Em entrevista à agência Lusa a propósito dos problemas dos serviços de urgência, o presidente da Comissão de Qualidade e Assuntos Profissionais da Federação Europeia de Medicina Interna advogou que “há uma série de medidas” que têm que ser tomadas para diminuir a sua sobrecarga e “não deixar que os doentes se acumulem nas urgências”.
O médico internista Luís Campos ressalvou, contudo, que o problema das urgências é “muito complexo”, não havendo por isso “uma solução simples”.
“As urgências são o espelho de todas as disfunções do sistema de saúde a montante e a jusante, mas são também o lugar onde as pessoas veem os seus problemas de saúde resolvidos e por isso continuamos a ter muita gente a ir às urgências”, salientou.
Luís Campos assinalou que Portugal é o país da Europa onde as pessoas recorrem mais à urgência hospitalar, seis em cada 10.
Para o especialista, é preciso atuar em todas as vertentes, nomeadamente na diminuição do número de doentes que acedem à urgência, um esforço que tem que ser feito através do aumento da capacidade resolutiva dos cuidados de saúde primários.
“Não é só preciso haver mais médicos de família, nem é só preciso haver mais USF [Unidades de Saúde Familiar]”, porque têm aumentado nos últimos anos e não teve “nenhum impacto” na redução da procura das urgências.
Isto quer dizer, argumentou, que é necessário “não só mais acesso aos médicos de família”, como haver “uma maior capacidade de resolução dos problemas, com exames complementares, por exemplo”.
Nos serviços de urgência também “há coisa a fazer”, disse Luís Campos, sublinhando que além de haver médicos, enfermeiros, auxiliares em “número suficiente”, “há soluções relativamente simples que não são tomadas e podiam ter um efeito imediato”-
Uma das soluções apontadas pelo especialista é separar os doentes com pulseiras “verdes” e “azuis” dos doentes com pulseira “amarela”, “laranja” e “vermelha”, os que têm “verdadeiras urgências”.
Para Luís Campos, os doentes não urgentes deviam ser “admitidos em sítios anexos ao serviço de urgência por equipas não hospitalares, mas que tenham a possibilidade de usar os exames complementares ou a consultadoria dos especialistas que existem na urgência ou até de fazerem a ‘retriagem’ dos doentes”.
“Isso teria um enorme impacto a nível da diminuição da demora média dos tempos de espera, porque muitos destes doentes não têm que fazer exames, o que precisam é de uma prescrição e ir embora”, afirmou, observando que são estes doentes que geralmente esperam longas horas nas urgências.
Esta medida contribuiria também para a redução da sobrecarga das equipas hospitalares, bem como para o aumento da sua segurança.
Por outro lado, podem ser promovidas campanhas públicas que alterem o comportamento das pessoas e “os próprios hospitais também têm responsabilidades”.
A este propósito, defendeu que os hospitais deviam ter programas de gestão dos doentes crónicos, complexos, geralmente idosos, com várias doenças e problemas sociais, que são “os grandes utilizadores” dos serviços de saúde.
Os doentes eram identificados, avaliados pelos médicos dos hospitais e era criado um plano individual de cuidados em conjunto com os cuidados de saúde primários.
Estes doentes teriam acesso a um gestor de caso, que habitualmente é um enfermeiro, que os ajudaria no caso de aparecimento de sintomas, dificuldades na medicação ou no acesso a consultas ou exames.
Luís Campos contou que o Hospital São Francisco Xavier, em Lisboa, implementou um programa deste e conseguiu reduzir em metade o número de urgências e em 40% os internamentos.
“Mas depois temos também que atuar a jusante do serviço de urgência, porque se os doentes se acumulam e não são drenados do serviço de urgência isso aumenta muito a sobrecarga a que estão sujeitas as equipas”, advertiu.
Para o especialista, tem que haver uma gestão comum de camas nos hospitais e “hospitais de retaguarda” para receber os utentes e resolver o “problema gravíssimo” dos doentes internados nos serviços de medicina por motivos sociais ou por estarem à espera de uma vaga na Rede de Cuidados Continuados Integrados, que constituem 25% dos doentes hospitalizados.
LUSA/HN
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