Como revelou hoje à Lusa a cineasta que desenhou e dirigiu “História trágica com final feliz” (2007), em causa está uma curta-metragem com duração até 16 minutos e cujo título provisório é “As caras da mãe”.
A obra ainda está em fase de escrita do ‘storyboard’, para o que teve o apoio do Instituto do Cinema e Audiovisual, e deverá “demorar muito tempo” a ficar concluída devido a circunstâncias pessoais na vida atual da realizadora, mas é um projeto que a cineasta considera “biográfico e para cumprir”.
“A minha mãe, que já morreu, tinha esquizofrenia, com múltipla personalidade. Na última fase da sua vida, aos 80 anos, já velhinha e com artrose, mal conseguia andar e, como antes era uma pessoa muito ativa, andava frustrada, com aquela energia toda ali contida. Então um dia, para a manter ocupada, pedi-lhe que me fizesse um desenho e, enquanto outros diriam ‘deixa-me em paz’, ela disse ‘pode ser’ e começou a rabiscar no meu iPad”, contou Regina Pessoa.
Percebendo o potencial desses traços, a realizadora guardou então os desenhos de Maria Póvoa da Cruz, que foram “feitos com o dedo e são muito naïves”, mas passam uma mensagem “tão poderosa” que a filha quer partilhá-la com o público. “Mostram uma pessoa que nunca tinha usado um ‘tablet’ ou um computador e que, de repente, começa a expressar-se com desenhos, a animar-se com eles”, explicou.
Para “As caras da mãe”, a cineasta vai recorrer ao seu traço característico, mantendo o que reconhece como a sua “linguagem pessoal”, mas cruzando-a com outras soluções técnicas.
“Pela minha formação em Pintura, venho do analógico, do orgânico, do manual. A certa altura, no entanto, fui aprendendo desenho digital, que é a ferramenta dos nossos dias, e, como cruzei ambos os estilos no filme ‘Tio Tomás – A contabilidade dos dias’ [2019], agora, nesta curta sobre a minha mãe, voltarei a seguir pela via das técnicas mistas”, adianta.
O filme procurará dar a conhecer a realidade nacional com que Maria Póvoa da Cruz se deparou ao longo da vida, na sua condição de doente diagnosticada com esquizofrenia.
“Foi uma mulher que viveu num país muito pobre, durante a Ditadura, quando não havia acesso a ferramentas que a ajudassem a lidar com a sua doença. Seja antes ou depois do 25 de Abril, não foi fácil e eu quero mostrar esse percurso – a vida de uma mulher que, com várias personalidades, teve de criar dois filhos num país sem meios para gerir aquela situação”, disse a realizadora e filha da protagonista da história.
Com 52 anos de idade e 27 de carreira, Regina Pessoa já venceu múltiplos prémios de animação internacionais, como os associados aos Annie Awards e a festivais como o Anima Mundi, o Cinanima, o Fantasporto e Annecy.
A realizadora faz parte da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood e tem o seu filme “Kali, o Pequeno Vampiro” (2012) na lista de património cultural internacional da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO).
Em 2022, está a ter o que descreve como “um dos anos mais ativos de sempre”, marcado por presenças como oradora, formadora, júri e alvo de retrospetivas em países como França, Alemanha e Índia.
No início de novembro foi ainda distinguida com o Prémio Bárbara Virgínia, com que a Academia Portuguesa de Cinema reconheceu o seu “notável contributo para o cinema português”.
LUSA/HN
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