A educadora de infância Filomena Maia trabalha no IPO do Porto há 32 anos. Não sabe já quantas crianças, pais e mães conheceu, ao longo destas três décadas, mas se os vir na rua reconhece-os pelo nome ou pela voz.
“Somos uma família”, diz à agência Lusa, numa entrevista dedicada ao Dia Internacional das Crianças com Cancro que se assinala quarta-feira.
Filomena Maia é um dos rostos do “colinho” que Flávia Silva e Paula Vicente, mães de crianças que tiveram cancro e passaram pelo IPO do Porto, procuram quando lá têm de regressar para os exames de despiste da doença.
“Há quem diga que nunca mais volta ao 12.º piso [de pediatria oncológica do IPO] onde a Teresinha esteve internada. Não é o nosso caso. Se pudesse, era ali que ia sempre que a minha filha tem alguma coisa”, diz Flávia.
Mas não pode ser assim. “Há que os deixar ir. A determinada altura tem de ser”, responde a professora Renata Fernandes que acompanha as crianças internadas que estão a frequentar o 1.º Ciclo e faz parte de uma equipa educativa que tem duas educadoras de infância e dois professores.
A diretora do serviço de pediatria do IPO do Porto, Ana Maia, explica melhor. “O IPO não pode fazer a vigilância de pediatria geral de todas as crianças que foram tratadas aqui, mas sempre que necessário, os pais e os colegas [de outros hospitais e dos cuidados primários] podem contactar-nos. O pediatra de serviço é logo acionado quando um colega tem alguma suspeita. Podemos antecipar consultas que estavam programadas ou marcar consultas de imediato”, descreve.
Ana Maia percebe, dos pais, “a sensação de proteção” que o hospital oncológico que conheceram numa fase tão difícil da sua vida lhes transmite.
Filomena Maia acrescenta: “Não que [os pais] não confiem nos outros médicos, mas os médicos daqui têm outro peso”.
É isso que sente Paula Vicente. O IPO é para ela um “porto seguro”, tal como foi mais de um ano a casa da Acreditar no Porto onde viveu com a filha e onde chegou a passar um Natal.
Filomena Maia e Renata Fernandes conhecem esta narrativa. Não raras vezes – embora a pandemia da Covid-19 tenha introduzido novos hábitos – recebem na salinha de atividades do IPO crianças e pais que já tiveram alta.
“Tive uma criança que me perguntou quando teve alta: ‘e agora onde é que eu vou brincar?’”, conta a educadora, sem esconder que ela própria se confronta com a dificuldade de conciliar a felicidade de ver uma criança sair do IPO e a gestão da angústia que vê nos olhos dos pais.
Já Renata Fernandes alerta para a necessidade de serem criados grupos de suporte emocional dedicados a pais e admite ser “impossível ver e participar num processo de mudança e fragilidade tão intenso e não ter uma sensação de paternidade”.
Em Portugal são diagnosticadas, anualmente, cerca de 400 crianças com cancro. A taxa de cura ronda, atualmente, os 80%, sendo superior à da maioria dos casos em adultos.
“São percentagens. Valem o que valem. Eu não falo em percentagens porque cada criança é uma criança”, diz Ana Maia à Lusa, acrescentando que “as taxas de sobrevivência são diferentes conforme a criança e o tipo de cancro”.
A equipa inter-hospitalar em cuidados paliativos pediátricos do IPO do Porto organiza, anualmente, um encontro de famílias de crianças que faleceram no serviço.
Questionada sobre o objetivo deste encontro, Filomena Mais regressa ao ponto de partida da conversa com a Lusa: “Porque somos uma grande família”. Segundo a educadora, este encontro serve para que, quem viveu “uma experiência traumática que é a perda de um filho, possa estar com quem compreende”.
“Só eles se reconhecem uns aos outros nessa situação. As pessoas percebem que apesar das crianças terem falecido, a nossa relação não termina ali. Podem contar com o serviço. Podem ligar-nos. Estamos aqui para eles”, vinca.
No IPO do Porto também existe um grupo com o nome “Veteranos” que reúne jovens e adultos que foram crianças com cancro, sobreviventes que se encontram e dinamizam atividades.
LUSA/HN
0 Comments