Indústria médica usou conhecimentos tradicionais sem direitos de autor

26 de Maio 2022

O embaixador da Guiné Equatorial em Lisboa lamentou esta quarta-feira que a indústria médica global tenha desenvolvido medicamentos com base em conhecimentos tradicionais sem respeito pelos direitos de autor e apelou aos jovens investigadores para apostarem na medicina tradicional africana.

O diplomata, que falava no II Encontro de Jovens Investigadores da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) sobre África, que decorre entre quarta-feira e hoje no ISEG, em Lisboa, lamentou também que as gerações mais jovens “estejam lentamente a perder o interesse pela medicina tradicional”, quando “os curandeiros estão a morrer e com eles os seus conhecimentos”.

Por isso, apelou aos jovens investigadores para que deem voz “aos investigadores tradicionais africanos, impelindo a comunidade científica internacional a não continuar a excluir e a ignorar o potencial de África, rompendo com burocracias e estereótipos arreigados”.

“A pandemia (…) deixou-nos a todos vulneráveis e com o colapso das cadeias globais de abastecimento, a dependência excessiva de África em relação a fornecimentos médicos importados deixou o continente vulnerável em muitos aspetos, forçando-o a revalorizar os recursos próprios, tradicionalmente ignorados e desvalorizados pelo resto do mundo”, afirmou Tito Mba Ada.

O embaixador equato-guineense interveio na sessão de abertura do encontro de hoje, também organizado pelo Centro de Estudos Africanos do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), como coordenador do grupo de embaixadores africanos.

“A cultura milenar africana, guardiã de segredos de medicina tradicional, foi chamada à vanguarda durante esta crise”, naquele contexto, frisou o embaixador da Guiné Equatorial, um dos nove Estados-membros da CPLP, organização que também está a promover o evento que decorre durante dois dias no ISEG.

O diplomata recordou ainda que a própria Organização Mundial de Saúde (OMS) reconhece “que a medicina tradicional, complementar e alternativa tem muitos benefícios e a África tem uma longa história de medicina tradicional e de profissionais que desempenham um papel importante na prestação de cuidados às populações”.

Sublinhando que o continente africano tem hoje 34 instituições de investigação a trabalhar na medicina tradicional o embaixador realçou ainda que “os povos africanos merecem utilizar medicamentos testados com os mesmos padrões que no resto do mundo”.

“Mesmo que as terapias sejam derivadas da prática tradicional e natural, estabelecer a sua eficácia e segurança, através de ensaios clínicos rigorosos é fundamental”, afirmou, destacando ainda a importância económica que a medicina tradicional pode ter para os países do continente africano.

A medicina tradicional representa “uma indústria multibilionária, que pode ajudar a impulsionar a economia de um país, se bem gerida”, defendeu Tito Mba Ada.

“Por tudo isto, é lamentável que as gerações mais jovens estejam lentamente a perder o interesse pela medicina tradicional”, considerou.

“De igual modo pode considerar-se lamentável que a indústria médica tenha tirado partido de políticas insuficientes sobre medicina tradicional e desenvolvido os seus próprios medicamentos, com base em conhecimentos tradicionais para os quais não têm direitos de autor, e, por outro lado, os ervanários tradicionais não dispõem de conhecimento sobre procedimentos de patentes, testes clínicos e comercialização dos seus produtos”, acrescentou.

Por isso deixou um apelo à comunidade de investigadores “para que dirija parte da sua investigação aos efeitos dos remédios tradicionais, para tratamento dos efeitos da Covid-19, da malária, de enfermidades tropicais, de lesões, entre outras”.

LUSA/HN

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