Em declarações à agência Lusa, o presidente da Associação Nacional de Cuidados Continuados (ANCC) adiantou que nos últimos três a quatro anos o organismo tem recebido dezenas de queixas.
“Aconteceu agora, há muito pouco tempo, com uma colega de trabalho, em que o marido teve um AVC [acidente vascular cerebral] e fizeram-lhe uma pressão enorme para o enviar para casa”, relatou José Bourdain.
Perante os casos, o responsável questiona se “há alguma orientação, uma ordem dentro do próprio governo, do Ministério da Saúde, para que os hospitais procedam desta maneira”.
“Têm ordens para pressionar as famílias e os doentes para que estes vão para casa e libertem camas de hospital?”, questionou, referindo estar apreensivo perante os relatos que chegam à associação.
O responsável disse estar a par do atual estado do Serviço Nacional de Saúde (SNS), mas defendeu que “não é enviando pessoas para casa, quando deveriam ingressar na rede de cuidados continuados porque precisam de cuidados médicos e de enfermagem, e quando muitas vezes está em causa a sua reabilitação”.
Um dos relatos surge da parte de Luís Castanheira, que contou à ANCC para contar que o sogro, de 84 anos, sofreu um enfarte agudo do miocárdio em agosto e que esteve internado 37 dias no Hospital de Gaia, onde foram informados que o quadro clínico era “muito grave”, com possibilidade de falência de órgãos.
Depois de vários episódios de altas e reinternamentos hospitalares, a 23 de dezembro é dito à família que o hospital iria “iniciar o procedimento para transferência para uma unidade de cuidados continuados”, para três dias depois uma assistente social dizer à família que tem de ir buscar o doente.
O genro do doente diz mesmo que uma das médicas do Hospital de Gaia, que acompanhava o caso do sogro, “recusou-se a iniciar o procedimento para o transferir para uma UCC [unidade de cuidados continuados]”, com o argumento de que o doente “não tem os requisitos necessários”.
Apesar de a família referir que em casa não tinha possibilidade de prestar os cuidados, a opção do hospital foi a de encaminhar o doente para um lar, tendo apresentado três opções fora da área de residência, opção que acabaram por aceitar debaixo do que consideraram ser “uma enorme pressão, até chantagem emocional”.
Pressão essa que, segundo o relato, se traduziu em “sucessivos telefonemas” do hospital para que a família fosse buscar o doente, chegando a afirmar que iria “avançar com um processo judicial contra a família”.
“Conclui-se portanto que o hospital pretende a todo o custo ‘ver-se livre do doente’, que o hospital não cumpre com a lei, com os procedimentos implementados pelo SNS para encaminhamento do doente, totalmente dependente, para uma UCC. Existem os meios criados pelo Estado e pelas Instituições mas não existe a responsabilidade de alguns profissionais de saúde de atuarem como se espera, como devem obrigatoriamente proceder”, critica Luís Castanheira.
O presidente da ANCC diz ter alertado “quem de direito” para estas situações, dando como exemplo, com base nas queixas que chegam à associação, que os doentes são informados de que só há três unidades de cuidados paliativos no país e que nunca têm vagas, quando, frisou, “há mais de 30” e a rede está a 50% da sua capacidade total.
“Não sei que informação passa internamente na rede hospitalar pública, nem que tipo de orientação têm, só constato na prática que (…) não enviam as pessoas que precisam para as atuais camas da rede que estão disponíveis”, apontou.
Sobre a taxa de ocupação da rede de cuidados continuados, José Bourdain diz que esta ronda quase sempre os 100%, dizendo-se estupefacto quando a Entidade Reguladora da Saúde revelou, em outubro de 2022, que a lista de espera tinha diminuído 23% desde 2019 e um mês depois a Convenção Nacional de Saúde vem dizer que a mesma lista de espera aumentou 88%.
O responsável diz que há falta de camas na rede de cuidados continuados e alertou ainda para o subfinanciamento por parte do Estado, apontando que paga abaixo do preço de custo e não aproveita a capacidade instalada, tendo encerrado 207 camas entre 2021 e 2022.
A Lusa contactou o Ministério da Saúde e aguarda por esclarecimentos.
LUSA/HN
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