A Especialidade em Medicina de Urgência

11 de Dezembro 2022

O Colégio da Competência em Emergência Médica vem transmitir o que considera ser um esclarecimento relevante sob as principais dúvidas que têm surgido no âmbito da discussão da implementação da Especialidade de Medicina de Urgência em Portugal e, consequentemente, do alinhamento do nosso país com os restantes parceiros europeus e o mundo civilizado.

Pela definição da Sociedade Europeia de Medicina de Urgência (EUSEM) a Medicina de Urgência é uma especialidade baseada em conhecimentos e competências necessárias para a prevenção, o diagnóstico e o manuseamento dos aspetos agudos e urgentes de doenças e lesões no vasto espectro da doença física e comportamental, que afetam todas as faixas etárias. Esta Especialidade, na qual a atuação atempada é um fator crítico e a eficiente gestão de circuitos imperativa, abrange o pré-hospitalar, a admissão ao hospital, a ressuscitação, e o manuseamento de casos urgentes e emergentes até à alta ou transferência para outro médico ou Especialidade. A Especialidade em Medicina de Urgência procura desenvolver uma abordagem padronizada, supervisionada e integrada, com foco não só no doente individual, mas também na população em que se insere.

A especialidade da Medicina de Urgência é firmemente reconhecida a nível mundial e em especial na Europa como está refletido no reconhecimento formal pela Diretiva 2005/36/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 7 de setembro de 2005. Atualmente esta especialidade existe em 32 países da Europa e em mais de 80 países mundialmente.

Portugal é um dos quatro países que, a nível europeu, ainda não aprovaram esta especialidade.  Espanha já implementou a Especialidade nas Forças Armadas e encontra-se na fase final do processo de aprovação tendo recebido o aval da Ordem dos Médicos Espanhola.

O Colégio da Competência em Emergência Médica decidiu em 2019, avançar com a formalização da proposta de implementação da Especialidade, na linha das anteriores Direções deste Colégio. Foi criado e nomeado um grupo de trabalho pelo Conselho Nacional, que elaborou o relatório final que dá parecer favorável e que é apresentado aos digníssimos Membros da Assembleia de Representantes da nossa Ordem dos Médicos, para ser votado no dia 12 de dezembro de 2022.  No decurso deste processo foram surgindo dúvidas legítimas na Comunidade Médica. Foi com esse intuito que se elaboraram, em formato de pergunta/resposta, os pontos abaixo elencados, esperando dar o nosso contributo para a clarificação de aspetos que nos últimos dias foram objeto de discussão pública, muitas das vezes sem o rigor científico que se deseja.

Desejamos ainda agradecer ao Grupo de Trabalho da Ordem dos Médicos e ao Conselho Nacional todo o trabalho exaustivo e rigoroso desenvolvido, bem como as críticas construtivas que permitiram elaborar um relatório coeso e bem fundamentado e em particular ao nosso Bastonário pela confiança depositada no Grupo de Trabalho. O nosso agradecimento também para a Sociedade Europeia de Medicina de Urgência / Emergência, para a Federação Mundial de Medicina de Urgência/Emergência, ao American College of Emergency Physicians e aos nossos colegas da Sociedade Espanhola que vieram publicamente apoiar este processo. Aos inúmeros colegas de todas as especialidades que têm vindo a manifestar o firme apoio a este caminho encetado no seio da nossa Ordem, queremos agradecer em especial. É pelos doentes que propomos reformas estruturais. São eles o nosso foco.

  • A Especialidade em Medicina de Urgência é uma Especialidade “nova”?

Não. A Especialidade nasce no início da década de 70 nos Estados Unidos, prosseguindo a sua evolução pelos 5 continentes. Portugal é dos 4 países Europeus sem a Especialidade (Chipre, Espanha, Áustria), sendo que a Espanha já a aprovou em 2016 na área militar e está na fase final de aprovação legal da mesma igualmente para o sector civil.

O seguinte mapa demonstra a implementação mundial e na Europa:

  • Quais os objetivos que justificam a implementação da Especialidade em Medicina de Urgência?

Os principais objetivos prendem-se com a melhoria qualitativa de cuidados médicos de urgência, acesso equitativo em todo o território nacional e com a garantia do controlo formativo pela Ordem dos Médicos. A situação grave que se vive no país é de causa multifatorial, mas a inexistência de uma carreira especializada e dedicada nesta área criou condições para que as fragilidades existentes se potenciassem ao ponto de rotura atualmente existente.

3)      Que vantagens traz para o sistema?

  • Possibilidade de alocar Especialistas dedicados em Serviços de Urgência Básica, Urgências Médico-Cirúrgicas, Polivalentes, Instituto Nacional de Emergência Médica e outras áreas dedicadas à medicina de urgência. Desta forma garantimos a presença e coordenação médica firme em todo o sistema, reduzindo o risco de substituição de Médicos por outras classes profissionais.
  • Especialização nas temáticas da clínica de urgência de acordo com as melhores práticas
  • Sentido de pertença ao seu Serviço, mantendo uma atividade estruturada e contínua facilitando a gestão dos problemas clínicos, resultando em ganhos determinantes em saúde.
  • Organização mais eficiente em toda a rede de Urgências.
  • Redução do número de Médicos tarefeiros não-Especialistas nos SU (muitas vezes sem formação adequada que garanta segurança aos nossos utentes).
  • Menor necessidade de transferência inter-hospitalar de doentes.
  • Promoção de mais investigação e alinhamento na comunidade científica internacional e permitindo um planeamento a longo prazo, e consequentemente, melhor gestão.
  • Especialistas motivados com carreira dedicada contribuem para melhorar a eficiência de serviços de urgência

4)      Que benefícios acrescenta para os doentes?

  • Disponibilizar Médicos especialistas em urgência com conhecimento e competências, de acordo com o estado da arte, para lidar com as situações que acorrem ao serviço de urgência melhorando a qualidade de atendimento e tornando mais eficiente e efetivo o serviço

5)      A Especialidade vai resolver todos os problemas dos SU?

  • A implementação da Especialidade não resolverá todos os problemas, mas irá resolver uma parte importante da problemática dos SU que se arrasta há décadas. É parte integrante da solução, que deve ser multifatorial e a única que está exclusivamente na mão dos Médicos, e não dos decisores políticos. Aguardar, como muitas vezes é advogado, que bastaria retirar “verdes e azuis” dos SU, transferindo o ónus para a Medicina Geral e Familiar ou responsabilizando os Utentes pelos problemas atuais, é irreal e incorreto. Esta conduta não só omite a falta de Especialistas nos Serviços de Urgência Básica e muitas Urgências Médico Cirúrgicas e Polivalentes, como significa continuar com as mesmas supostas soluções cujos resultados estão à vista.
  • Não é única peça de um puzzle de reformas estruturantes, necessárias para um processo dinâmico que requer constante adaptação a mudanças sociais, económicas e culturais e mesmo organizativas, mas pode assumir uma função de alavanca para reformas, fator integrador e estabilizador, sob controlo estrito da Ordem dos Médicos. A formação contínua e padronizada, organizada por via do internato, devidamente avaliada pela Ordem, é a grande mais-valia dos modelos de especialização médica em Portugal. Na Medicina de Urgência e Emergência em Portugal essa formação não existe. Como consequência temos preocupantes anomalias no recrutamento de Médicos para Serviços de Urgência Básica, médico-cirúrgico Cirúrgico e Polivalente onde não existe um controlo efetivo dos níveis formativos e atualizações / recertificações dos profissionais recrutados com repercussões na qualidade assistencial.

6)      Pretende-se com a sua criação retirar as restantes Especialidades dos Serviços de Urgência?

  • Claramente a resposta é “Não”.
  • Este argumento tem sido usado de forma pouco correta por parte de opositores deste caminho. Os Especialistas em Medicina de Urgência virão preencher um vazio existente em toda a rede e irão reequilibrar os recursos médicos nos SU, que estão em sério risco de colapsar, como se compreende com os últimos desenvolvimentos no preenchimento de vagas de formação específica. Importa ainda referir que os Serviços de Urgência como escola de formação de todas as Especialidades, beneficiam de um staff multidisciplinar, do qual esta Especialidade fará parte.
  • Também é da maior importância criar condições para acabar com o desvio sistemático de equipas clínicas para a urgência em detrimento das suas outras funções, sabendo-se aliás que desviar médicos do internamento para a urgência tem efeito negativo na capacidade de absorção dos doentes que requerem internamento
  • A manutenção de várias especialidades nos SU a quais pode ser atribuída com os critérios muito abertos e facilitadores de uma admissão por consenso com uma fase alargada de transição, apresentados na proposta, é a garantia para que transite gradualmente, com rigor e responsabilidade, para um modelo mais eficaz, valorizando quem exerce já com dedicação e qualidade no Sistema Nacional de Saúde.
  • Com a evolução da ciência médica e o cada vez maior nível de especialização, além de ser importante desenvolver esta especialidade, é também claro que em muitas situações será necessário envolver outras especialidades clínicas, como aliás é cada vez mais o dia a dia da assistência médica a todos os níveis.

7)      Os futuros Especialistas onde irão exercer?

Os especialistas em Medicina de Urgência podem exercer a sua atividade e garantir o controlo médico em:

  • Serviço de Urgência Básica (SUB)
  • Serviço de Urgência Médico-Cirúrgico (SUMC)
  • Serviço de Urgência Polivalente (SUP)
  • Emergência Pré-Hospitalar (VMER e Serviço de Helicópteros de Emergência Médica (SHEM) e Coordenação – (CODU))
  • Medicina de Catástrofe
  • Missões Humanitárias
  • Formação médica e de outros profissionais de saúde
  • Planeamento e prevenção, incluindo saúde pública, educação da população, formação de agentes de proteção civil etc.

8)      Que formação é preconizada?

O Curriculum Europeu devidamente adaptado à realidade Nacional, com 5 anos de Internato, como proposto no relatório final. Essa formação garante qualidade e a cobertura das exigências plasmadas no curriculum europeu e nas linhas orientadoras da UEMS. Competirá ao Colégio instalador optimizar a proposta que pode e deve ser objecto de melhoria constante, em discussão multidisciplinar.

9)      Quem serão os Formadores dos futuros Internos?

  • Como já referido é proposta uma admissão por consenso que permite a criação de um pool de orientadores competente e vasto em todos os pontos da rede de urgência. Esses Especialistas, entre outros que serão responsáveis pelas valências parcelares, serão a coluna dorsal inicial que garante uma visão multidisciplinar baseada em experiência profissional e saberes bem fundamentados.

10)   Qual é a linha orientadora da admissão por consenso?

A proposta de admissão por consenso está descrita no relatório final e está baseada em 3 pressupostos:

  1. Valorizar quem exerce nos SU, independentemente da Especialidade Clínica de base.
  2. Garantir o equilíbrio entre exigências de critérios de admissão e as necessidades pragmáticas que garantem motivação para os colegas mais novos com o desejo de se dedicarem a esta Especialidade.
  3. Assegurar que a área Pré-Hospitalar não seja uma área de exercício mandatária para a admissão, podendo qualquer colega poder candidatar-se mesmo sem experiência nessa vertente.

11)   Vai esta especialidade prejudicar a formação dos Internos das Especialidades atualmente presentes no SU?

  • Não e bem pelo contrário; a necessidade de os médicos das várias especialidades lidarem com as suas urgências e de trabalharem em equipe em situações de urgência requer que mantenham a formação nesse contexto

12)   Que consequências poderão surgir com uma não implementação da Especialidade?

  1. Manter a carência, não reconhecer a medicina de urgência como uma especialidade, estar desalinhado com a prática da maioria dos países europeus, manter a porta aberta ao exercício de não especialistas no serviço de urgência e com isso agravar a crise das Urgências já existente, com repercussões muito preocupantes para o país e os Portugueses.

 

Lisboa, 10/12/2022

O Colégio da Competência em Emergência Médica

4 Comments

  1. M. Glória Silva

    Concordo que SU, deveriam
    existir médicos especialistas
    em várias áreas, não só facilitava o trabalho aos médicos de clínica médica, como a maior rapidez no diagnóstico e tb serviria de ensinamento aos outros médicos de clinica medica. Não me posso alongar, mas é a minha opinião.

  2. CIAS

    Já percebi porque foram chumbados, querem vir meter-se em locais de trabalho onde agora laboram centenas de Colegas que o fazem bem e com esforço.
    Não precisamos desta especialidade para nada.
    Fiquem quietinhos.
    Boas festas.
    CIAS

  3. JPP

    Acho que estritamente necessária a criação desta especialidade em Portugal para melhorar parte dos problemas das nossas urgências onde trabalham médicos recém formados sem capacitação para o mesmo!
    Cumprimentos

  4. M.M.

    “vir meter-se em locais de trabalho onde agora laboram centenas de Colegas que o fazem bem e com esforço” CIAS
    Ninguém se “vem meter” no lugar de ninguém, e pressupondo que é médico, devido à utilização do termo “colegas”, deveria estar familiarizado que neste momento é fulcral a implementação desta especialidade, entre muitos fatores, reduzir o tempo de espera em urgências, prestar melhores cuidados de saúde em situações de emergência,… e poderia enumerar muitas mais vantagens. Seria algo com um valor crucial para esses seus “colegas”, pergunta-lhes antes de escrever estas barbaridades seria bem pensado. Um bem haja!

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