Sociedade quer comissão de ética para casos de internamento compulsivo

15 de Fevereiro 2023

A Sociedade Portuguesa de Psicologia Clínica defendeu que a Lei da Saúde Mental deve prever uma comissão de ética para casos de internamento compulsivo, para definir o limite das intervenções e sistematizar critérios de risco.

Maria Isabel Prata Duarte, da sociedade, que na terça-feira foi ouvida pelo grupo de trabalho da Comissão Parlamentar de Saúde no âmbito da revisão da lei da saúde mental, admitiu a possibilidade de se usar as comissões de ética já existentes como órgão consultivo.

Referindo-se ao tratamento compulsivo – ao qual prefere chamar “involuntário” -, disse que esta comissão poderia “ajudar a definir o limite das intervenções nas situações agudas e crónicas e a sistematização de critérios de risco”.

A este respeito, Jorge Gravanita, também da Sociedade Portuguesa de Psicologia Clínica, lembrou que “não há a montante quem defina regras sobre o tipo de tratamento a ser feito”.

“Há uma comissão de acompanhamento a jusante (…), tem de haver enquadramento a montante do fundamento ético da intervenção clínica”, defendeu.

Os especialistas consideraram ainda que a lei deve ter em conta a realidade atual da sociedade, pedindo a definição de recomendações de cuidados psicoterapêuticos em situações de alto risco e situações traumáticas, dando como exemplo os casos de abuso sexual, catástrofes, guerras e migrações forçadas.

“Há ainda a ideia de que a saúde mental é a parte da saúde. Mas na nossa perspetiva (…) a saúde mental está a montante da saúde. Temos de investir na avaliação psicológica, no apoio materno infantil, nas situações de relação conjugal, de violência doméstica… tudo está a montante”, afirmou Jorge Gravanita.

O especialista enalteceu o facto de a lei querer retirar dos hospitais quem precisa de apoio nesta área, mas lembrou: “Queremos tirar as pessoas do modelo hospitalar, mas ainda vamos mandar pessoas em emergência para os hospitais gerais. Não há uma política de emergência. A lei da saúde mental tem de ter isso em vista”.

Apontou ainda a necessidade de garantir o direito de qualquer pessoa reivindicar tratamento não medicamentoso, sublinhando: “não é possível uma pessoa entrar no centro de saúde, dizer que está triste, de luto, e levar imediatamente um medicamento”.

“Quais as consequências do excesso de farmacologia. Há pessoas dependentes dos psicotrópicos”, insistiu o responsável, defendendo que “o tratamento de primeira linha devia ser não farmacológico, nomeadamente nas crianças, que estão em fase de desenvolvimento”.

Ambos questionaram “se haverá condições para a efetiva realização que a lei prevê”, com equipas multidisciplinares para abordagens de proximidade, lembrando a já conhecida falta de recursos: “Trabalhamos no terreno. Temos consciência disso”.

Tiago Salvador Santos, da Sociedade Portuguesa para o Estudo da Saúde Mental, destacou alguns pontos positivos da lei, mas reconheceu que, nalguns casos, precisa de ser adequada, dando como exemplo a questão das avaliações clínico-psiquiátricas no domicílio.

“Levanta-nos muitas dúvidas de que possa ser uma prática de rotina, tendo em conta a logística implicada. Parece pouco pragmático e implica riscos sem benefícios que justifiquem”, disse o especialista, defendendo que estas avaliações no domicílio sejam consideradas apenas em situações “excecionais e fundamentadas”.

Questionado pelos deputados sobre a possibilidade de aplicar na área da saúde mental, que tem falta de recursos e grandes listas de espera para consultas, o princípio do “cheque-dentista”, com recurso ao privado, respondeu que a saúde mental é uma área em que a intervenção deve ter continuidade, não podendo ser pontual.

LUSA/HN

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