O documento afirma que não é justificável, do ponto de vista ético e científico, que os países com menos recursos tenham acesso a essas tecnologias muito depois dos países ricos. Para Ana Catarina Gomes, doutorada em Biologia Molecular e CEO da startup portuguesa CBR Genomics, “a tecnologia genómica evoluiu de uma forma muito acelerada na última década”, mas existem problemas estruturais que precisam de resposta.
Atualmente, a genómica aplicada à prática clínica apresenta-se como uma ciência capaz de prever, diagnosticar, prevenir, monitorizar e tratar várias condições genéticas. Este avanço tem ganhado forma nos últimos anos em países com rendimentos mais altos, segundo a OMS, mas os atrasos ainda são grandes nos territórios mais pobres.
“A OMS propõe uma integração da genómica como parte do pilar da saúde global e distingue claramente dois eixos relacionados com a saúde humana: a análise de agentes patogénicos, como foi o caso da resposta ao vírus SARS-CoV-2; e a genómica humana, essencial na prevenção, diagnóstico, gestão e tratamento de doenças genéticas”, explica a bioquímica.
Para a OMS, as sociedades de medicina, saúde pública e biomedicina, assim como as academias, devem ajudar a clarificar e promover junto da população os benefícios da genética, incentivando os Estados-membros a adotarem estratégias para aproximar esta ciência dos seus cidadãos.
Neste documento, a organização propõe-se a criar um Comité para a Genómica, por forma a salvaguardar uma maior equidade no acesso, e identifica ações a serem promovidas em quatro temas: promoção da genómica, implementação de metodologias uniformizadas, colaboração entre entidades e foco nas questões éticas, legais e sociais levantadas pelas abordagens genómicas.
A dificuldade no acesso às tecnologias é um dos maiores problemas levantados pela OMS, mas Ana Catarina Gomes sublinha ainda a importância de mudar comportamentos a montante. “Existe uma imensa diversidade genética na população humana, mas nem todas as populações se encontram bem caracterizadas, estando algumas sub-representadas nas investigações científicas, o que depois tem um impacto significativo na forma como estas poderão beneficiar das abordagens genéticas na sua gestão de saúde”, explica.
Ainda assim, a especialista acredita que este relatório já é uma conquista: “É muito curioso que o primeiro tema analisado pelo Conselho Científico da OMS tenha sido a evolução da tecnologia genómica e a necessidade de se acelerar o seu acesso às populações. Este será, talvez, um reconhecimento da importância e do impacto da genómica na saúde pública global.”
“Em Portugal coexistem diferentes realidades dependendo da área e setor das aplicações genómicas”, segundo a bioquímica. “Na crise pandémica da COVID-19 houve uma excelente articulação entre Estado, academia e indústria, o que permitiu uma eficiente monitorização das estirpes em circulação, assim como na resposta à Monkeypox — a primeira sequência do vírus foi obtida em Portugal”, acrescenta.
Já na área da saúde, “a capacidade de resposta à genómica humana, em contexto clínico, é ainda muito limitada”. Ana Catarina Gomes afirma que o número de profissionais de saúde é insuficiente: 75 médicos geneticistas (dos quais 22 com idade superior a 65 anos) para dar resposta a toda a população.
“Ao nível do conhecimento, é preciso fazer um enorme trabalho de sensibilização dos profissionais de saúde para as doenças genéticas que não são, de todo, raras — existem mais de 6 mil doenças genéticas e estima-se que cerca de 1 milhão e meio de portugueses sejam afetados por uma dessas doenças”, conclui.
PR/HN/RA
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