações no dia 17 de junho de 2017, João Gouveia, em resposta à advogada do comandante Augusto Arnaut, sobre a razão de terem sido enviados mais meios para aquele incêndio do que para Pedrógão Grande.
João Gouveia, que falava em mais uma sessão do julgamento que decorre no Tribunal Judicial de Leiria para apurar eventuais responsabilidades criminais nos incêndios no concelho de Pedrógão Grande em junho de 2017, admitiu ainda ter havido “falhas graves” na fita do tempo, ao não constar que os meios aéreos nunca chegaram ao teatro de operações.
“Se não foi registado, deveria ter sido. O que acontece é que às vezes a quantidade de informação é tanta e ao mesmo tempo que não conseguimos escrever tudo”, disse, confirmando que os dois helicópteros pesados não chegaram ao local, um deles por denunciar problemas técnicos.
João Gouveia confirmou ainda que entre as 14:30 e 15:00 foram chegando pedidos de meios face ao incêndio de Pedrógão Grande e que foram despachados os de “maior proximidade”.
A testemunha explicou, contudo, que os números que aparecem no sistema como estando no local “são gerados automaticamente”, o que pode significar que os mesmos ainda estão em trânsito e não no teatro de operações.
Confrontado com a juiz presidente de que naquele dia “houve muita coisa que falhou”, João Gouveia admitiu que “foi um dia muito diferente dos que já tinha passado”.
O assistente técnico referiu ainda que o SADO – Sistema de Apoio à Decisão Operacional à época só estava disponível ao comando nacional, pelo que o comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, Augusto Arnaut, não teria acesso a esta ferramenta.
Tal como na sessão de quarta-feira, o julgamento de hoje teve a presença de um procurador substituto. Segundo fonte judicial, a magistrada do Ministério Público que tem o processo está com Covid-19.
Apesar de ter sido feito o pedido de adiamento, o coletivo de juízes não acedeu e o julgamento prosseguiu.
“Sabemos desde muito cedo que houve falta de meios e de meios aéreos. Só na Bíblia é que há a multiplicação dos pães. Havia poucos meios, foi dito hoje que por razões de histórico foi escolhido Góis, que preocupava muito. Apesar do alerta ter sido nove minutos depois de Escalos Fundeiros, mereceu uma atenção maior. Não saberemos nunca como seria se a opção tivesse sido outra”, afirmou no final da sessão da manhã, Filomena Girão, advogada de Augusto Arnaut.
A jurista reforçou que “houve vários meios mobilizados que nunca chegaram ao teatro de operações e que [informação] nem estava registada na fita do tempo da autoridade nacional”.
“Nesta altura, não há nenhuma dúvida que com tão poucos meios não era possível fazer mais do que aquilo foi feito”, acrescentou.
Em causa neste julgamento estão crimes de homicídio por negligência e ofensa à integridade física por negligência, alguns dos quais graves. No processo, o Ministério Público contabilizou 63 mortos e 44 feridos quiseram procedimento criminal.
Os arguidos são o comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, então responsável pelas operações de socorro, dois funcionários da antiga EDP Distribuição (atual E-REDES) e três da Ascendi (que tem a subconcessão rodoviária Pinhal Interior), e os ex-presidentes da Câmara de Castanheira de Pera e de Pedrógão Grande, Fernando Lopes e Valdemar Alves, respetivamente.
O presidente da Câmara de Figueiró dos Vinhos, Jorge Abreu, também foi acusado, assim como o antigo vice-presidente da Câmara de Pedrógão Grande José Graça e a então responsável pelo Gabinete Florestal deste município, Margarida Gonçalves.
Aos funcionários das empresas, autarcas e ex-autarcas, assim como à responsável pelo Gabinete Técnico Florestal, são atribuídas responsabilidades pela omissão dos “procedimentos elementares necessários à criação/manutenção da faixa de gestão de combustível”, quer na linha de média tensão Lousã-Pedrógão, onde ocorreram duas descargas elétricas que desencadearam os incêndios, quer em estradas, de acordo com o Ministério Público.
No despacho de acusação, o Ministério Público explica que em 17 de junho de 2017, às 14:38, deflagrou um incêndio no Vale da Ribeira de Frades (Escalos Fundeiros), desencadeado por uma descarga elétrica de causa não apurada com origem na linha elétrica de média tensão Lousã-Pedrógão, da responsabilidade da então EDP Distribuição.
A existência de árvores e vegetação por baixo da linha elétrica “propiciou a ignição do incêndio” na manta morta, “produzida pela mencionada descarga elétrica”, facilitando a sua propagação.
Ainda nesse dia, cerca das 16:00, “deflagrou um incêndio em Regadas [Pedrógão Grande]”, desencadeado igualmente “por uma descarga elétrica de causa não apurada” com origem na mesma linha de média tensão, sendo que a zona inicial deste fogo apresentava semelhanças com a primeira.
LUSA/HN
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