Marta Temido conseguiu uma longevidade na pasta da saúde pouco comum. Desde a criação do ministério, em 1983, apenas 3 ministros conseguiram alcançar os 4 anos de mandato: Leonor Beleza com 4 anos e 2 meses, Maria de Belém, atingido precisamente 4 anos, e por fim, Paulo Macedo, que beneficiando de ter tomado posse em junho, alcançou os 4 anos e 4 meses. A atual ministra demissionária, com a tomada de posição de António Costa de prolongar o seu mandato pelo menos mais duas semanas, será o 4º detentor da pasta com maior tempo de funções.
Esta longevidade trouxe um carrossel de pontos altos e baixos. Começando pelos conflitos laborais, nunca resolvidos e sempre em sentido crescente, a resposta à pandemia, que apesar de tudo a transformaram na ministra mais popular do governo, ao ponto de Costa a nomear como possível sucessora, e o período pós pandémico, onde estranhamente para um governo recém-empossado com maioria absoluta, não houve capacidade nem energia para abordar os problemas que o setor apresenta.
Não sabemos quem será o próximo responsável pela pasta da saúde. Mas sabemos duas coisas, que tem um conjunto de problemas para resolver com urgência, e que é leitor assíduo do HealthNews, pelo que tomei a liberdade de sistematizar e descrever os principais problemas que devem ser resolvidos nos primeiros 100 dias:
- Um plano para os recursos humanos em saúde. O novo ministro(a) terá de ganhar o braço ferro com as finanças, e iniciar uma série de profundas reformas. Os auxiliares de saúde têm de ter uma carreira própria e não uma categoria geral onde têm as mesmas competências que jardineiros. Também não podem continuar a trabalhar pelo salário mínimo. Recrutar auxiliares de saúde é cada vez mais difícil, afinal de contas, quem quer um trabalho duro, por turnos, pouco valorizado e pelo salário mínimo? Sem qualquer expectativa de progressão, formação ou desenvolvimento profissional? É preciso resolver esta situação. E não podemos ter concursos urgentes para auxiliares abertos há anos, com várias entrevistas e testes pelo meio. A burocracia que a gestão pública arrasta consigo é absurda e afasta as pessoas.
Os técnicos de saúde precisam de ver os seus anos de serviço contabilizados. Não podemos ter técnicos com 15 anos de serviço com o mesmo salário de alguém saído da faculdade. Precisam que a sua profissão seja repensada. O conselho dos técnicos é uma miragem em muitos hospitais, e as suas competências podiam ser revistas e aumentadas.
Os enfermeiros precisam de ver a sua carreira realmente revista, os anos de serviço contabilizados, e de ter uma ideia de futuro para a profissão. Bem sei que esta reflexão não é um exclusivo do ministério, mas alguém tem de iniciar este processo. O sistema de saúde português tem vícios que nem os sistemas ricos apresentam. A forma como não aproveita o talento, saber e vontade dos enfermeiros chega a ser insultuosa. Uma medida indispensável para salvar o SNS, melhorar a equidade e o acesso aos cuidados, passa por aumentar as competências dos enfermeiros. Associado a uma formação especifica e remuneração adequada, e esta será uma das chaves essenciais para a modernização da saúde em Portugal.
Os médicos também necessitam de ver a sua carreira revista. Precisam que as suas expectativas sejam tidas em contas por quem gere recursos humanos. A facilidade com que o serviço privado recruta médicos no SNS deveria tocar todas as campainhas de alarme no ministério.
- Melhorar a equidade no financiamento nos cuidados de saúde. Não há outra forma de encarar a situação: a obtenção de recursos para financiar os cuidados de saúde é profundamente desigual e está a criar uma barreira no acesso. O montante imputado às famílias é cada vez maior e a despesa pública diminui em proporção. A despesa das famílias em saúde cresceu sempre a um ritmo superior ao da despesa pública em saúde no período entre 2006-2019, atingindo o valor de 30,6% imediatamente antes do início da pandemia Covid-19.
Esta alteração na forma de obter recursos para financiar a despesa de saúde, prejudica gravemente o objetivo de equidade no acesso aos cuidados de saúde. É uma barreira inaceitável, que deixa os mais vulneráveis fora do sistema, que tenderá a agravar com a escalada da inflação.
A grande maioria destes gastos, superior a 76%, recai em três categorias: i) ambulatório privado, urgências, consultas, exames; ii) medicamentos; iii) co-pagamentos efetuados em hospitais privados. Com investimento e consequente melhoria na dimensão da oferta, produtividade e eficiência, conseguimos diminuir duas das rúbricas. Os medicamentos, desde a massificação dos genéricos, que têm perdido peso relativo, embora haja margem para uma reflexão sobre se não seria possível ajustar a comparticipação em alguns grupos populacionais.
- A sustentabilidade não pode ser apenas financeira, tem igualmente de ser ambiental. Especialmente num contexto de choque energético, e onde o setor da saúde é responsável por 5% das emissões dos gases com efeito de estufa, é importante produzir um plano para tornar a saúde sustentável do ponto de vista ambiental, sem esquecer a melhoria da sua eficiência energética.
Infelizmente, os problemas no setor não se resumem apenas a estes três. Há muito mais para resolver a médio e longo prazo. Mas se ao fim de 100 dias, a futura equipa ministerial conseguisse demonstrar como planeia abordar e resolver estas três questões, com certeza o SNS caminharia para um período de sucesso e sossego, entrando apenas na agenda mediática por bons motivos.
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