Nunca como naqueles tempos de menino senti a importância de chamar meu, àquela figura de bata branca.
Invariavelmente pela mão do meu saudoso pai íamos à consulta, ou por estar doente, ou apenas pela doçura de ouvir que estava tudo bem.
Aquele ar de uma ternura equilibrada pela suave autoridade de quem dirigia o exame, deixavam-me sempre tranquilo, aguentando estoicamente mesmo as manobras invasivas que causam o terror de cada criança.
Sabia, porque ele me tinha feito sentir, que era para meu bem.
Os desabafos com o meu pai contra as expectativas falhadas de uma tal Primavera Marcelista, ou o carpir das mágoas de mais um campeonato perdido para os rivais lisboetas, nesse período negro que forjou os que ainda são os verdadeiros portistas, por igual nas vitórias ou derrotas, eram a música de fundo que embalavam a empatia de um acto simplesmente humano.
Nunca esquecia um conselho de vida, sublinhado por um par de rebuçados, um afagar carinhoso da minha cabeleira à Beatle desses anos 60, antes de com mais um sorriso fechar a porta, para logo se abrir a outro ser humano em espera.
Como esquecer as vezes que tarde e a más horas, para hábitos de um pai de 6 filhos, foi a minha casa com a sua malinha à João Semana, confortar a minha mãe transtornada por um sarampo, varicela, parotidite e tudo a que naqueles tempos tínhamos direito.
Ou quando já aluno da faculdade me drenou com mestria um brutal abcesso da face, causado por uma barbicha de bode que mal despontava… apontando com inefável orgulho para o Diploma pendurado na parede que rezava: “ Dr JORGE SOUTO, licenciado em Medicina e Cirurgia pela FM do Porto” como era galhardia desses tempos…
Com esta imagem que guardei dessa figura tão central e vital do nosso Sistema de Saúde, como não estar disposto a lutar pela dignificação dessa carreira?
Ou como não achar que essa formação deve ser reforçada pela sua importância e dificuldades crescentes…
Ou que a Meritocracia deve premiar o esforço e a entrega dos que fazem da excelência técnica, apenas uma parte tão importante como o humanismo e empatia da relação humana…
Como não querer de forma solidária que esse direito de nações civilizadas, seja mesmo estendido a todos os recantos de Portugal…
Ou que o preconceito ideológico, ou as esfarrapadas desculpas de falta de recursos, impeçam as soluções óbvias de pedir ajuda nas franjas onde o estado tem dificuldade de cumprir esse direito básico…
E por ter visto essas reuniões de lista enxameados de colegas de MGF, imbuídos desse espírito de missão, de levar uma medicina diferenciada e humanista ao povo deste meu país, triste e desiludido ficaria, se em Janeiro de 2023, o universo dos meus colegas não desse uma oportunidade a este grupo de gente honesta e genuinamente empenhada, em fazer do Conselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos, um baluarte desta luta!
POR UMA MUDANÇA COM NORTE
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