“As novas opções terapêuticas têm permitido o aumento da sobrevivência com perfis de toxicidade diferentes, sendo importante educar o doente para o rápido reconhecimento de sinais de alarme e formas de atuar”, defende Fernanda Estevinho, oncologista do Hospital Pedro Hispano (Unidade Local de Saúde de Matosinhos.
HealthNews (HN)– Qual é a situação em Portugal no que diz respeito ao cancro do pulmão de não pequenas células?
Fernanda Estevinho (FE) – O cancro do pulmão é o tumor maligno que causa maior mortalidade em Portugal e o terceiro mais frequente, sendo o primeiro o cancro da mama e o segundo o cancro da próstata. Seguem-se em quarto lugar o cancro do cólon e em quinto o cancro do reto, segundo a International Agency for Research on Cancer.
Estima-se que, em 2020, em Portugal, tenha sido realizado o diagnóstico de cancro do pulmão a 5415 doentes.
Há dois grupos de cancro do pulmão: o cancro do pulmão de não pequenas células (cerca de 85%) e o cancro do pulmão de pequenas células (15%).
Por cancro do pulmão de não pequenas células designamos um grupo que incluiu diversos tipos de tumores sendo os mais frequentes o adenocarcinoma e o carcinoma epidermóide (ou escamoso).
Ao diagnóstico a maioria apresenta doença localmente avançada ou metastizada, e cerca de 20% apresentam doença localizada. A idade mediana de diagnóstico é de 66 anos.
HN – Como se explica o aparecimento de casos de cancro do pulmão de não pequenas células em não fumadores?
FE – O principal fator de risco para cancro do pulmão é, de facto, o tabaco. Um estudo sobre os doentes com diagnóstico de cancro do pulmão em Portugal, realizado em 2018, revelou que cerca de 73% dos novos diagnósticos estavam associados a consumo tabágico (83% nos homens e 51% nas mulheres).
Os fumadores passivos apresentam também aumento do risco de cancro do pulmão.
A poluição ambiental, a exposição a particulas como o amianto, a rádon, a metais (arsénico, crómio, níquel), radiação ionizante e hidrocarbonetos aromáticos policíclicos aumentam o risco de cancro do pulmão.
Este risco também está aumentado em doentes com fibrose pulmonar ou infeção pelo VIH (vírus da imunodeficiência humana), estando também em estudo a existência de predisposição genética.
Por outro lado, em não fumadores, o tumor mais frequente é o adenocarcinoma e verifica-se que algumas mutações oncogénicas, como a do gene do EGFR, HER2, amplificação do MET, rearranjo do gene ALK, ROS1 ou RET são mais frequentes em doentes não fumadores. Estas mutações representam alvos para as quais existem tratamentos dirigidos, diferentes da quimioterapia.
É importante realçar que os não fumadores e pessoas sem fatores de risco podem desenvolver cancro do pulmão. Por isso é tão importante que todos estejam atentos aos sinais de alarme como tosse, falta de ar, sangue na expectoração, dor a respirar, alterações da voz, cansaço, perda de apetite e de peso inexplicado.
HN – As mutações genéticas têm um papel significativo? Por exemplo, a ALK+?
FE – O conhecimento das mutações vem permitir identificar aquelas para as quais dispomos de terapêuticas dirigidas, geralmente associadas a menos efeitos adversos e a um aumento da sobrevivência.
Para doentes com cancro do pulmão e mutações de genes como EGFR, BRAF, MET, rearranjo do ALK, ROS1, NTRK, RET existem terapêuticas dirigidas eficazes na doença avançada.
Neste momento, estão também a decorrer ensaios clínicos com fármacos dirigidos a outras mutações, e a outros estadios.
No que se refere ao rearranjo ALK sabemos que é encontrado em cerca de 2-7% dos doentes com cancro do pulmão de não pequenas células, sendo mais frequente em doentes com adenocarcinomas, não fumadores ou com baixo consumo tabágico e jovens.
Ao diagnóstico cerca de 20-30% dos doentes ALK+ apresentam metástases cerebrais, e cerca de 60% apresentariam metastização cerebral aos 3 anos. Felizmente foram desenvolvidas terapêuticas dirigidas eficazes também a nível cerebral – os inibidores da tirosinacinase do ALK de 2ª e 3ª geração – que permitem controlar a doença extra-craniana, intracraniana pré-existente e reduzir o risco de nova metastização cerebral.
HN – De que forma os novos tratamentos estão a ajudar estes doentes?
FE – Em relação aos doentes ALK+, já é possível, com recurso aos novos tratamentos, que mais de 60% dos doentes com doença avançada sobrevivam 5 anos após o diagnóstico (ensaio clínico ALEX).
Os inibidores da tirosinacinase do ALK estudados em primeira linha, em ensaios clínicos de fase 3, e alguns dos quais já usados na prática clínica há vários anos, incluem o crizotinib, alectinib, ceritinib, brigatinib, ensartinib e lorlatinib.
Nos doentes ALK positivo e doença avançada observamos com o recurso a terapêuticas dirigidas com os inibidores da tirosinacinase de 2ª e 3ª geração um aumento da ação em metástases cerebrais, da resposta e de sobrevivência.
Em relação às terapêuticas aprovadas dirigidas a outras mutações são também tratamentos globalmente bem tolerados, com um perfil de efeitos secundários muito diferente da quimioterapia.
Quando se verifica a progressão de doença, sob tratamentos dirigidos, e dependendo da mutação inicial (rearranjo ALK, ROS1, mutação do EGFR) e do tratamento previamente realizado, o conhecimento do mecanismo de resistência pode revelar a possibilidade de realizar outra terapêutica dirigida.
HN – Como lidar com as metástases cerebrais?
FE – Existem diversas opções terapêuticas para doentes com cancro do pulmão de não pequenas células com metastáses cerebrais.
A decisão será influenciada por diferentes fatores, como os sintomas da metastização cerebral, o estado geral e comorbilidades do doente, presença de mutações, extensão da doença intracraniana e extracraniana, e ainda os tratamento prévios já realizados.
Assim, as opções terapêuticas incluem a realização de neurocirurgia, radiocirurgia estereotáxica, a radioterapia holocraniana, as terapêuticas sistémicas com ação no sistema nervoso central, ou combinações destas estratégias.
No caso de doentes ALK+, com metastização cerebral assintomática, a realização de um inibidor da tirosinacinase do ALK com ação no sistema nervoso central constitui uma opção terapêutica. Uma série portuguesa apresentada este ano, no 2.º Encontro de Terapêuticas-Alvo Torácicas (ETAT), mostrou que em 90 doentes com cancro do pulmão de não pequenas células avançado que realizaram tratamento com alectinib em 1ª linha, 34% apresentavam metastização cerebral, assintomática em 48%. Em 75% dos doentes com metastização cerebral assintomática não foi realizada terapêutica local.
HN – Estamos perante uma Medicina cada vez mais dirigida e personalizada? É esse o caminho?
FE – Sim, sem dúvida, assistimos a uma evolução que, atualmente, nos permite dispor de uma Medicina dirigida para alvos terapêuticos e biomarcadores (como o PD-L1), e
ajustada às características de cada doente, onde a multidisciplinaridade é essencial.
As novas opções terapêuticas têm permitido o aumento da sobrevivência com perfis de toxicidade diferentes, sendo importante educar o doente para o rápido reconhecimento de sinais de alarme e formas de atuar.
O caminho vai avançando lado a lado com a investigação contínua, em busca de terapêuticas dirigidas a novos alvos, melhores biomarcadores, novas formas de avaliação de resposta (como o estudo de mutações no sangue), conhecimento de mecanismos de resistência, com ensaios clínicos em busca de opções terapêuticas cada vez mais eficazes, melhor toleradas e associadas a aumento de qualidade de vida.
Importa realçar a importância da prevenção, incluindo a cessação tabágica que constitui o principal fator de risco, e apostar no diagnóstico precoce, recordando sempre que a deteção precoce salva vivas e o cancro do pulmão não surge apenas em fumadores!
Entrevista de Adelaide Oliveira
0 Comments