HealthNews (HN) – Quais são os aspetos mais inovadores do estudo “Católica H360º – Uma Visão Integrada do Cancro da Mama em Portugal”?
Luís Costa (LC) – Sobre o cancro da mama existem muitos estudos porque é uma doença altamente prevalente, com um cariz social e psicológico muito importante. Mas essas investigações são feitas sobretudo a partir da ciência e da perspetiva dos médicos. O estudo “Uma Visão Integrada do Cancro da Mama em Portugal” tem características diferentes. É uma visão que adaptou o conceito de “Avaliação 360º” ao contexto da Saúde para captar e compreender as múltiplas dimensões desta doença.
Isso significa que fomos à procura das perspetivas das doentes, dos prestadores de cuidados – médicos, enfermeiros, pessoas que trabalham no front office – gestores e administradores hospitalares, para percebermos quais são os constrangimentos (e também as qualidades e virtudes que possuímos) para obtermos o melhor resultado.
Nas diversas fases foram aplicadas diferentes metodologias, desde a análise de qualidade de vida das doentes à realização de questionários sobre aspetos muito práticos. Por exemplo, tempo de deslocação até ao local de tratamento, se conseguiam continuar a trabalhar ou não, ou mesmo algo tão simples como o número de senhas que precisavam de tirar até finalmente terem a consulta e começarem o tratamento. Todos estes aspetos contam imenso na vida e no dia-a-dia das pessoas.
Também analisamos se os indicadores de qualidade eram cumpridos pelos sete hospitais que participaram no estudo: IPO, hospitais centrais, hospitais distritais e um hospital privado.
HN – Quais os resultados que mais o surpreenderam no que diz respeito ao impacto da doença na vida das mulheres?
LC – Em primeiro lugar, quase 50% das mulheres mais jovens têm que manter-se em atividade laboral durante o tratamento. Constituem uma parte importante da economia familiar e não é fácil continuarem a trabalhar enquanto estão a receber tratamento.
Por outro lado, só 20% conseguiram ter ajudas sociais. Já apresentamos esta questão na Comissão Parlamentar da Saúde e, na minha opinião, é preciso analisar qual o melhor enquadramento legal relativamente ao apoio que é necessário prestar às mulheres nestas circunstâncias.
Outro aspeto que me surpreendeu foi o facto de ser no momento da realização da mamografia, através do radiologista, que as mulheres têm conhecimento de que têm um problema sério da mama. E nós sabemos que entre essa informação e a consulta – em que a mulher é informada dos procedimentos que vão ser realizados, do diagnóstico definitivo e do plano terapêutico – decorrem dias e, por vezes semanas de angústia e de preocupação.
No que diz respeito à qualidade de vida, quase 50% das mulheres, mesmo quando operadas com intuito curativo, persistem com dores no local da operação. São sequelas da cirurgia e também da radioterapia. Este não é um problema novo, já tinha sido identificado noutros estudos, mas constata-se que a Medicina e a Ciência têm de evoluir para diminuir a morbilidade nas mulheres.
HN – E do ponto de vista da resposta hospitalar?
LC – Do ponto de vista dos principais indicadores de performance, é curioso verificar que a grande maioria dos hospitais (independentemente de serem hospitais distritais, centrais ou os IPO), cumpre esses indicadores. Por exemplo, indicadores que avaliam o tempo que medeia entre a mamografia e a biópsia, intervalo de tempo entre a biópsia e a cirurgia, etc.
Realmente, chamou-nos a atenção o facto de existir uma equidade bastante razoável nos diferentes hospitais, com maior dificuldade no estadio III da doença, em que se levantam um pouco mais de questões sobre os primeiros passos terapêuticos.
Por fim, é importante sublinhar que, particularmente no sistema público, os dois grandes constrangimentos expressos quer pelas equipas médicas, quer pelos administradores hospitalares, são o acesso aos exames complementares de diagnóstico e à composição multidisciplinar das equipas, fundamental para o sucesso no tratamento do cancro da mama.
A “pathway” do cancro da mama começa no rasteio e, a partir do momento em que é identificada uma lesão, no acesso rápido ao diagnóstico e ao plano terapêutico. Isso significa que tem de haver capacidade de resposta nos diferentes níveis: imagem, anatomia patológica, cirurgia, radioterapia, oncologia médica, fisioterapia, farmácia, etc. Mas o volume de doentes que está a chegar aos hospitais é muito elevado, as equipas não tendem a aumentar (antes pelo contrário) e isso cria constrangimentos.
HN – A falta de integração dos cuidados de saúde primários com os secundários foi outra das barreiras identificadas no estudo?
LC – Os doentes têm de ser orientados rápida e eficazmente. O médico de família precisa de ter canais abertos para que a pessoa seja recebida num hospital para o respetivo diagnóstico e tratamento.
Na minha opinião, há uma grande falta de organização na forma como os doentes devem ser referenciados e, claramente, essa é uma questão de gestão e de recursos humanos.
HN– Quais as medidas preconizadas para ultrapassar essas barreiras e dificuldades?
LC – O estudo apresenta propostas muito positivas mas heterogéneas porque os focus group finais foram constituídos por médicos, administradores, representantes de associações de doentes, etc. Portanto, representam a sensibilidade de cada um destes grupos. Mas, claramente, apontam a importância do rastreio, do acesso precoce ao diagnóstico e aos meios complementares necessários para o estadiamento adequado da doença, a importância de um melhor conhecimento através do Registo Oncológico, a adequação do espaço das estruturas públicas e dos recursos humanos para receber tantos doentes.
A investigação também foi referida mas eu, que estou muito ligado à investigação, penso que essa é uma das falhas do sistema mas não a principal.
HN – Qual é a falha principal, na sua perspetiva?
LC – Dois aspetos: um rastreio estabelecido e muito bem feito a nível nacional e, em segundo lugar, um acesso rápido através de uma Via Verde bem definida. A partir do diagnóstico ou do momento em que se suspeita de cancro da mama, a mulher deve ter acesso ao médico assistente que, por sua vez, deverá ter acesso a uma estrutura hospitalar que dê resposta cabal ao problema dessa doente.
Entrevista de Adelaide Oliveira
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