Acácio Gouveia Médico de Família aamgouveia55@gmail.com

Abortos

07/24/2022

A lógica é sempre o mais fácil, é sempre o caminho mais simples. Infelizmente, o mundo não se compadece com essas invenções.

José Luís Peixoto

 

Abortou o indicador do BI sobre o aborto, após breve discussão pública, que mais se pareceu com um verdadeiro “aborto”. Não me parece que a decisão de deixar cair o indicador sobre as IVG e DST nos ficheiros dos MF fosse consequência de razoável maturação, mas de puro cansaço. Tivemos bem mais ruído do que exercício de racionalidade.

Salvo melhor opinião (sim, porque este ajuntador de ideias não seguiu em profundidade a discussão, apenas pela rama), há a registar uma ocultação seguida de duas falácias que se impuseram.

Começou por se obnubilar a questão das DST (mais espinhosa) e centrar na IVG a polémica. Depois avançaram as falácias.

Primeira: não se tratava de punir os que apresentassem elevado número de IVG nos respetivos ficheiros, mas de premiar aqueles que apresentassem menos casos. Se um(a) MF conseguir um reduzido número de IVG ou DST, parece-me (digo eu!) que estará a prestar um bom serviço às mulheres em idade fértil do seu ficheiro. Porque não recompensá-lo(a)? Recusar premiar o bom desempenho é privilegiar a mediocridade, é decapitar a excelência.

Segunda: argumentou-se que as IVG não eram decisão dos clínicos, mas sim das mulheres. Portanto, seria intolerável que estas pudessem sofrer a interferência daqueles, na sua soberana tomada de decisão, ou que seria injusto que o(a) clínico(a) fosse responsabilizado(a) pela opção da mulher. Ora, mulher que não engravida não precisa de tomar decisões sobre a continuação duma não gravidez e, portanto, não se põe, neste caso, a magna questão do livre arbítrio. A ideia parece ser gerar problemas desnecessários para poder usar a liberdade.

Em resumo: primeiro há uma inversão nos termos, escondeu-se a lógica do prémio, por detrás do espantalho da punição, depois criou-se um alibi para o mau desempenho dos clínicos(as): o livre arbítrio dos doentes/utentes.

Mutatis, mutantis, esta argumentação pode estender-se a virtualmente todos os parâmetros da avaliação de desempenho: controle de diabetes, de HTA, rastreios, saúde infantil, etc., etc.. Não se pode “punir” quem não tiver resultados e se alguém há que responsabilizar são os utentes/doentes, que são livres de seguir ou não as prescrições médicas. É o triunfo da mediocracia.

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