No passado dia 10, a Direção Geral de Saúde emanou uma norma sobre os cuidados de saúde durante o trabalho de parto, que tem gerado alguma polémica, e que naturalmente foi recebida com agrado por uns e com …. chamemos-lhe talvez incredulidade por outros.
A divulgação desta diretiva chegou aos noticiários de forma algo deturpada, o que, para quem é alheio à realidade de obstetrícia, pode achar que efetivamente esta será uma mudança substancial nos cuidados assistenciais à parturiente e recém-nascido. No entanto, a realidade é bastante diferente.
No SNS, os enfermeiros parteiros (um nome mais simples que enfermeiros especialistas em saúde materna e obstetrícia) conduzem trabalhos de parto e realizam partos eutócicos, ou ditos normais, há anos, quer em mulheres saudáveis e com gravidezes baixo risco, quer em mulheres com gravidezes de risco, desde que em constante articulação com a equipa de obstetras. De uma forma simplista, mas não taxativa, digamos que há uma partilha constante de responsabilidade entre enfermeiro parteiro e obstetra, sendo que ao enfermeiro parteiro cabe a condução de partos fisiológicos, ou sejam, que seguem o padrão de normalidade do parto, e aos obstetras os trabalhos de parto que apresentem desvios da normalidade.
É difícil balizar taxativamente as funções de profissionais que acima de tudo devem trabalhar em equipa, com uma base de confiança mútua, sustentada numa comunicação verdadeira e que tenha os interesses da tríade grávida – bebé – família em primeira linha de conta. Ou seja, num paradigma de cuidados que tenham a mulher como centro da atuação, caracterizado pela inclusão desta no processo de tomada de decisão relativamente aos cuidados que lhe são prestados, pelo respeito da sua vontade, abrangendo os seus desejos e que deve ser complementada com a evidência científica e o conhecimento prático de um profissional competente na área de obstetrícia.
Nas instituições em que os enfermeiros parteiros já assumem as competências para as quais têm formação, a diferença em termos organizacionais e para as grávidas/famílias será muito pouca, o que também acaba por não ser uma medida que venha colmatar a descapitalização humana do SNS, pois na realidade a presença do médico obstetra não é dispensável, uma vez que as grávidas que recorrem ao serviço de urgência e às salas de partos têm diferentes graus de complexidade.
Existem algumas questões que creio serem importantes debater no seio das instituições governamentais que gerem a saúde, pois atualmente na região metropolitana de Lisboa, muitas mulheres deparam-se com um condicionamento importante na vigilância da sua saúde sexual e reprodutiva pela penosa descapitalização humana do SNS.
Quais as competências dos enfermeiros parteiros?
Os enfermeiros parteiros são detentores de uma licenciatura em enfermagem, e aventuram-se num curso de mestrado e especialização em saúde materna e obstetrícia, financiado pelo próprio, por um período de 2 anos, em que, para além de terem de manter a sua atividade laboral, utilizam o seu tempo livre para aumentarem o seu grau de conhecimento e elevarem a sua capacidade técnica e relacional. Este curso de especialização consiste num programa de formação, homologado pelas diretivas europeias 2005/36/CE e 2013/55/EU, que lhes confere competências para vigiar gravidezes de baixo risco, fazer partos eutócicos, consultas de saúde sexual e planeamento familiar, entre outras e que se encontram devidamente regulamentadas no Regulamento n.º 391/2019, em Diário da República, e que pela exigência de número mínimo de cuidados durante o percurso formativo, são reconhecidos a nível europeu.
Como é que o SNS pode aumentar a sua capacidade de resposta em obstetrícia?
O contexto atual do SNS exige soluções, não podemos continuar a deixar grávidas sem vigilância de gravidez, no sistema de saúde público à qual têm direito, mulheres sem rastreio do cancro do colo do útero ou sem consultas de planeamento familiar. Os enfermeiros parteiros têm a competência e o dever de assumir as suas responsabilidades, quer em contexto de cuidados de saúde primários, quer em contexto hospitalar, realizando consultas que sejam da sua área de competência e para as quais têm formação, libertando os médicos para vigiarem situações de alto risco e/ou patologia. Apenas aproveitando os recursos humanos existentes, na totalidade, é que o SNS conseguirá dar uma resposta atempada e por profissionais competentes a todos os seus utentes, e para isso a autonomia dos enfermeiros parteiros precisa de ser valorizada.
Sou enfermeira parteira há 12 anos, amo a minha profissão, e tenho o orgulho de dizer que já ajudei mais de 700 famílias a receberem os seus bebés na sua estreia neste mundo. Há 12 anos que faço partos eutócicos e realizo o internamento de grávidas, por isso esta norma vem reforçar a minha prática diária, onde trabalho em uníssono e com uma base de confiança com uma equipa de obstetras, conferindo apoio e suporte mútuo, baseado em protocolos institucionais devidamente aprovados. Esta tem de ser uma realidade transponível a nível nacional. A bem de todas as mulheres, espero sinceramente que venha a ser um facto inegável.
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