“São 494 pessoas que estão efetivamente na rua, ou em tendas ou nos vãos de escada. São pessoas que recusaram respostas ou que estão à espera de melhores respostas, ou que já estiveram de alguma forma acolhidas e que abandonaram”, indica a vereadora dos Direitos Humanos e Sociais, Laurinda Alves (independente eleita pela coligação PSD/CDS-PP/MPT/PPM/Aliança).
Em declarações à agência Lusa, a vereadora recorda que no início dos anos 2000 houve uma alteração da estratégia nacional em relação à saúde mental, o que “atirou muitas pessoas para a rua”: a situação de sem-abrigo “mudou muito, para pior”.
“Isto, que já era uma situação muito dramática, agravou-se brutalmente agora com a pandemia […]. O problema é que não sabemos até onde é que isto vai levar muitas outras pessoas”, afirma Laurinda Alves, referindo que Lisboa regista “um fluxo maior, há mais situações e as situações são mais dramáticas”, com pessoas que vêm de municípios vizinhos, de outras zonas do país e também do estrangeiro.
Dados do Núcleo de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo (NPISA), estrutura coordenada pela Câmara de Lisboa, indicam que em 2018 existiam 2.473 pessoas nesta situação (inclui 516 pessoas requerentes de proteção internacional), das quais 361 sem teto.
Em 2019 foram identificadas 3.178 pessoas nesta situação (699 requerentes de proteção internacional), das quais 465 viviam na rua, no ano seguinte havia 3.811 pessoas (1.276 requerentes de proteção internacional), das quais 447 sem teto.
Comparando os dados de 2019 com os 3.780 casos atuais – início de 2022 -, o número de pessoas sem-abrigo em Lisboa aumentou 18,9%, com um acréscimo de 602. Também se registou uma subida relativamente às pessoas sem teto e que vivem na rua, na ordem de 6,2%, com mais 29 casos nesta situação.
“Há muitas pessoas que continuam na rua, que dormem em tendas. Há também um conjunto de 20 pessoas e famílias que dormem em carros”, refere Laurinda Alves.
A maioria da população em situação de sem-abrigo em Lisboa é do sexo masculino e a média de idades está nos 40 anos, embora haja também pessoas mais novas e mais velhas, adianta a vereadora, assegurando que “não há crianças na rua”.
Também há poucas mulheres nesta condição, porque “têm um corredor prioritário para serem encaminhadas para os serviços”.
Laurinda Alves explica que as pessoas nesta condição “não têm um problema, têm um somatório de problemas”, desde questões de saúde mental a dependência de drogas, “e podem ser todas estas e ainda mais outra, que são as questões financeiras de alguém que fica na rua porque perdeu o emprego, porque está endividado, porque sofreu uma penhora”.
Neste equação pode-se incluir também os valores “inacessíveis” das rendas de habitação, já que “há uma esmagadora percentagem de população que sofre esta carestia de vida”.
Para a vereadora dos Direitos Humanos e Sociais, é importante fazer o exercício de calçar os sapatos do outro: “Quando temos este olhar do ‘podia ser eu’ e ‘são pessoas como nós’, começamos a olhar para elas já de forma diferente”.
Questionada sobre o tempo necessário para erradicar o problema no concelho, Laurinda Alves suportou-se nas palavras do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que no Natal passado disse que a pandemia de Covid-19 tornou impossível fixar metas temporais para retirar estas pessoas da rua.
“Neste momento, com a pandemia e com tudo aquilo que é tão avassalador, tão dramático e tão torrencial, é uma hemorragia que não conseguimos estancar, nem conseguimos ver o fim, mas temos aqui estes quatro anos para olhar para esta realidade, para fazer este atlas, para perceber quem é quem, as realidades, para concertar ainda melhor aquilo que tem sido feito e muito bem feito até aqui. Temos ainda a possibilidade de afinar estratégias”, assume.
Considerando que seria “muito leviano e completamente inútil e fútil” estar a avançar com prazos, a vereadora assegura que esta é uma interrogação que tem de “desinquietar” o executivo até ao fim do mandato.
A resposta casuística às pessoas sem-abrigo “é tão complexa e tão demorada” que há que valorizar “cada vez que há um caso feliz”, aponta Laurinda Alves, partilhando o caso de um cidadão que estava há sete anos a viver na rua e que há duas semanas aceitou ficar num apartamento “Housing First”, e dorme numa cama em casa e tem água quente, necessidades básicas que são direitos humanos consagrados, mas que nem sempre são asseguradas para todos.
No papel de vereadora tem tratado de responder a aflições sucessivas diariamente. Reconhece que fica sempre muito por fazer, mas também há muitas concretizações, mantendo-se a prioridade de “humanizar, prevenir e concertar”.
“No final do dia, no final do mandato, no limite no final das nossas vidas será isto que conta, o que transformamos, o que tornamos possível, o que ficou de nós na parte boa da vida dos outros”, conclui a autarca, referindo que os casos felizes confirmam: “Só é impossível o que não tentamos, não podemos desistir nunca, tudo menos desistir. Não se pode desistir de ninguém, ninguém pode desistir de ninguém”.
LUSA/HN
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