Região espanhola propõe que mulheres oiçam “bater do coração do bebé” antes de aborto

14 de Janeiro 2023

A região espanhola de Castela e Leão desencadeou uma polémica em Espanha por anunciar que vai propor às mulheres que querem abortar a possibilidade de ouvirem "o bater do coração do bebé" e de o verem numa ecografia 4D.

A região, no noroeste de Espanha, na fronteira com Portugal, é governada pela única coligação de direita e extrema-direita em Espanha, uma aliança dos partidos PP (Partido Popular) e VOX.

O anúncio de medidas “pró-vida” em Castela e Leão foi feito na quinta-feira, numa conferência de imprensa do vice-presidente do governo regional, Juan García-Gallardo, que pertence ao VOX (extrema-direita) e afirmou que as propostas resultam dos acordos que em 2022 levaram à formação da coligação no executivo.

García-Gallardo disse que as medidas abrangem a proposta “imperativa” por parte dos médicos às mulheres que querem abortar de uma série de possibilidades: acompanhamento “psicossocial”, ouvir “o bater do coração do bebé” e uma ecografia 4D (em quatro dimensões) na qual, através de um “vídeo em tempo real”, poderão ver o feto.

O objetivo é favorecer “o envolvimento emocional” com o embrião, afirmou.

García-Gallardo disse que estas medidas estavam “obviamente acordadas” com o parceiro de coligação e com o titular da pasta de saúde no governo regional, que é do PP, Alejandro Vázquez.

Após a conferência de imprensa, e quando cresceu a polémica dentro e fora da região, com acusações de “retrocesso” e de ataque aos direitos das mulheres, Vázquez fez “pequenas matizações” àquilo que havia sido apresentado por Juan García-Gallardo, dizendo que não haverá obrigação de propor estas possibilidades às mulheres e que imperarão critérios clínicos e as necessidades de prescrição médica.

Juan García-Gallardo insistiu ontem naquilo que anunciou na quinta-feira e o líder nacional do VOX, Santiago Abascal, sublinhou que está em causa “o direito às mulheres de ouvir o bater do coração do bebé”.

A direção nacional do PP, através de um porta-voz, Borja Sémper, disse ontem ao VOX que o Partido Popular, a maior força da oposição em Espanha, não está disponível para “engolir qualquer coisa” e que é possível compatibilizar políticas de incentivo à natalidade com “uma política clara de respeito pela liberdade da mulher”.

Já a presidente da região de Madrid, Isabel Díaz Ayuso, também do PP, juntou-se à polémica e anunciou onte, que o executivo regional vai criar uma linha telefónica para ajuda a mulheres grávidas “a favor da vida”.

Ayuso considerou que “está a sonegar-se” informação às mulheres jovens sobre “as consequências do aborto” e acrescentou que o PP está com “os não nascidos, os que nascem e os abandonados” e, assim, também com as grávidas.

A linha que anunciou é “a favor da vida” e “não é contra ninguém”, sublinhou.

Os partidos de esquerda e representantes de associações feministas e médicas, entre outras, condenaram os anúncios de Castela e Leão.

A direção nacional do Partido Socialista (PSOE, à frente do Governo de Espanha) reuniu-se ontem em Madrid e emitiu um comunicado em linha com a generalidade das críticas que se estão a ouvir, falando em “perseguição” às mulheres, “limitação de direitos” e “resposta reacionária”.

Os socialistas lembram que “o direito à interrupção voluntária da gravidez em Castela e Leão já está muito limitado” e acrescentam que “com este novo passo atrás”, as mulheres da região seriam colocadas “em épocas muito escuras”.

Na região de Castela e Leão, 97,6% dos abortos são feitos em clínicas privadas, por causa da elevada taxa de objeção de consciência de médicos nos serviços públicos (só um hospital público, em Burgos, faz interrupções voluntárias da gravidez).

A situação é bastante generalizada em toda a Espanha, onde, no conjunto, 84,4% dos abortos são feitos no privado. Para tentar mudar esta situação, o parlamento espanhol aprovou no final do ano passado uma proposta do Governo, que ainda tem de ser ratificada pelo Senado (câmara alta), que obrigava os médicos e outros profissionais a declarar a objeção de consciência perante as administrações de saúde, passando a mesma a ser válida tanto nos serviços públicos como nos privados.

Mas nem só da esquerda surgiram críticas a Castela e Leão nas últimas horas e o Cidadãos, partido liberal de direita, falou também em “ataque intolerável” aos direitos das mulheres e acusou o executivo PP-VOX de colocar a região “num túnel do tempo”, para a levar ao passado.

Para os críticos das medidas anunciadas, nada muda invocar que não serão obrigatórias e que as mulheres só aceitam se quiserem, por considerarem que a simples proposta é uma forma de coação e de julgamento da grávida que quer abortar.

LUSA/HN

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