Rafaela Miranda Médica Interna de Medicina Geral e Familiar

Sexualidade no Feminino

06/01/2022

A resposta sexual humana só começou a ser estudada em 1943 com Kinsey. Os primeiros modelos propostos foram altamente criticados. No ano de 2001 Basson propôs um carrossel de resposta sexual humana que engloba as fases de desejo, excitação, plateau, orgasmo e resolução, sendo que, no homem existe, posteriormente um período refratário, que pode durar horas a dias.

Mais recentemente, Masters e Johnson vieram defender, com base no modelo de Basson que, na mulher, existem 2 padrões distintos, ambos prazerosos. Um deles inclui todas as fases anteriormente descritas e, ainda, a possibilidade de orgasmos múltiplos, com posterior resolução. O outro padrão baseia-se nas fases de desejo, excitação e plateau com posterior resolução, portanto, sem atingimento do orgasmo. Foram, posteriormente, adicionados à equação os fatores biológicos, emocionais, relacionais e a intimidade. Sabe-se, hoje, que a resposta sexual da mulher é multifatorial e relaciona-se, para além de todos os fatores descritos acima, com a medicação habitual, uso de contraceção, stress externo, etc.

A sexualidade é uma esfera importantíssima, essencial até, do bem-estar do indivíduo e uma das pedras basilares de uma relação amorosa satisfatória. O objetivo da relação sexual é a satisfação mútua. E, não é novidade nenhuma que o maior órgão sexual está entre as orelhas.

Homens e mulheres são muito diferentes. A mulher quer as carícias e as palavras ternas às escuras. O homem quer a luz acesa. Para o homem, a gratificação física é primária, para a mulher as emoções e o compromisso são o fundamental. A mulher insatisfeita pede mais amor e afeto, enquanto o homem pede mais frequência sexual. Contudo, estas diferenças parecem atenuar-se a partir dos 40 anos. Fisicamente, o homem demora 3 a 8 segundos a desenvolver uma ereção. Atinge o orgasmo em poucos minutos se assim o pretender. A mulher não. O clitóris é um mundo a ser explorado e é, verdadeiramente, a ponta do iceberg.

Vamos a uma revisão muito breve da resposta sexual feminina. O clitóris tem cerca de 8 mil recetores nervosos. É irrigado por um complexo sistema arteriovenoso que, durante a excitação, provoca a sua ereção. Aquando do orgasmo, a mulher é percorrida por uma sequência de contrações musculares, das quais, as contrações dos músculos pubococcígeos adquirem um papel central. A própria vocalização durante o orgasmo ocorre por contração dos músculos intercostais.

A mulher pode ter orgasmos clitorianos e orgasmos vaginais. Existem, ainda, autores que defendem a existência de orgasmos com ponto de partida no colo uterino. Estes últimos bastante difíceis de atingir, dependendo, claro está, do tamanho do pénis e de posição que o favoreça, mas quando atingido, seria capaz de a fazer chorar.

Um dos principais fatores que diferencia os orgasmos clitorianos dos vaginais é o tempo. O primeiro, muito mais fácil de atingir, com a estimulação na porção externa do clitóris. O segundo mais complexo.

Entra nesta matéria o famoso ponto G. Mito ou realidade? O ponto G foi descrito, pela primeira vez, por Ernest Grafenberg em 1950. Segundo ele, ficaria situado no 1/3 inferior da parede anterior da vagina. Um ponto rico em recetores da 5-fosfodiesterase cuja estimulação desencadeia altos níveis de excitação e orgasmos poderosos. A verdade é que, até hoje, nenhum estudo anatómico foi capaz de o identificar. Admite-se, atualmente, que poderemos não falar em ponto mas sim em zona. E esta zona G estará situada entre os 4 e os 6 cm da parece anterior da vagina e que a sua estimulação persistente poderá levar a orgasmos vaginais intensos. No entanto, isto permanece mal compreendido, pensa-se que esta zona poderá não existir em todas as mulheres e, por outro lado, como explicamos que a mulher na pós-menopausa só consiga ter orgasmos clitorianos? Nada como experimentar, de acordo?

Ejaculação feminina, o chamado “squirting”? Mito ou verdade? Este tema permanece, também, polémico. Existem autores que defendem que este líquido seria produzido pelas glândulas de Skene. No entanto, estas glândulas são ainda mais pequenas que as glândulas de Bartholin e será altamente improvável que consigam produzir líquido em quantidade e pressão suficientes para simularem uma ejaculação. Tratar-se-á, com maior probabilidade, de uma incontinência urinária associada ao orgasmo.

Muito se fala em disfunção sexual masculina. E que tal falarmos um pouquinho sobre a disfunção sexual feminina? O desejo sexual pode ser responsivo ou espontâneo, sendo que a própria denominação é esclarecedora. No homem este desejo é, mais frequentemente, espontâneo. Na mulher, o desejo responsivo assume maior importância. Com a duração da relação estas discrepâncias atenuam-se e caminham para uma predominância do desejo responsivo em ambos os sexos. Derivada de toda esta complexidade que diferencia o homem da mulher, a mulher é, por natureza, um ser mais sensível. Para manter este erotismo aceso são necessárias fantasias que despertem vontade e desejo, é necessária criatividade e imaginação, é necessário dar uso aos 5 sentidos com que fomos presenteados e esquadrinhar estímulos visuais, olfativos, táteis e auditivos. Claro está que é necessária uma relação satisfatória porque a mulher é mais racional. E será altamente desafiante para ela atingir o orgasmo se antes houve uma discussão. O desejo é uma expressão da nossa individualidade, identidade e, acima de tudo, e nos dias de hoje, do nosso livre-arbítrio. Tal como Esther Perel afirma, o sexo não é algo que nós fazemos, é um sítio que alcançamos e onde somos capazes de nos expressarmos e de nos conhecermos. A capacidade de atingir o orgasmo é, precisamente, a capacidade de estar ligado a si mesmo na presença do outro.

Porque é que o bom sexo se desvanece, mesmo em casais que se amam profundamente? Porque é que o proibido é tão erótico e atrativo? A atração pelo outro assenta na admiração em primeiro lugar, e na independência em segundo lugar. Um casal manter-se-á feliz se se completar e, para tal, existir por si só como a união de duas pessoas autossuficientes. Por outro lado, é impossível existir bom sexo sem boa comunicação. Entra, aqui, o essencial papel da masturbação. Se eu não souber o que me dá prazer a mim, como conseguirei explicar ao meu parceiro/a ou como saberei reconhecê-lo? Abrem-se as portas para a experimentação, o mistério, a aventura. Não é a falta de amor que acaba com a maioria das relações, é, antes, a falta de comunicação.

Atualmente, como sociedade, estamos a fazer pouco sexo. Claro está que nos referimos a sexo com consentimento e não o sexo subjacente ao dever conjugal da mulher de outrora. Mas é necessário reacender o desejo erótico e a excitação, quebrar a rotina, promover a fantasia e a imaginação, promover a libertação. Porque o sexo é um potente ansiolítico, diminui o stress, potencia o sistema imunitário, melhora o sono e aumenta a sensação de bem-estar.

O tamanho não importa mesmo. E o melhor comprimidinho para dormir é o orgasmo. Fica a dica.

 

1 Comment

  1. João Gomes

    Excelente artigo. Seria interessante continuar esta linha de pensamento no que toca à relação convencional humana. A monogamia será uma atitude natural do ser humano e desejo humano ou é uma ação condicionada pela sociedade? Como refere parte do artigo, o proibido é atrativo, que problemas poderá trazer? Espero que continuem as explorações a estas temas muito pouco falados para o que seria necessário, cumprimentos

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