“A saúde mental e a doença mental foram sempre os parentes pobres da saúde e, finalmente, parece que foi preciso uma catástrofe mundial para se perceber que há uma coisa que se chama saúde mental e que é preciso preservar e promover (…) e que é preciso tratar”, disse à agência Lusa Ana Matos Pires, membro da Coordenação Nacional das Políticas para a Saúde Mental.
Por isso, afirmou, “julgo mesmo que o único efeito secundário desta pandemia foi a atenção dada a nível nacional e internacional às questões de saúde mental”.
A também diretora da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo e coordenadora regional da Saúde Mental do Alentejo recordou que já havia um trabalho a ser feito nesta área e que a pandemia veio acelerar.
“A saúde mental nacional tem um plano já antigo que, por vicissitudes várias, nomeadamente pela intervenção da troika, não foi completado”, mas, disse, na pré-pandemia já havia um trabalho e uma movimentação a ser feita no sentido de se dar “uma atenção especial” a esta temática.
Uma atenção que para Ana Matos Pires é “muito merecida” porque a doença mental é “altamente incapacitante” e “interfere imenso com o funcionamento pessoal de quem está doente”.
“Eu acho que é verdade que a pandemia veio acelerar [este trabalho] e a tutela, nomeadamente a ministra da Saúde, deu a atenção que nunca tinha sido dada à saúde mental e neste momento há alterações significativas”, salientou.
Apontou a legislação existente desde o passado dia 14 de dezembro de reorganização de saúde mental, afirmando que “vai efetivamente fazer a diferença”, alterando completamente a organização dos serviços no país.
Até aqui, havia o programa nacional para a saúde mental inserido na Direção-Geral da Saúde e agora existe uma coordenação nacional das políticas de saúde mental dependentes da tutela.
“Estamos atrasados em relação àquilo que são os países mais desenvolvidos da Europa nestas temáticas e julgo que estamos neste momento em condições de começar a apanhar o comboio”, disse, sublinhando que “nunca a saúde mental” teve em termos de apoios económicos o montante que o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) lhe concedeu: 88 milhões de euros.
Para a psiquiatra, existe agora a obrigação de todos os que estão envolvidos nesta área de aproveitar esta “oportunidade de ouro” em termos de melhoria dos cuidados de saúde mental prestados à população, em termos da promoção, prevenção e tratamento da doença.
Analisando o impacto de dois anos da pandemia de Covid-19 na população, Ana Matos Pires afirmou que “é inegável” o seu efeito negativo sobre a saúde mental.
“Já há, neste momento, dados consistentes que mostram que houve efeitos, que esses efeitos foram negativos, essencialmente notados nos jovens, sobretudo, nos adolescentes velhos e adultos jovens”, afirmou.
No início da pandemia, os sintomas foram essencialmente da linha ansiosa, depressiva e de alterações de sono, muito num contexto de reação e não propriamente de adoecer.
“Felizmente, a capacidade de adaptação do ser humano é grande e houve um desenvolvimento dessa capacidade de adaptação a uma realidade absolutamente desconhecida”, afirmou Ana Matos Pires.
O que está a acontecer atualmente, disse, “é um agravamento” nas pessoas com doença mental prévia, supondo-se que “vai haver um agravamento formal dos quadros depressivos clínicos (…) muito em resposta àquilo que vão ser os efeitos sociais e económicos desta pandemia”.
LUSA/HN
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