HealthNews (HN)- Organizou um fórum com o tema “Mitos, Verdades e Dúvidas”. Porquê?
Isabel Luzeiro (IL)- Organizei este fórum porque na ciência, como na cultura e na sociedade, há sempre verdades, dúvidas e há mitos que passam de geração em geração. Pretendia uma reunião em que esses assuntos falsos fossem desmistificados e em que, realmente, a verdade viesse à tona, ou, no caso de haver dúvidas, que elas fossem realçadas e refletíssemos sobre elas.
HN- Que balanço faz destes três dias?
IL- Um balanço muito positivo. De facto, os temas foram escolhidos com base no título e, assim, foram abordados assuntos controversos e que estão a tomar lugar na discussão neurológica e na sociedade em geral. Todos os temas suscitam dúvidas. Houve colegas a favor e outros contra, propositadamente, no painel. Os vídeos também suscitavam inúmeras dúvidas e puseram à prova o raciocínio lógico dos colegas que estavam na reunião.
Realço duas conferências e um debate. No primeiro dia, o debate da eutanásia. Também aqui há muitas dúvidas e muitos mitos sobre o que fazemos. Como médicos, temos que pensar não só em salvar o doente, como até aqui, mas também em dar dignidade ao doente na morte que ele deseja. Tivemos pessoas de diversas opiniões e com diferentes diferenciações, e foi muito interessante. No segundo dia, houve uma conferência excelente sobre a música e os parkinsónicos. Os doentes parkinsónicos, uns sabiam tocar, outros não sabiam absolutamente nada, foram desenvolvendo uma orquestra, liderada por um músico. Os próprios doentes repararam que houve melhoria dos movimentos, sim, mas houve essencialmente o que agora designamos por wellbeing, portanto, uma qualidade de vida muito superior, para além de uma socialização muito maior e contínua. Acho o projeto encantador. Vai avançar e precisa de apoios. Portanto, tive muito gosto em mostrá-lo também.
No final da manhã do último dia, tivemos uma conferência da Professora Manuela Grazina sobre “Vídeo-jogos – adição ou distração”. Há mitos de que estar no computador não leva à adição; mas leva, dependendo do tempo de uso e da suscetibilidade genética. Essas pessoas, geralmente, têm tendência a ter outras adições. A Professora Grazina mostrou os aspetos genéticos e moleculares, como só ela sabe fazer, de maneira encantadora, com graça. Mostrou-nos que, realmente, este uso constante deste material é um grande risco, que se agravou com a pandemia.
Estes temas foram de grande realce, embora todos os outros tivessem sido muito polémicos, muito discutidos e muito interessantes. Portanto, estou muito feliz com a reunião.
HN- Quão desafiante é definir um programa de uma área tão vasta e complexa como a Neurologia?
IL- Eventualmente não verbalizam, mas haverá sempre quem goste e quem não goste do que seleciono. É muito difícil. Nós temos anualmente um fórum, que é esta reunião, temos um congresso e temos o Neurocampus. A atividade do Neurocampus é dirigida à formação intensa dos internos, que têm uma participação muito ativa na escolha do programa, porque são zonas da Neurologia e áreas afim que eles consideram mais carenciadas em formação. O congresso é profundamente científico, embora possa haver um aspeto cultural, uma exposição, uma homenagem. Mas tem outro cariz: saber o que há de update nas diversas áreas da Neurologia.
Para o fórum deixei de facto os assuntos que, não sendo os mais apetecíveis, são decerto os mais controversos. Digamos que é uma revisão de toda a literatura que há sobre esses assuntos e a exposição dessa mesma literatura. É essencialmente na discussão que surge a luz. Portanto, tivemos um período de tempo alargado para discussão, em que todos demos opinião, e daí surgiram algumas ideias. Claro que os temas não são totalmente abrangentes, mas são temas que a comunidade neurológica acha mais polémicos.
Envolvi assuntos novos como o sono, que é uma patologia neurológica e que estava um pouco esquecida, abrangi as dores de cabeça após traumatismo craniano. Fala-se agora muito sobre os jogadores da bola terem traumatismos cranianos e, depois, ficarem com dores de cabeça e com síndrome pós-traumático. Sim ou não, será verdade, será falso. Foi este género de trabalho que tive.
HN- Que questões foram colocadas em cima da mesa na sessão da eutanásia e morte medicamente assistida?
IL- Foram abordadas diversas questões. Como já disse, tentámos realçar, ou pôr como premissas, o bem-estar do doente e a dignidade dele. Há dois tipos de doentes. Há o doente que está próximo da morte, nos cuidados paliativos, e em que, portanto, nós fazemos, na maioria dos casos, essa morte medicamente assistida, dando conforto e terapêutica para a dor. Mas quando falamos da eutanásia, que em Portugal também será uma morte medicamente assistida porque será na presença de um médico – não sabemos ainda se é o médico que vai realizar o ato ou se é o doente que realiza o ato na presença do médico –, muitas das vezes implica a antecipação, em meses ou anos, da morte, respeitando a vontade do doente.
Foi discutido qual é que seria esse timing (ninguém sabe) e se a primeira decisão do doente deprimido teria valor, quando ele diz pela primeira vez que quer morrer. Terá de ser perguntado reiteradamente a este doente – não se enumerou quantas vezes, mas mais que uma vez, pelo menos – se ele deseja de facto morrer antecipadamente. Essencialmente, temos que respeitar a vontade do doente e saber qual é o timing em que isso acontecerá. Discutimos também o nosso papel médico, porque estamos muito habituados a salvar vidas, não estamos habituados a ajudar a morrer ninguém. O Governo ainda não disponibilizou critérios, nem quem a praticará, se há objetores de consciência ou não, e isso foi também um tema muito debatido.
Foi debatido a facto de a precariedade e o número reduzido de cuidados paliativos terem certamente influência nos doentes que querem a eutanásia, porque não têm apoio nesse aspeto; mas estamos convictos de que, em Portugal, não haverá muitos doentes a quererem ser eutanaziados, porque temos valores de família e até de religião que compreendem o doente estar no seio da família e ter o apoio de todos. Portanto, têm um conforto e uma minimização da dor por estar no seu ambiente. Nos países nórdicos, por exemplo, não se cultiva esses valores de família. Pensamos que aí esses pedidos serão muito mais frequente. Em Espanha, por ano, praticam-se 180 eutanásias. Pensamos que em Portugal não irá acima das 50. Pode haver agora um crescendo, se isso for promulgado, porque haverá alguns doentes que estão à espera. Mas penso que não será uma medida muito frequente e que nós, na nossa vida médica, não teremos muito que tomar essa decisão.
HN- Em 2023, destacaria que objetivos ou iniciativas da SPN?
IL- O congresso será realizado no Porto, em novembro, e serão abordadas todas as subáreas da Neurologia, sem exceção. Será realçado o que há de novo em cada uma dessas áreas (highlights), quer em termos básicos, quer em termos clínicos ou de tratamento. Estou a pensar numa conferência dedicada aos cuidados paliativos, já que agora é um tema premente, e na sequência da eutanásia. Gostaria de ter presente um colega que já lançou vários livros dentro da Neurologia.
No dia anterior ao congresso propriamente dito, haverá cursos de formação para os internos. Teremos doença vascular, doenças metabólicas, sono e penso que um curso de movimentos oculares. É um hábito que temos no congresso, fazer esta formação para os internos, e esses cursos são para eles curriculares. É importante fazer uma formação administrada por colegas que consideramos de muita qualidade.
Pensamos fazer o congresso com temas em salas paralelas e cada um dos neurologistas escolherá o que lhe é preferencial. Como eu já disse, quero abordar todas as áreas. Já começámos a convidar alguns palestrantes de renome europeus e americanos para estarem presentes nessa reunião. É o grande momento do ano de Neurologia. Fazemos a atualização dos nossos conhecimentos.
HN/RA
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